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No mês passado, num evento internacional a respeito da Antártica realizado em Hobart, na Austrália, o professor Antonio Carlos Rocha Campos ficou assustado: foi a primeira vez que ouviu um pesquisador falar sobre a possibilidade de que a evolução da crise energética – especialmente em relação à oferta de petróleo – leve à exploração dos recursos minerais no continente. “É impossível imaginar que não haja petróleo por lá. A questão é o quanto existe e como extraí-lo”, diz Rocha Campos, docente titular do Departamento de Geologia Sedimentar do Instituto de Geociências (IGc) da USP.

O autor da comunicação no simpósio foi Ali Samsam Bakhtiari, especialista sênior da Companhia Nacional de Petróleo do Irã. Em sua página pessoal na internet, é possível encontrar o artigo “The last frontier” (A última fronteira), no qual Bakhtiari diz que, com a exploração de petróleo já iniciada no Ártico, sobrou ao “nosso pequeno planeta uma ‘última fronteira’: a Antártica”. À imprensa australiana, Bakhtiari afirmou esperar que esse cenário não se concretize – porém, em seu artigo, depois de tecer considerações sobre as dificuldades para a prospecção no continente, o iraniano lembra que “nada parece impossível para um mundo sedento de petróleo, especialmente quando os preços dispararam para alturas estratosféricas hoje difíceis de visualizar”.


O professor Rocha Campos (ao lado) e equipe de pesquisadores da USP na Antártica (acima): seminários e simpósios em vários países vão abordar o Ártico e a Antártica, a fim de ampliar o conhecimento sobre essas regiões e contribuir para a sua preservação

No momento, esclarece o professor Rocha Campos, o Protocolo de Madri – que entrou em vigor em 1998 e estabelece as diretrizes para monitoramento do impacto ambiental das atividades na Antártica – proíbe a prospecção mineral. “Mas as grandes potências podem procurar alterar os acordos e partir para esse tipo de exploração”, diz, com a fala de Bakhtiari muito presente na memória.

O docente da USP é um dos maiores especialistas brasileiros em temas ligados ao continente gelado e tem trabalhado intensamente na organização local do Ano Polar Internacional, um megaesforço global que vai mobilizar a comunidade científica entre os anos de 2007 e 2008 para discutir os fenômenos dos Pólos Sul e Norte, sua interação e a influência que exercem no clima do planeta. “Além da estratégia científica, cada país vai se propor a fazer congressos, discussões e simpósios. Alguns países têm cem anos de história antártica e querem valorizar tudo o que fizeram”, comenta o professor. No caso brasileiro, a articulação entre pesquisadores e instituições já existe e funciona a contento. O problema, para variar, está nos recursos. A estimativa do plano proposto para as atividades brasileiras no Ano Polar Internacional é de R$ 30 milhões, dos quais, no momento, apenas uma parcela está garantida. “O nosso esforço junto aos órgãos governamentais é para descontingenciar essa verba”, diz Rocha Campos.

Colaboração – Seis temas para pesquisa são as prioridades determinadas pelo Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês), organização não-governamental fundada em 1931 que reúne sociedades científicas nacionais e internacionais e é uma das promotoras do Ano Polar, ao lado da Organização Meteorológica Mundial. São eles: determinar a situação ambiental atual das regiões polares; quantificar e compreender as mudanças sociais e ambientais passadas e presentes nas regiões polares para aperfeiçoar os projetos em relação às mudanças futuras; avançar na compreensão em todas as escalas dos processos e interações envolvendo as regiões polares; ampliar as fronteiras da ciência nessas regiões; utilizar a oportunidade única das regiões polares para desenvolver observatórios sobre o interior da Terra, o Sol e o cosmos; e investigar os processos culturais, históricos e sociais que marcam a sustentabilidade nas sociedades humanas vizinhas aos pólos, para identificar a sua contribuição única para a cidadania e a diversidade global.

As atividades representam um esforço coordenado e intensivo de pesquisa dos cientistas para acelerar os avanços no conhecimento dos fenômenos envolvendo os pólos, enquanto o período de um ano permite observações nas duas regiões em todas as estações. Além disso, há uma pressão crescente para obtenção de informações em meio ao processo de mudanças climáticas em andamento.

A escolha da data celebra um tríplice aniversário: o de 125 anos do primeiro Ano Polar Internacional (entre 1882 e 1883), os 75 anos do segundo (1932-1933) e os 50 anos do Ano Geofísico Internacional, entre 1957-1958. “A partir do sucesso dessas iniciativas, percebeu-se que era possível fazer pesquisa envolvendo cooperação internacional e deixando de lado questões políticas e territoriais, isso tudo em plena Guerra Fria”, salienta Rocha Campos.

O Brasil terá ainda um outro marco a comemorar: os 25 anos do ingresso no Comitê Científico para Pesquisas Antárticas (Scar, na sigla em inglês, ligado ao ICSU) e da primeira expedição ao continente – período que sempre contou com a participação da USP (leia o texto ao lado). O professor do IGc aponta que a criação do Tratado da Antártica, em 1961, é um marco institucional que deu base para a continuação das atividades, consagrando os 14 milhões de km2 do continente – uma vez e meia o território brasileiro – como área dedicada à paz e à ciência, com livre circulação de pesquisadores e plena troca de informações.

Mudanças no clima – O ser humano é capaz de promover alterações climáticas significativas? Não é por acaso que essa será uma das principais questões em pauta nos debates do Ano Polar Internacional. “Há uma possibilidade concreta de que isso esteja ocorrendo, conforme demonstram trabalhos científicos de peso”, diz Rocha Campos. Entretanto, é preciso determinar com clareza qual o grau dessa interferência. “Mudanças sempre ocorreram, e de forma muito mais drástica no passado, porém não existia ainda a dimensão humana”, salienta o professor. “Somos passageiros de última hora, e o que estamos produzindo é um efeito muito ruim.”

A história da ação humana na poluição está registrada nos pólos. Os resíduos são depositados no gelo e vão sendo cobertos pelas novas camadas ao longo do tempo. Os chamados testemunhos de gelo conservam 800 mil anos de atividade e mostram, por exemplo, um drástico aumento da emissão de gás carbônico na atmosfera no início da Revolução Industrial, no século 18. “A dúvida é o que pode acontecer na Terra no futuro, porque vamos continuar queimando combustíveis por um bom tempo, já que os grandes poluidores, como Estados Unidos e China, não querem saber de restrição em sua capacidade de crescimento”, diz Rocha Campos.

A interação dos fenômenos entre os dois pólos é outro dos alvos prioritários para os pesquisadores. O conceito de que a Terra funciona como um sistema articulado, em que os processos não se dão isoladamente, continua ganhando força. Assim, quando se fala no clima do planeta, deve-se considerar as interações entre áreas aparentemente tão díspares quanto a Amazônia e os pólos. “Não há modelo meteorológico decente hoje que não leve em conta a Antártica”, diz o professor. Com o Ano Polar Internacional, os pesquisadores esperam ampliar a divulgação e o conhecimento a respeito dos projetos e iniciativas que envolvem a Antártica e o Ártico, criando na opinião pública atitudes de apoio à manutenção da paz e da preservação num continente que já começa a ser visto como fronteira final para exploração petrolífera no planeta.


Universidade é pioneira no continente

A USP é uma das instituições pioneiras do Programa Antártico Brasileiro. A primeira expedição nacional ocorreu em 1982, a bordo do navio Barão de Teffé. A partir do sucesso da empreitada, o navio Professor Besnard – que homenageia o professor Wladimir Besnard, cientista de origem russa e fundador do Instituto Oceanográfico (IO) da USP – participou de outras seis missões. A USP desenvolve pesquisa relacionada ao continente em várias áreas. No Instituto Oceanográfico, o foco está na participação em projetos ligados à preservação ambiental. No IGc, há estudos ligados à história glacial da Antártica, com os quais consegue-se “ler” nas rochas os indícios de mudanças na temperatura da Terra. “Na verdade houve vários episódios
de glaciação. O primeiro manto de gelo teria surgido há 35 milhões de anos”, explica o professor Rocha Campos.

Outro estudo importante é desenvolvido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), analisando como bactérias e microorganismos conseguem se adaptar e sobreviver em condições extremas. Os resultados podem ter aplicações na medicina.

Entre os dias 4 a 6 de outubro, o IGc realizará seu Simpósio Anual sobre Pesquisa Antártica, que vai tratar desses temas e também discutir em mais detalhes a participação da USP no Ano Polar Internacional. As palestras e exposições do simpósio terão participação aberta.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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