O grupo de
alunos da
EEL e seu
orientador,
professor
Adilson
Gonçalves
(foto mais abaixo):
trabalho de
iniciação
científica
traz proposta
efetiva
para o
problema
da queima
de palha de
cana-de-açúcar
As
queimadas, comuns no período de colheita da cana-de-açúcar,
têm sido objeto de preocupação e polêmica.
Mas, com a ajuda de estudantes da Escola de Engenharia de Lorena
(EEL) da USP, esse prejuízo ambiental pode terminar. É o
que revela a pesquisa feita pelos alunos do curso de Engenharia
Bioquímica da EEL Marcelo Saad, Luís Oliveira e Simone
Nakanishi.
Seguindo a linha de pesquisa do Grupo de
Conversão de Biomassa
Vegetal, Modelagem Matemática e Simulação
da EEL, os estudantes – orientados pelo professor Adilson
Gonçalves – foram estimulados a fazer um trabalho
com a palha da cana, visando a obter o máximo de aproveitamento
da folha, biomassa largamente descartada na colheita.
Os alunos desenvolveram um trabalho de iniciação
científica que buscou extrair, da palha da cana, a polpa
celulósica – usada para a produção de
papel – e quelantes (produtos que removem metais pesados
dos efluentes). Com a técnica aplicada, eles conseguiram
diminuir o custo de produção do papel e o impacto
ao ambiente, visto que a quantidade de resíduos químicos
a ser descartada também fica reduzida. Se adotada no campo,
a técnica também colabora para o fim das habituais
queimadas da palha de cana – muito prejudiciais ao ambiente –,
além de contribuir para a diminuição do corte
de árvores e para redução dos produtos tóxicos
descartados na produção do papel.
Com o título “Palha da cana-de-açúcar:
tratamento biológico, polpação química,
biobranqueamento de polpas e obtenção de quelantes”,
o trabalho foi premiado nos dois eventos em que foi inscrito. Do
Conselho Regional de Química, os vencedores receberam R$
6.400,00 e o orientador, R$ 3.200,00, entregues no dia 24 de junho
na sede do conselho, em São Paulo. No 12o Congresso Regional
dos Estudantes de Engenharia Química, realizado de 16 a
22 de julho na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar),
a premiação foi coroada com um certificado.
Solvente – Marcelo Saad diz que cada um dos membros da equipe
se dedicou a encontrar um destino útil para a palha de cana-de-açúcar. “Eu
me dediquei ao tratamento biológico e à polpação
química, o Luís, ao biobranqueamento da polpa celulósica
e a Simone buscou encontrar um destino útil para a lignina.” A
lignina, esclarece Saad, é um rejeito comum do processo
de produção da polpa celulósica. Uma de suas
possíveis aplicações é o seu
uso como quelante.
O projeto, em sua fase inicial, extrai,
através do cozimento
sob pressão, a polpa celulósica da folha da cana,
a partir da utilização de um solvente orgânico.
Esse solvente é o ácido acético, um dos componentes
do vinagre. A utilização desse solvente é uma
alternativa aos componentes químicos usados pela indústria
para esse fim. Sendo orgânico, ele pode ser recuperado mais
facilmente e seus eventuais resíduos podem ser descartados
na natureza sem causar grandes danos ambientais.
Para auxiliar na primeira etapa do processo,
como um pré-tratamento
biológico, o estudante escolheu fungos chamados ligninolíticos
de decomposição branca. Esse fungo ataca
a palha da cana e remove uma pequena parte da lignina,
modificando a outra parte que ainda resiste ao processo.
Após a obtenção da polpa celulósica,
o próximo passo é clarear esse material. A missão
ficou a critério do aluno Luís de Oliveira, incumbido
de encontrar um meio alternativo para clarear a polpa sem agredir
o ambiente. Segundo o orientador do projeto, o grande problema
da indústria papeleira está no branqueamento da polpa
celulósica. Cada vez mais se usa um número maior
de poderosos produtos químicos para remoção
da cor. Esses produtos – em geral, agentes clorados – e
seus derivados, formados durante o processo, são altamente
prejudiciais ao ambiente. Um deles, a dioxina, é letal
ao ser humano.
Como alternativa aos agentes clorados, Oliveira
foi orientado a optar por utilizar uma enzima, a xilanase,
obtida através
de microorganismos termofílicos (fungos ou leveduras). Mas
só essa aplicação enzimática não
era suficientemente eficaz para obter o resultado desejado. Assim,
foi necessária a aplicação dessa enzima em
conjunto com outros elementos, como o peróxido de hidrogênio,
o ozônio e ainda a extração alcalina.
Dessa forma conseguiu-se obter um papel mais claro
e mais visado industrialmente.
Mas a polpa celulósica obtida nesse processo é de
cor parda e possui grande quantidade de lignina, composto responsável
pela cor amarronzada do papel. A lignina, explica o professor Adilson
Gonçalves, é uma substância encontrada em larga
escala na palha da cana e está presente em todas as fases
do processo de transformação dessa
biomassa em papel.
Os alunos decidiram dar um fim
para a lignina. Essa lignina residual, na indústria, é queimada (outro problema ambiental)
para geração de energia e para recuperação
dos agentes inorgânicos. A aluna Simone Nakanishi propôs
que esse elemento fosse separado e utilizado com outras finalidades,
neste caso, para obtenção dos quelantes. Dessa forma
a lignina foi utilizada para tratar efluentes que recebem metais
pesados, como o cádmio, o chumbo e o mercúrio. O
orientador do projeto salienta: “É interessante esse
aspecto, porque a palha é um resíduo da indústria
agrícola e, nesse caso, temos um resíduo tratando
de um outro resíduo industrial”. A lignina “gruda” nos
metais formando os quelatos, facilitando sua retirada dos efluentes.
Menos resíduos – Gonçalves revela que todo
o processo desenvolvido pelo grupo pode diminuir em até 30%
a carga de reagentes utilizados habitualmente na indústria
papeleira. “No final, quem sai ganhando é o ambiente,
pois o uso de reagentes biológicos na produção
diminui os resíduos naturalmente descartados no processo
industrial.” Segundo o orientador, esse processo reduz também
os custos da produção. Para ele, um ganho que pode
se tornar altamente atrativo para as indústrias. “Infelizmente,
o aspecto econômico sensibiliza muito mais o meio industrial
do que o aspecto ambiental”, ele constata. O professor da
EEL salienta que, nas indústrias, o processo de obtenção
de polpa celulósica é totalmente químico,
o que gera um grande impacto ambiental.
O orientador do projeto lembra que o uso de reagentes biológicos
na produção de papel e a diminuição
dos clorados no processo de branqueamento da polpa já são
uma realidade no mercado externo, que tem optado pela importação
de papéis produzidos com menos impacto ambiental.
Saad destaca que o papel obtido a partir da palha da cana
não tem qualidade boa como o papel ofício, mas pode
ser muito bem utilizado como “recheio” do papel-cartão
usado em embalagens, por exemplo. “A palha da cana é um
resíduo totalmente descartado pelas agroindústrias,
e em grande quantidade. As fábricas de papel só teriam
o trabalho de colher esse material no campo, onde normalmente é jogado
fora”, diz o aluno. O aproveitamento dessa biomassa diminuiria
a quantidade de resíduos no campo e motivaria os agricultores
a não mais queimar a palha.
O resultado obtido pelo trabalho dos alunos da
EEL, segundo Gonçalves,
mostra que o aproveitamento dessa biomassa é viável
e que pode ser utilizado pelas indústrias. “Em todas
as fases, o ambiente só tem a ganhar.” É a
quarta vez que alunos orientados por Gonçalves ganham o
prêmio do Conselho Regional de Química, realizado
anualmente. Na EEL, o destino da biomassa vegetal é estudado
há mais de 20 anos.
|