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crédito: Cecília Bastos
A cerimônia de divulgação da pesquisa, em São Paulo: consumidor atento

créditos: SPL

O consumidor brasileiro continua atento e sintonizado com as ações de responsabilidade social e ambiental das empresas. Esse é um dos resultados da pesquisa “Responsabilidade social das empresas – Percepção do consumidor brasileiro 2005”, divulgada no dia 20 de julho, em cerimônia realizada em São Paulo. A publicação é resultado de uma iniciativa do Instituto Akatu e do Instituto Ethos, em parceria com o instituto de pesquisa Market Analysis Brasil. Segundo a pesquisa, 60% dos entrevistados acham que as empresas devem ajudar a reduzir a distância entre ricos e pobres no País. Segundo um dos autores do estudo, Fabian Echegaray, esse dado reflete o contexto de injustiça social do Brasil. A média mundial de respostas positivas a essa questão foi de 44%. “As expectativas do brasileiro são similares às de outros países em desenvolvimento, como Argentina, Rússia e África do Sul. Quanto mais baixo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, mais as pessoas esperam do papel social das empresas”, afirma Echegaray.

Outra tendência comprovada pela pesquisa é que o consumidor brasileiro tem uma visão conservadora em relação à responsabilidade social das empresas e 19% dos entrevistados esperam que as empresas façam doações ou caridade espontaneamente, e ainda valorizam as empresas que apóiam ou fazem parcerias com organizações não -governamentais.

O ambiente interno das empresas também é levado em consideração pelos consumidores brasileiros. Oitenta por cento dos brasileiros pesquisados destacaram o tratamento igualitário dado aos funcionários, contra 70% da média global. Outro tema levantado no estudo ligado à responsabilidade das empresas foi a garantia de responsabilidade dos fornecedores (78%) e a ausência de prejuízos ao ambiente (77%) por conta das operações da empresa.

Sobre a honestidade e veracidade do que as empresas fazem em matéria social e ambiental, apenas 50% responderam positivamente, o que, segundo o diretor-presidente do Instituto Akatu, Helio Mattar, denota a necessidade de uma transformação das relações entre as empresas e seus públicos internos e externos. “O produto não pode mais ser o único veículo de comunicação das empresas com a sociedade. A disponibilidade de informação é uma exigência crescente do consumidor”, afirmou. Esse consumidor cada vez mais exigente irá privilegiar, segundo Mattar, empresas que vão além do seu papel tradicional de criação de empregos e busca por lucros, criando um novo e importante atributo competitivo.

Na apresentação dos resultados foi ressaltada a crescente participação do consumidor como indutor de ações de responsabilidade social empresarial. “O cidadão consumidor está se tornando um consumidor cidadão”, diz Mattar.

A pesquisa brasileira se integra ao estudo internacional “Corporate social responsability monitor”, coordenado pela Globescan, do Canadá, em mais de 20 países, desenvolvido desde 1999. O objetivo é avaliar estratégias de ação e os esforços de comunicação das empresas, além de saber como os entrevistados percebem os diferentes tipos de empresas e como elas poderiam atender às expectativas dos consumidores. A pesquisa mostra de que forma se tomam as decisões de compra e se estas são influenciadas pela percepção da prática de responsabilidade social por parte das empresas.

Foram feitas entrevistas (por telefone ou face-a-face) com uma amostra de cerca de mil pessoas. Os 21 países participantes em 2005 foram: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Coréia do Sul, Estados Unidos, Filipinas, França, Índia, Indonésia, Itália, México, Nigéria, Grã-Bretanha, Rússia, Suíça e Turquia. No Brasil, os dados foram coletados, entre 16 de novembro e 30 de dezembro de 2004, com uma amostra de 800 entrevistas domiciliares em oito capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba e Brasília.

Para Ricardo Young Silva, diretor-executivo do Instituto Ethos, a estratégia de cidadania e responsabilidade social está cada vez mais próxima das empresas. “A pesquisa mostra que o mercado é vivo, não é passível e clama por mudanças. As empresas são agentes de transformação. Já existe no mundo tecnologia, mecanismo e capital suficiente para o desafio e as empresas são pontos-chave para isso.”

Já Hélio Mattar, do Instituto Akatu, ressalta que as pessoas têm noção de que a natureza sofre agressões graves e se sensibilizam com o fato. “Mas elas não sabem o que fazer para ajudar a conter o problema. Acredito que, a partir do momento em que passar a consumir conscientemente, elas podem ajudar a diminuir a degradação ambiental”, acrescentou Mattar, lembrando que informações sobre como se tornar um consumidor consciente estão disponíveis no endereço eletrônico do Instituto Akatu.

Contraponto – Nem todos concordam com o ponto de vista de Mattar. Dois especialistas da USP mostram o outro lado da questão afirmando que esse tipo de pesquisa só está preocupado em promover as empresas, mostrando apenas o seu lado positivo. Ana Akemi Ikeda, professora de Marketing do curso de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, afirma que pesquisas como essa são uma forma de escamotear os dados reais. “Assim a população cria uma simpatia e confiança para com a empresa, sem realmente saber o que está por trás dos dados.”

Para Ana, a própria metodologia da pesquisa não é confiável. Entrevistas por telefone e mesmo face a face não revelam dados verdadeiros, segundo ela. Qualquer um pode responder que faz reciclagem e que usa copo descartável, porque é mais bonito ser politicamente correto, destaca a professora. “Uma pesquisa que se preocupa com os dados a serem levantados tem que ter um cunho qualitativo etnográfico, estudando o ser humano no seu âmbito urbano, no dia-a-dia (supermercado, farmácia, hortifruti etc.)”, acrescenta. “Isso é um oba-oba totalmente enganoso.”
Para Marcos Campomar, diretor da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (Fearp) da USP, a responsabilidade social das empresas é puro modismo e muitas delas fazem mau uso dessa questão. “É o caso das empresas que usam o dinheiro do governo através das organização não-governamentais que não pagam impostos. Poderíamos dizer que empresas que praticam a responsabilidade social corretamente são aquelas que usam o seu próprio dinheiro para o desenvolvimento de uma ação social”, ressalta.

Para o professor, é muito importante que a sociedade se organize na luta pelo consumo consciente, desde que este seja entendido corretamente e os dados apresentados sejam reais, para aprender a reagir contra os abusos das grandes empresas. “Foi a partir da organização da sociedade civil que surgiu o consumerismo, e muitas regras seguidas hoje pelas empresas são devidas a ele”, diz Campomar, referindo-se ao movimento surgido no final do século 19 nos Estados Unidos, em que os consumidores passaram a ser mais críticos a respeito dos produtos colocados no mercado.

O governo e a Universidade também devem fazer a sua parte, ampliando o nível de consciência da população, diz Ana Ikeda. Ela afirma que é preciso criar programas de esclarecimento e a Universidade deve propor projetos de educação sobre o consumo consciente, de forma que a população tome consciência e participe mais ativamente.

 



Diretor discorda de especialistas

Fabian Echegaray, diretor da Market Analysis Brasil, empresa responsável pela pesquisa “Responsabilidade social das empresas – Percepção do consumidor brasileiro 2005”, discorda dos especialistas da USP que vêem esse tipo de estudo apenas como uma forma de promoção da iniciativa privada. Para ele, essa visão demonstra apenas o fato de que os especialistas não leram o relatório nem souberam interpretar seus resultados. “O que o estudo aponta claramente não é uma simpatia cega nem uma desconfiança irreflexiva ou ideológica. Os consumidores acreditam que as empresas têm um papel a contribuir socialmente, indo além do plano produtivo, porém estão divididos quanto à credulidade do que as empresas comunicam sobre seu investimento social. Então, não se entende de onde é tirada a conclusão da criação, na população, de simpatia pelas empresas”, diz Echegaray.

Para o diretor da Market Analysis Brasil, os especialistas confundem metodologia com resultados. “Seguindo essa lógica, todos os indicadores empíricos que visam a quantificar a incidência de atitudes, condutas, crenças, estariam errados. Somente uma técnica específica (dentre várias) de metodologia qualitativa seria a correta. E indicadores como o termômetro de confiança do consumidor elaborado pela FIA e FGV também demonstrariam ser supérfluos ou mal-intencionados”, ressalta.

Echegaray concorda que existem casos de empresas que praticam investimentos sociais privados principalmente por causa do incentivo fiscal, mas diz que elas não são a maioria nem respondem pelo maior volume de ações de responsabilidade social por parte da iniciativa privada. “Mesmo assim, a empresa se orienta pela geração de lucros, os quais podem ser compatibilizados com processos produtivos sustentáveis, articulando a empresa numa dinâmica ganhadora com a sociedade e o ambiente”, diz o diretor, citando o conhecido lema People, planet, profits (Pessoas, planeta, lucros). Ele lembra ainda que ações que não dêem incentivos – “tanto positivos como negativos” – para que as empresas abracem a responsabilidade social são puro voluntarismo, com resultado zero. “Propor projetos de educação sobre o consumo consciente, de forma que a população tome consciência e participe mais ativamente, é certamente uma das motivações do Instituto Akatu e um dos estímulos para a Market Analysis contribuir gratuitamente com a divulgação desses dados.”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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