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Quando fala de música, o professor, maestro e compositor Olivier Toni, do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – que completou 80 anos no dia 26 de maio –, ganha um entusiasmo de menino. Foram a paixão e o idealismo por essa arte que o impulsionaram através de sua carreira, tornando-o um grande nome desse setor e o protagonista de inegáveis contribuições. Toni, ao longo de sua vida, ajudou a fundar nove orquestras, entre elas a Orquestra de Câmara de São Paulo, a Orquestra de Câmara da USP e a Orquestra Sinfônica da USP. Ele foi também idealizador do Departamento de Música da ECA, criado em 1970. Como professor, formou inúmeros alunos, muitos dos quais acabaram se tornando, eles também, grandes expoentes da música brasileira, como Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Régis Duprat, Rodolfo Coelho de Souza e Gilmar Jardim. Nesta entrevista ao Jornal da USP, o professor recorda suas realizações, analisa o papel da Universidade no ensino da música e fala sobre o atual cenário dessa manifestação artística no Brasil.

Jornal da USP – Como surgiu a idéia da criação do Departamento de Música da USP?
Olivier Toni – Eu era dirigente da Orquestra de Câmara de São Paulo e nós fomos convidados pelo Erasmo Mendes a nos apresentar em Ribeirão Preto, no encerramento da reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Depois da apresentação, o professor Covian, o professor Erasmo Mendes, outros três professores da USP e eu estávamos tomando chope no Pingüim (tradicional choperia de Ribeirão Preto). De repente, eu falei: “Eu nunca imaginei na minha vida que uma universidade como a USP pudesse não ter nenhum contato, nenhum namoro com nada que seja arte. Não há uma unidade que estuda e desenvolve a arte na USP, a não ser passageiramente”. Erasmo falou: “Pois é, uma vergonha”. Eu perguntei por que a gente não fazia uma coisa básica, um memorial para alguém, para o reitor e quem sabe... Todo mundo achou graça. Achou que não ia dar em nada. Mas o Erasmo fez o tal memorial, duas páginas bonitas, e decidimos que não seria só para a música, mas para todas as artes.

JUSP – Quando foi isso?
Toni – Em 1966. Foi feito esse memorial e você não imagina quem assinou. A Filarmônica de Viena estava aqui, com o grande regente Karl Böhm. Eles ensaiavam no municipal e eu tocava lá, então entrei e comecei a contar a história da música na Universidade para ele. Ele era favorável, falou que ia fazer um depoimento dizendo isso e pediu que toda a Orquestra Filarmônica de Viena assinasse. Eu fui colega do Rui Mesquita e do Júlio Mesquita Filho na Faculdade de Filosofia. Eu ia muito ao Estadão, lá na Xavier de Toledo, tomar cafezinho e bater papo. Então expliquei nossa idéia para o Rui e disse que precisava da assinatura do pai dele. Ele foi conversar com o pai. O Júlio Mesquita disse assim: “Vai contando o seu projeto enquanto eu assino”. E assinou. Você não é capaz de imaginar o que isso me abriu. Então nós marcamos uma entrevista com o reitor, que era o Gama e Silva. Ele olhou o projeto, viu a assinatura do Mesquita e disse: “Que formidável!”. Mas ele falou que ia pensar.

JUSP – Quando o senhor percebeu que o projeto iria para frente?
Toni – Passaram-se quinze dias, eu estava ensaiando no Teatro Municipal e um colega disse que tinha visto meu nome no Diário Municipal. Eu pensei: que bom se for aumento de ordenado. Fui lá comprar o jornal. Procuro, procuro e nada. Então vi, nas últimas páginas, a portaria da Reitoria constituindo uma comissão especial para a criação de um Instituto das Artes. E assim começou. Foram dois, três anos de reuniões e projetos. Quem estava mais envolvido com as três artes – a música, as artes plásticas e o teatro – era eu, por causa da música. O Estatuto saiu em 1969 ou 1970 e estava lá: música, teatro e pintura na Escola de Comunicações e Artes da USP.

JUSP – Como o senhor vê o Departamento de Música hoje, mais de 35 anos depois de sua criação?
Toni – Eu estou dividido. De um lado, temos muitas dificuldades. Não conseguimos ainda fazer com que o Departamento de Música se iguale a um grande conservatório. Nós temos 30 vagas apenas. Deveríamos ter, no mínimo, 80. Como é possível fazer, assim, a coisa principal, que é ter orquestras dentro do departamento? Temos a Orquestra de Câmara, mas ela não tem muitos alunos do departamento. Seria interessante que todos os músicos que tocam na USP fossem alunos ou pessoas ligadas à USP. A mesma coisa com relação à Orquestra Sinfônica da USP. De outro lado, nós oferecemos toda a parte da filosofia, da reflexão, como nenhum conservatório faz. De qualquer forma, os resultados têm sido muito bons. O departamento já formou grandes músicos. Os alunos da primeira turma são inesquecíveis. Gilmar Jardim, Marcos Câmara, Lídia Bazarian, Silvio Ferraz Mello, Pedro Paulo Salles e tantos outros.

JUSP – Qual a importância de ter uma orquestra no departamento?
Toni – A importância é que a Universidade se assemelharia a um conservatório, com a música técnica e não só a reflexiva. A Universidade precisa trazer a música prática cada vez mais para dentro do seu espaço. Os conservatórios, do seu lado, deveriam desenvolver mais a reflexão. Mas nós estamos conseguindo isso agora, com a Orquestra de Câmara. Eu creio que é uma idéia de todos unir toda a atividade musical em um único pólo, que é o Departamento de Música. Por que locar a Orquestra Sinfônica da USP na Reitoria? Ela poderia ajudar o Departamento de Música e vice-versa. Nós temos que ter os cursos que temos, mas precisamos também dos organismos de execução da música. É como o Hospital das Clínicas e a Faculdade de Medicina. A Universidade precisa começar a entender que o espaço destinado às artes deve ser privilegiado, tanto quanto o que se destina à ciência.

JUSP – Como o senhor analisa a música brasileira hoje?
Toni – A linguagem artística, como um todo, está cada vez mais desfigurada. Não há mais solução na linguagem musical. Tudo o que veio recentemente passou. A música eletrônica passou, a música dodecafônica passou e o jovem músico vai escrever o quê? Vai escrever o mesmo que Mozart, Verdi? Não. A música vive um impasse. A música ocidental é toda montada num esquema em que dentro da oitava se fixaram todas as notas e o músico é obrigado a tocar temperado ou, como se diz hoje, afinado. Agora se inventou o serialismo, que usa algumas notas mais do que outras. Eu, como compositor, ultimamente me recuso a usar as 12 notas. Vai estrear em agosto, por exemplo, uma peça minha, que vou reger com a Orquestra Sinfônica da USP. Ela se chama Recordare, em homenagem a Mozart, foi feita para violoncelo e orquestra e tem só seis notas.

JUSP – Qual é a importância da Universidade nesse momento de impasse que a música vive hoje?
Toni – Como professor, procuro mostrar sempre que nós vivemos em nosso tempo e que não há mais condições de escrever o que se fez no passado. Como alguém pode fazer uma nova Monalisa que não é a Monalisa original? Quem se interessa por uma coisa nova feita no modelo do passado? Ninguém. Por outro lado, eu coloco que você não pode fazer nada de interessante neste momento sem olhar para o passado. Não é imitar o passado, mas tem que prestar atenção nele. É preciso estudar a teoria e a gramática da música do passado, porque, senão, fica-se redescobrindo sempre as mesmas coisas. Nisto está a justificação da música na Universidade: o estudar a música. Mas isso não pode estar separado da execução. Se o aluno reflete, fala sobre a música, mas não toca, vai falar sobre o quê?

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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