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créditos: Francisco Emolo/ Jornal da USP
O grupo de alunos da EEL e seu orientador, professor Adilson Gonçalves (foto mais abaixo): trabalho de iniciação científica traz proposta efetiva para o problema da queima de palha de cana-de-açúcar

créditos: Francisco Emolo/ Jornal da USP

As queimadas, comuns no período de colheita da cana-de-açúcar, têm sido objeto de preocupação e polêmica. Mas, com a ajuda de estudantes da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP, esse prejuízo ambiental pode terminar. É o que revela a pesquisa feita pelos alunos do curso de Engenharia Bioquímica da EEL Marcelo Saad, Luís Oliveira e Simone Nakanishi.

Seguindo a linha de pesquisa do Grupo de Conversão de Biomassa Vegetal, Modelagem Matemática e Simulação da EEL, os estudantes – orientados pelo professor Adilson Gonçalves – foram estimulados a fazer um trabalho com a palha da cana, visando a obter o máximo de aproveitamento da folha, biomassa largamente descartada na colheita.

Os alunos desenvolveram um trabalho de iniciação científica que buscou extrair, da palha da cana, a polpa celulósica – usada para a produção de papel – e quelantes (produtos que removem metais pesados dos efluentes). Com a técnica aplicada, eles conseguiram diminuir o custo de produção do papel e o impacto ao ambiente, visto que a quantidade de resíduos químicos a ser descartada também fica reduzida. Se adotada no campo, a técnica também colabora para o fim das habituais queimadas da palha de cana – muito prejudiciais ao ambiente –, além de contribuir para a diminuição do corte de árvores e para redução dos produtos tóxicos descartados na produção do papel.

Com o título “Palha da cana-de-açúcar: tratamento biológico, polpação química, biobranqueamento de polpas e obtenção de quelantes”, o trabalho foi premiado nos dois eventos em que foi inscrito. Do Conselho Regional de Química, os vencedores receberam R$ 6.400,00 e o orientador, R$ 3.200,00, entregues no dia 24 de junho na sede do conselho, em São Paulo. No 12o Congresso Regional dos Estudantes de Engenharia Química, realizado de 16 a 22 de julho na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a premiação foi coroada com um certificado.
Solvente – Marcelo Saad diz que cada um dos membros da equipe se dedicou a encontrar um destino útil para a palha de cana-de-açúcar. “Eu me dediquei ao tratamento biológico e à polpação química, o Luís, ao biobranqueamento da polpa celulósica e a Simone buscou encontrar um destino útil para a lignina.” A lignina, esclarece Saad, é um rejeito comum do processo de produção da polpa celulósica. Uma de suas possíveis aplicações é o seu uso como quelante.

O projeto, em sua fase inicial, extrai, através do cozimento sob pressão, a polpa celulósica da folha da cana, a partir da utilização de um solvente orgânico. Esse solvente é o ácido acético, um dos componentes do vinagre. A utilização desse solvente é uma alternativa aos componentes químicos usados pela indústria para esse fim. Sendo orgânico, ele pode ser recuperado mais facilmente e seus eventuais resíduos podem ser descartados na natureza sem causar grandes danos ambientais.

Para auxiliar na primeira etapa do processo, como um pré-tratamento biológico, o estudante escolheu fungos chamados ligninolíticos de decomposição branca. Esse fungo ataca a palha da cana e remove uma pequena parte da lignina, modificando a outra parte que ainda resiste ao processo.

Após a obtenção da polpa celulósica, o próximo passo é clarear esse material. A missão ficou a critério do aluno Luís de Oliveira, incumbido de encontrar um meio alternativo para clarear a polpa sem agredir o ambiente. Segundo o orientador do projeto, o grande problema da indústria papeleira está no branqueamento da polpa celulósica. Cada vez mais se usa um número maior de poderosos produtos químicos para remoção da cor. Esses produtos – em geral, agentes clorados – e seus derivados, formados durante o processo, são altamente prejudiciais ao ambiente. Um deles, a dioxina, é letal ao ser humano.

Como alternativa aos agentes clorados, Oliveira foi orientado a optar por utilizar uma enzima, a xilanase, obtida através de microorganismos termofílicos (fungos ou leveduras). Mas só essa aplicação enzimática não era suficientemente eficaz para obter o resultado desejado. Assim, foi necessária a aplicação dessa enzima em conjunto com outros elementos, como o peróxido de hidrogênio, o ozônio e ainda a extração alcalina. Dessa forma conseguiu-se obter um papel mais claro e mais visado industrialmente.

Mas a polpa celulósica obtida nesse processo é de cor parda e possui grande quantidade de lignina, composto responsável pela cor amarronzada do papel. A lignina, explica o professor Adilson Gonçalves, é uma substância encontrada em larga escala na palha da cana e está presente em todas as fases do processo de transformação dessa biomassa em papel.

Os alunos decidiram dar um fim para a lignina. Essa lignina residual, na indústria, é queimada (outro problema ambiental) para geração de energia e para recuperação dos agentes inorgânicos. A aluna Simone Nakanishi propôs que esse elemento fosse separado e utilizado com outras finalidades, neste caso, para obtenção dos quelantes. Dessa forma a lignina foi utilizada para tratar efluentes que recebem metais pesados, como o cádmio, o chumbo e o mercúrio. O orientador do projeto salienta: “É interessante esse aspecto, porque a palha é um resíduo da indústria agrícola e, nesse caso, temos um resíduo tratando de um outro resíduo industrial”. A lignina “gruda” nos metais formando os quelatos, facilitando sua retirada dos efluentes.

créditos: Francisco Emolo/ Jornal da USP

Menos resíduos – Gonçalves revela que todo o processo desenvolvido pelo grupo pode diminuir em até 30% a carga de reagentes utilizados habitualmente na indústria papeleira. “No final, quem sai ganhando é o ambiente, pois o uso de reagentes biológicos na produção diminui os resíduos naturalmente descartados no processo industrial.” Segundo o orientador, esse processo reduz também os custos da produção. Para ele, um ganho que pode se tornar altamente atrativo para as indústrias. “Infelizmente, o aspecto econômico sensibiliza muito mais o meio industrial do que o aspecto ambiental”, ele constata. O professor da EEL salienta que, nas indústrias, o processo de obtenção de polpa celulósica é totalmente químico, o que gera um grande impacto ambiental.

O orientador do projeto lembra que o uso de reagentes biológicos na produção de papel e a diminuição dos clorados no processo de branqueamento da polpa já são uma realidade no mercado externo, que tem optado pela importação de papéis produzidos com menos impacto ambiental.

Saad destaca que o  papel obtido a partir da palha da cana não tem qualidade boa como o papel ofício, mas  pode ser muito bem utilizado como “recheio” do papel-cartão usado em embalagens, por exemplo. “A palha da cana é um resíduo totalmente descartado pelas agroindústrias, e em grande quantidade. As fábricas de papel  só teriam o trabalho de colher esse material no campo, onde normalmente é jogado fora”, diz o aluno. O aproveitamento dessa biomassa diminuiria a quantidade de resíduos no campo e motivaria os agricultores a não mais queimar a palha.

O resultado obtido pelo trabalho dos alunos da EEL, segundo Gonçalves, mostra que o aproveitamento dessa biomassa é viável e que pode ser utilizado pelas indústrias. “Em todas as fases, o ambiente só tem a ganhar.” É a quarta vez que alunos orientados por Gonçalves ganham o prêmio do Conselho Regional de Química, realizado anualmente. Na EEL, o destino da biomassa vegetal é estudado há mais de 20 anos.

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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