As
cores verde e amarelo que pintaram a cidade nos últimos
dias já avisam: a festa está para começar.
Nesta terça-feira, dia 13, o Brasil estréia na
Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, contra a Croácia,
num jogo que deve fazer o País parar. Serão pequenas
multidões aglomeradas diante dos televisores, acompanhando
cada movimento da bola e torcendo, como se o futuro da nação
dependesse daquele resultado. Se o Brasil ganhar, o ritual deverá se
repetir a cada jogo com um entusiasmo crescente até a
explosão da vitória final, que transformará o
País inteiro em uma grande festa.
“O campeonato mundial mexe com as estruturas lúdicas
do brasileiro. É uma comoção popular maravilhosa.
O povo fica atônito. Por mais frio, por mais germânico
ou suíço que você seja, não consegue
ficar quieto”, resume o professor Waldenyr Caldas, da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da USP, apaixonado
por futebol e estudioso do assunto. Caldas diz que as Copas mexem
muito com o imaginário do brasileiro e que o futebol já se
tornou parte integrante da cultura do País. Ao lado das
telenovelas e do carnaval, ele tem um lugar de destaque nas manifestações
culturais nacionais.
Embate
entre países – Os céticos, por outro
lado, se perguntam o porquê de tanta comoção
por algo que não passa de um jogo, uma disputa sem maiores
implicações. Acontece, segundo Caldas, que há tempos
os campeonatos internacionais de futebol deixaram de ser vistos
no Brasil como uma mera competição esportiva. Eles
se tornaram uma ampla disputa entre países. “Trata-se
de uma disputa internacional em que aparece o nome do Brasil contra
a Argentina, contra a Inglaterra, contra a Croácia e assim
por diante. Isso transcende o caráter futebolístico
e passa a ser uma questão de país contra país”,
explica. Isso justifica, para Caldas, o interesse pelo esporte
que, em época de Copa, costuma atingir mesmo aquelas pessoas
que não acompanham os campeonatos nacionais. “As mulheres,
por exemplo, que quase nunca participam de futebol, nesse momento
se engajam”, afirma, explicando que, em geral, elas não
estão participando por causa do futebol, mas sim porque
vêem em jogo as cores do seu país, numa disputa
internacional.
Até os que não são tomados pelo patriotismo
sazonal acabam aderindo ao clima de comemoração,
ainda que por inércia. Caldas acredita que de 30% a 40%
dos que assistem à Copa do Mundo não sabem bem o
que significa a magnitude do futebol brasileiro no mundo. “Surge
no País um clima contagiante. Como se fosse uma epidemia.
Você pode não estar muito propenso a participar, mas
fica vendo as pessoas falarem e acaba se envolvendo”,
destaca.
Para
Caldas, os veículos de comunicação têm
também um importante papel na construção
dessa euforia coletiva. Segundo ele, a imprensa tornou o
futebol o evento midiático mais importante para o
brasileiro, explorando a comoção ao extremo. “Eu,
que sou apaixonado, estou saturado de ver futebol na televisão
nestes últimos
dias.”
Num
país carente de vitórias e de orgulhos nacionais,
como o Brasil, o futebol representa ainda uma forma de afirmação
da nação. “Nós, brasileiros, não
somos bons na economia, não temos uma política
organizada nem uma democracia consolidada. Não temos
muitas coisas fundamentais. Nós temos o futebol. Nas
outras coisas nós
somos sempre sofríveis.” Nesse sentido, o esporte
aparece como uma maneira de sublimar a ausência de
sucesso em outros setores.
Em relação ao risco de esse entusiasmo acabar se
tornando uma cegueira em relação aos problemas da
nação, Caldas afirma que a Copa só ocorre
a cada quatro anos e que a comemoração é mais
uma “alegria do povo” do que um “ópio
do povo”. Apesar disso, ele acredita que uma possível
vitória será, como sempre, explorada politicamente. “A
vitória será muito boa para o presidente Lula, como
foi para Fernando Henrique em 2002. Ele deverá explorar
isso ao máximo”, prevê, dizendo que, por outro
lado, o futebol não tem toda essa força política
que se costuma atribuir a ele e que o desempenho no campeonato
não deverá influenciar, por exemplo, o resultado
das eleições.
Caldas
aproveita para alertar sobre o perigo da sensação
de vitória garantida ou do clima de “já ganhou”,
que está sendo motivado pela euforia coletiva. “É muito
ruim. Espero que a seleção fique imune em relação
a isso”, afirma, acrescentando que os jogadores de hoje são
extremamente profissionais e espera-se que eles encarem essa expectativa
com profissionalismo. Caso isso não aconteça, o Brasil
pode ser derrotado já pelo seu primeiro adversário. “Se
entrarmos no ‘oba-oba’, poderemos quebrar a cara já com
a Croácia. Eu não acredito que o Brasil vá passar
facilmente pela Croácia. Vou ficar feliz com um empate”,
conta.
Diante
da possibilidade de o Brasil não ser hexacampeão,
Caldas não se assusta. Para ele, o que importa é o
espetáculo. “Eu vejo o jogo como via Telê Santana:
o jogo pelo jogo, pelo espetáculo, não para ganhar
a qualquer custo”, explica. Ele diz, ainda, que ficará “muito
feliz” se o País perder jogando bem, jogando bonito. “Vou
ficar mais infeliz se nós ganharmos jogando mal”,
completa. Apesar disso, Caldas admite que essa visão não é compartilhada
pela maioria dos brasileiros, que quer um futebol de resultados.
Segundo ele, o jogo acabou sendo transformado em “uma batalha,
uma guerra que deve ser vencida”. Sobre o resultado final,
Caldas não arrisca previsões. Afirma que temos, sim,
o melhor time, mas avisa: “Isso não quer dizer que
seremos campeões”. |
Um país de craques
Pelé, Djalma Santos, Nilton Santos, Rivelino,
Sócrates, Zico, Rivaldo, Cafu, Romário, Roberto Carlos
e a mais recente dupla Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. Esses
são apenas alguns dos jogadores que compõem a interminável
lista de craques que o futebol brasileiro já teve. E novos
fenômenos não param de surgir. Diante desse quadro, é impossível
não perguntar o porquê de tantos talentos concentrados
em um único país. Ao que tudo indica, não
se trata de sorte, mas de uma série de fatores que acabam
tornando o brasileiro e o futebol uma feliz combinação.
Para o professor Waldenyr Caldas, da ECA, o que
está por
trás disso é a “malemolência”,
a ginga natural do povo brasileiro. “O jogador do Brasil
tem, com a bola nos pés, uma habilidade que é decorrência
da influência africana. Ele tem um jogo de cintura mais leve
e mais bem feito, uma ginga que é muito característica
do carioca, mas que antes de ser do carioca é do negro”,
afirma. Para Caldas, isso só aparece nos jogadores dos países
africanos, que teriam um estilo muito parecido de jogar. Esses
países, no entanto, não têm uma cultura do
futebol tão enraizada, já que se trata de um esporte
recente no continente. Não existe, também, a mesma
estrutura econômica que se mobiliza em torno desse esporte
no Brasil. “No entanto, tenho certeza de que, nos próximos
20 anos, vai haver um campeão mundial africano.”
Segundo o professor de Educação Física Dante
de Rose, atual diretor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
da USP (EACH), é exatamente a “cultura do futebol”,
presente no Brasil, que motiva um grande número de jogadores
a começar a praticar o esporte espontaneamente. “É como
o basquete ou o beisebol para o americano. Eles nascem jogando”,
compara. Para De Rose, essa mesma espontaneidade é uma característica
peculiar do futebol nacional. “O brasileiro joga futebol
muito naturalmente, com alegria, às vezes até de
maneira irreverente.”
Além disso, ele explica que, num país pobre em oportunidades
para as classes mais pobres, o esporte aparece como uma forma de
inserção social, uma possibilidade de se atingir
sucesso profissional. Para De Rose, porém, isso pode ser
muito negativo. “O futebol como possibilidade passa, em muitos
casos, a ser mais importante do que a educação, por
exemplo”, justifica. Ele diz ainda que é preciso pensar
no enorme contingente de pessoas que sonha em se tornar um grande
craque e investe a vida nisso, sem nunca ter sucesso. “Isso é triste,
porque temos diversos casos bem-sucedidos, mas imagine quantas
pessoas tentam e não chegam onde queriam”, lamenta
De Rose. |