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O ingresso da Venezuela no Mercosul, oficializado dia 4 de
julho em Caracas, não agrada nem ao professor de Direito Internacional
e de Direito da Integração Econômica Paulo
Borba Cosella nem ao professor de História Osvaldo Coggiola.
Por motivos diferentes. Para o jurista da USP, autor de meia
dúzia de livros sobre o bloco de países latino-americanos
que agora recebe a companhia do presidente Hugo Chávez,
a idéia de reforçar o Mercosul com novos membros é boa,
mas o momento não é oportuno, porque problemas
não resolvidos de implementação do bloco
enfraqueceram a tentativa de integração. “Trazer
mais um membro na hora em que as coisas não funcionam
significa mais desestabilização.” Para
Coggiola, Hugo Chávez pratica uma política
ingênua, confiando na estabilidade dos altos preços
do petróleo, e adere ao Mercosul em razão do desmantelamento
da Comunidade Andina das Nações, prejudicada pelos
acordos bilaterais assinados pela Colômbia, Equador, Peru
e Chile com os Estados Unidos. Quanto ao presidente brasileiro
Luiz Inácio Lula da Silva, o professor de História
diz que tem um pé na Alca, outro no Mercosul, e sem dúvida
assinaria um acordo particular com os Estados Unidos se isso
fosse necessário para garantir a reeleição.
Inoportuno – Cosella considera especialmente
inoportuno e desestabilizador o ingresso da Venezuela no bloco
que até agora
congregava Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em razão
da personalidade do presidente Chávez, “mui amigo
quando lhe convém e até desleal quando não
convém”. Teria agido assim em relação
ao Brasil ao dar total apoio ao presidente da Bolívia,
quando Evo Morales, além de desapropriar unidades petrolíferas
de empresas estrangeiras, inclusive da Petrobras, trocou os técnicos
da estatal brasileira por pessoas de seu país. Nessa hora,
segundo o professor da Faculdade de Direito e do Programa de
Pós-Graduação
em América Latina (Prolam), Lula mostrou-se fraco, aceitando
sem reação uma atitude deselegante e ilegal, “um
crime do qual Hugo Chávez foi o mentor”.
A
omissão do mandatário brasileiro teria desacreditado
o seu discurso e suas bravatas eleitoreiras, repelidas também
pela Argentina, que deixou claro que não aceita a liderança
do Brasil. O mesmo aconteceu com o Chile, que preferiu o Nafta,
na companhia dos Estados Unidos, México e Canadá,
ao Mercosul. Mais constrangedor, na opinião de Cosella,
foi o apoio de Lula à idéia de dar à Venezuela
assento no Conselho de Segurança da ONU, lugar antes
pleiteado pelo Brasil.
O
professor de Direito Internacional está convencido de
que essa pretensão, frustrada, custou caro ao Brasil, que
por conta de promessas de apoio não cumpridas da China abriu
mão de interesses econômicos do País. “Parece
que as pessoas não estudam história”, diz Cosella,
lembrando que já em 1929, à época do presidente
Artur Bernardes, o Brasil pleiteava cargo semelhante na Liga das
Nações e não foi atendido. Enquanto
o Brasil ficou falando sozinho, a beneficiada foi a Alemanha,
que vinha de uma derrota na Primeira Guerra Mundial.
Concedendo
que a entrada da Venezuela no Mercosul traga algum benefício,
o jurista lembra que haveria interesse estratégico em garantir
petróleo, mas no caso do Brasil isso vale menos, uma vez
que a produção da Petrobras já garante a auto-suficiência
ao País. Além disso, Cosella considera Chávez
um parceiro populista e pouco confiável. Diante disso, pacificar
o Mercosul será tarefa difícil. Agora mesmo, o Uruguai,
rompendo a máxima de que roupa suja se lava em casa, deixou
pública a dificuldade de relacionamento com os outros membros,
especialmente Argentina e Brasil, que não foram capazes
de resolver o caso internamente. Os discursos ouvidos entre hermanos
soam vazios, em clara demonstração de que o Mercosul
falhou na sua implantação, em especial nos aspectos
jurídicos.
De
qualquer forma, Cosella continua acreditando que a idéia
de integração regional é importante e viável.
Atuar em grupo é a melhor forma de competir no mercado internacional.
Estão aí para provar a União Européia
e o Nafta, entre outros grupos regionais mundo afora.
Mão única – Mais crítico, porém
com outros argumentos, manifesta-se o professor Osvaldo Coggiola.
Para o historiador, se a grande imprensa brasileira destila “intoxicação
ideológica” sempre que se refere a Hugo Chávez
(ou a outras lideranças de esquerda), há também
os que fazem a sua apologia, considerando o presidente venezuelano
um líder socialista, quando ele de socialista não
tem nada.
Para
Coggiola, entre as posições extremadas deve
ficar a Universidade, para repor a verdade. E a verdade, para começar, é que
os Estados Unidos, depois de agitar o espantalho da Alca, conseguiram
o objetivo que queriam com os acordos bilaterais: destruir a Comunidade
Andina das Nações. Uma das conseqüências
imediatas foi a decisão de Hugo Chávez de procurar
alternativa, alinhando-se com o Mercosul. Seu ingresso no bloco
passa a ser considerado uma forma de compensar a perda daquelas
parcerias, mas a Venezuela enfrenta então dois novos problemas.
Primeiro, encontrar um Mercosul enfraquecido e questionado por
dois de seus membros, Paraguai e Uruguai. Segundo, Brasil e Argentina,
embora não tenham assinado acordos bilaterais, em razão
da política de subsídios agrícolas praticada
pelo país do Norte, provavelmente não hesitariam
em assiná-los quando isso lhes convier, inclusive por interesses
eleitorais de seus mandatários.
Aos
países que integram o Mercosul e aos demais da América
Latina, com exceção da Venezuela, falta independência
energética. Nesse contexto, Hugo Chávez joga com
os títulos da dívida pública de outros países,
especialmente a Argentina. Primeiro compra os títulos, depois
os revende aos bancos de seu país para pagar a dívida
interna e os bancos, que não foram nacionalizados,
acabam remetendo o dinheiro para o exterior.
Outra
questão apontada pelo professor de História
diz respeito aos interesses de grandes empresas, brasileiras e
argentinas, na construção de obras destinadas à produção
de energia. Acontece que os Estados Unidos também estão
de olho no mesmo filão e vêem no Mercosul um obstáculo às
suas pretensões, uma vez que não entram nas licitações
abertas. Com a entrada da Venezuela no bloco, renasce a esperança
das empresas latinas, mas o cenário, de acordo com o professor
Coggiola, não é nada promissor para a estatal de
petróleo venezuelana, cujo caixa vai financiando as grandes
obras, tipo gasodutos, e se esvaziando perigosamente. Desse risco
não estariam livres as empresas de petróleo do Brasil
e da Argentina. A Petrobras porque, afirma Coggiola, 60% de suas
ações estão nas mãos da iniciativa
privada; a Repsol, porque é espanhola. Nesse ritmo, os recursos
saem do Estado, no primeiro caso, ou saem do país,
no segundo.
Os
contratempos que empresas norte-americanas enfrentam no Mercosul
seriam a primeira causa da campanha “terrorista” contra
Chávez. Segundo o professor, nessa luta se engaja a maior
parte da imprensa brasileira, sempre pronta a “tirar do armário
esqueletos, do mesmo modo que fez no caso Palocci” (Antonio
Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula, acusado de corrupção).
Quanto
a Chávez, Coggiola não o poupa pela ingenuidade
de acreditar que a fonte de petróleo é inesgotável
e que sempre sobrará dinheiro para enterrar em gasodutos,
empréstimos a Cuba ou pagamento de médicos atuando
em países amigos. O preço do petróleo, observa, é conjuntural
e pode cair de uma hora para outra. Uma recessão mundial
pode ser decisiva para isso, sem contar que a maioria dos países
procura novas fontes de energia e alguns estão retomando
a exploração da energia nuclear. O Japão é um
deles.
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