Um
país da dimensão do Brasil deve
ter como grande objetivo o investimento nas áreas da saúde
e da educação. Elas serão, sem dúvida,
os alicerces para construirmos uma sociedade melhor, que fortaleça
a auto-estima da nossa população. Qual seria o papel
das faculdades públicas, que podem interferir em conceitos
e ser formadoras de opinião pública, nesse processo
de construção? Será mostrar o que elas podem
e devem fazer pela sociedade. Pois vamos aos fatos.
Saúde bucal não é pura e simplesmente tratar
os dentes dos pacientes. Essa é uma visão simplista
e errônea. A odontologia tem um papel muito mais amplo, que
deve ser mostrado à sociedade para que esta exija das lideranças
governamentais acesso aos seus benefícios. Quando se considera
o quesito saúde bucal, nunca se pode esquecer que a boca
constitui a porta de entrada para a manutenção
da vida dos pacientes.
Essa
constatação leva obrigatoriamente a uma aproximação
entre a odontologia e a medicina, com a finalidade de oferecer
atenção global aos pacientes. E é com grande
satisfação que, para responder a essa necessidade,
estamos dando início a um processo de aproximação
entre as Faculdades de Medicina e de Odontologia da Universidade
de São Paulo (USP). Nosso objetivo é criar e aprofundar
programas comuns que levem benefícios às saúdes
bucal e geral da população da cidade de São
Paulo e sirvam de inspiração para as áreas
de saúde em todo o País.
Alguns
exemplos dessa interdependência mostram a importância
da aproximação entre as duas faculdades. Senão
vejamos: a cavidade bucal é complexa e convive com uma flora
microbiana que pode, se descuidada, causar danos ao organismo,
prejudicando a manutenção da saúde como um
todo. Nas doenças periodontais (das bolsas gengivais) geralmente
se instalam microorganismos que podem promover danos à saúde
dos pacientes, havendo possibilidade de que caiam na corrente sanguínea
e por muitas vezes se fixem nas estruturas do coração
dos pacientes. A evolução da periodontia, que trata
dessas doenças, levou a criar um braço muito forte
direcionado para a área médica, a medicina
periodontal.
Outra área em que a colaboração pode gerar
excelentes resultados é a prevenção do câncer
bucal, que tem alta incidência na população
e que, diagnosticado precocemente, pode ser tratado com grande
sucesso. Já existem esforços do Conselho Regional
de Odontologia de São Paulo (Crosp), de muitas faculdades
de Odontologia e de muitas associações de classe
nesse sentido. Na Faculdade de Odontologia da USP, há a
Liga de Neoplasias Bucais, comandada por alunos da graduação,
e também a disciplina de Semiologia, que podem ser excelentes
agregadoras. Os projetos de prevenção do câncer
bucal são realizados também através
de importantes parcerias.
Pacientes
submetidos a altas doses de quimioterapia e transplante de medula óssea (TMO) podem sofrer dolorosas conseqüências
que os impedem até de se alimentar normalmente. No Fred
Huntinchson Cancer Research Center, em Seattle, nos Estados Unidos,
os pacientes submetidos ao TMO ficam, durante os 45 dias anteriores
ao transplante, sob cuidados do grupo de medicina oral, observando
a cavidade oral para prevenir os dramáticos problemas que
eles podem vir a enfrentar. É um exemplo a ser
seguido.
A
utilização de determinados medicamentos em psiquiatria,
que levam à xerostomia e ao aumento significativo do índice
de cárie dental, também deve ser avaliada e submetida
a rígido controle. Pacientes com bulimia devem ser controlados,
já que a estrutura do esmalte dental fica altamente comprometida.
As próteses bucomaxilofaciais precisam ser incentivadas,
pois recuperam o paciente de muitas deformidades permanentes, devolvendo-o
ao meio social. Por sua vez, as cirurgias bucomaxilofaciais, com
a observância dos transtornos para a manutenção
do correto posicionamento dos dentes na cavidade oral, também
são uma especialidade de alto espectro social.
Os
cuidados preventivos e curativos com as crianças são
uma importantíssima área de ação, devendo
abranger desde o recém-nascido até a adolescência.
No ano passado, demos início a um projeto social, Construindo
Sorrisos, realizado por alunos da graduação da Faculdade
de Odontologia da USP, através da Odonto Júnior,
no qual 120 alunos, a cada três meses, atendem a 500 crianças
que vêm de diferentes comunidades carentes.
Também a disciplina de Odontopediatria da faculdade tem
tornado realidade o tratamento de muitas e muitas crianças,
de forma rotineira e também em mutirões especiais.
O Centro de Atendimento de Pacientes Especiais (Cape), com seus
12 consultórios, tem dedicado muita atenção
a pacientes com necessidades especiais, como pacientes com síndrome
de Down e portadores do vírus HIV, bem como pacientes com
diabetes, e outras que envolvam maior atenção no
tratamento clínico. Outra importante ação,
que já vem sendo desenvolvida há muitos anos é o
Projeto Envelhecer Sorrindo.
O
Ministério da Saúde tem estimulado iniciativas
de atendimento para populações carentes, e o governo
e a Prefeitura de São Paulo também trabalham nessa
direção. O importante é que se consolide a
noção de que muito se pode fazer na odontologia,
além de cuidar dos dentes dos pacientes, e de que o atendimento
deve ser cada vez mais universalizado, chegando a todas as camadas
da população.
A
ação conjugada de médicos e dentistas permite
uma visão do todo do paciente, resultando num tratamento
mais eficaz e numa prevenção planejada. Os profissionais
de saúde devem agir de uma forma multidisciplinar em suas
ações.
Carlos de Paula Eduardo é diretor da Faculdade de Odontologia
da USP. Giovanni Guido Cerri é diretor da Faculdade de Medicina
da USP.
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