Segunda-feiraJoão
Alexandre Barbosa, um nome sonoro como sonora era sua voz. Ainda
agora, após deixar seu velório, liguei para sua casa
só para ouvir, mais uma vez, sua voz inconfundível
na gravação da secretária eletrônica.
Ressurgências
do grão da voz. Grão que me traz o professor, o crítico,
o escritor, o editor, o companheiro de Ana Mae, o pai de Ana Amália
e Fred, o avô de Ana Lia, o amigo de tantos, o orientador
de muitos discípulos. João Alexandre Barbosa, meu
orientador e amigo.
Conheço João há quase 40 anos. Cursava a primeira
turma de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da USP, ia aos vizinhos barracões da Letras em busca
de livros e me deparei com uma pequena biblioteca do Departamento
de Teoria Literária: o jovem professor João Alexandre
me emprestava livros e eu não perdia a oportunidade de conversar
sobre literatura. Quando terminei o curso, em 1970, meu colega e
amigo Jair Borin me disse que estavam sendo abertas inscrições
para a pós-graduação em Letras. Começava
uma nova fase de pós na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH), já no formato próximo
aos dias de hoje, com seleção, sistema de créditos,
qualificação, prazos.
nscrevi-me
para seleção com o professor João Alexandre,
que se iniciava como orientador. Além de mim foram selecionados
Ilka Laurito, José Fulanetti de Nadai e Iumna Simon.
Essa pós-graduação abriu caminhos intelectuais
e afetivos. Aulas com Antonio Candido, Walnice Galvão, Boris
Schnaiderman. Convívio com colegas como João Luiz
Lafetá, José Miguel Wisnik, Flora Bender, Flávio
Aguiar, Jorge Schwartz. Apesar de sempre ter sido ávida leitora
e ter tido muitas matérias sobre língua e literatura,
por vezes me sentia um pouco intimidada no meio desses estudiosos.
Já conhecia João Cabral de Melo Neto, mas foi João
Alexandre que me fez conhecer João Cabral de verdade. Com
os dois Joãos conheci Recife e conheci Pernambuco muito antes
de lá pisar. Não foi uma educação pela
pedra; foi uma educação pelos grãos da palavra,
pelo som de cada verso do poeta que ainda ressoa em mim, na memória
entranhada da voz de João Alexandre dizendo, na aula, a Fábula
de um Arquiteto.
Além
de reuniões individuais, o orientador fazia reuniões
todo mês com o grupo de orientandos, prática que também
procurei implantar quando passei a orientar, dez anos depois. Meu
projeto de mestrado era sobre conto brasileiro; mas a vivência
jornalística provocou uma mudança de rumo, que João
Alexandre aceitou com muita generosidade. O analista da grande literatura
orientou um mestrado sobre narrativa de fotonovela e, mais tarde,
o doutorado sobre imprensa feminina brasileira.
João Alexandre propunha a leitura do intervalo. Ao olhar
a literatura, o leitor tende a construir pares, como literatura
e história, literatura e sociedade, literatura e psicologia.
Ele dizia que devia se buscar apreender a relação
a partir do próprio movimento interno de configuração
do signo literário. Essa leitura entre os dados da realidade
e suas representações seria a leitura do intervalo.
Sua obra, feita de rigor e clareza, perseguia a construção
de um sistema crítico para além das teorias da moda.
João nos deu frutíferos intervalos – e também
espaços temporais plenos de significância.
Nas reuniões de orientação, algumas em sua
casa, fui conhecendo os filhos, a mulher, Ana Mae, de quem me tornaria
amiga e parceira de muitas ações na ECA e também
no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, unidas pelo amor
à arte-educação. Vi os filhos de João
e Ana Mae crescerem; eles viram meus três filhos nascerem
e crescerem. Vidas acadêmicas e vidas pessoais interagiam.
A USP favoreceu esse contexto de sociabilidade, que se expandia
em muitos círculos.
Língua, linguagem, literatura, os caminhos de João
Alexandre Barbosa.
A linguagem entrevista como relação de abertura, de
consolidação e de crescimento: relação
de vida. João, você e sua família me trouxeram
abertura e vida.
Os caminhos e os afetos se juntaram mais uma vez, com muita força,
no mestrado da filha, Ana Amália, em arte-educação.
Eu fazia parte da banca.
Aconteceu o intervalo. João iria iniciar um belíssimo
trabalho com a corporeidade da palavra. A filha educadora, a mãe
educadora, o pai escritor, o irmão poeta se uniram na formação
de palavras viscerais, letra a letra – o signo por excelência,
o amor por excelência. João Alexandre, sua Ana Amália
é palavra poética!
Graças, João, por todas as palavras poéticas!
Grata, João, por me ensinar caminhos de crítica e
afeto!
Dulcilia H. Schroeder Buitoni é professora titular
de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA)
da USP
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