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Desde
Quando, já aposentado, o professor João Alexandre
Barbosa foi convidado por uma universidade particular para coordenar
cursos de pós-graduação na sua área
de especialização, teoria literária e literatura
comparada, por um alto salário, respondeu negativamente.
“Não queria ser viciado num salário que não
fosse resultante de trabalho que, durante mais de 30 anos, consumira
a minha vida física, intelectual, afetiva e emocional, pois
não me aposentara para ganhar mais, e sim para poder aproveitar
aquilo que porventura ainda me restava de vida intelectual útil,
realizando algumas coisas que a agitação da vida de
um professor tornava difícil, ou mesmo impossível,
de cumprir”, afirmou num escrito de junho de 2000. João
Alexandre Barbosa morreu quinta-feira (3) de manhã, no Incor,
aos 69 anos, depois de longa enfermidade – um AVC agravado
por complicações em razão de diabete –
e foi cremado no dia seguinte na Vila Alpina. Ao velório
realizado no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas acorreram professores, ex-alunos, ex-diretores
da FFLCH, diretores de outras unidades, representantes da Reitoria
e amigos do professor, além de membros da família.
João Alexandre Barbosa era casado com a professora Ana Mae
Barbosa e deixa os filhos Ana Amália e Frederico.
A
opinião de todos os que o conheceram e com ele conviveram
é que foi um intelectual de múltiplas facetas: como
professor, atuou decisivamente para a consolidação
dos estudos literários, ensinando teoria e exercendo a crítica,
tendo sido responsável pelas mais argutas análises
da poesia de João Cabral de Melo Neto e um especialista na
produção poética do francês Paul Valéry;
como administrador, foi diretor por curto período da FFLCH,
pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária,
onde criou o Projeto Nascente, o Cinusp e o Projeto Universidade
da Terceira Idade; mas foi como presidente da Edusp que teve atuação
destacada e polêmica, transformando a casa numa verdadeira
editora universitária, pois considerava que o modelo anterior
não passava de simples financiadora de publicações
propostas por editoras privadas.
João
Alexandre Barbosa era pernambucano, começou a escrever crítica
literária no Jornal do Comércio e deu aulas na Faculdade
de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, depois na Universidade
de Brasília, de onde foi expulso em 1965 pelas forças
da repressão, junto com 200 colegas. No ano seguinte, foi
convidado por Antonio Candido, professor de crítica literária
na FFLCH, para fazer doutorado na USP e trabalhar como instrutor.
Em 1969 fez o doutorado e começou a lecionar; só em
1980 fez concurso e se tornou titular na área de teoria literária
e literatura comparada. Antes e depois da livre-docência,
conquistada por concurso em 1973, fez cursos nas universidades de
Yale e Harvard e, na do Texas, em Austin, foi professor em curso
de pós-graduação.
Aposentou-se
em 1993, depois de 32 anos de serviço público, o que
não significou “opção pela vadiagem”,
mas oportunidade para ampliar a produção intelectual.
Deixa uma série de livros, entre os quais os mais significativos,
de acordo com o jornalista e crítico literário Manuel
da Costa Pinto, que sempre trabalhou com o professor João
Alexandre Barbosa, são A leitura do intervalo, A biblioteca
imaginária, João Cabral de Melo Neto, Entre livros
e Alguma crítica.
Depoimentos
– O professor Antonio Candido, responsável pela vinda
de João Alexandre Barbosa para a USP, disse que ele foi eminente
como crítico e como professor. “Era dos que inspiram
e guiam os estudantes, tornando-se para eles um verdadeiro mestre.
Os seus livros de alta qualidade ocupam uma posição
de relevo na cultura brasileira, e a sua atuação da
vida universitária foi excepcional, bastando lembrar a firmeza
e a competência com que refundou a Edusp. Sempre achei que
poderia ter sido um excelente reitor.” Plínio Martins
Filho, que começou a trabalhar na Edusp na gestão
de João Alexandre Barbosa e agora dirige a editora, atribui
ao professor o mérito pela profissionalização
e alta qualidade, científica e gráfica, das edições.
O modelo introduzido por João Alexandre orientou a criação
de editoras universitárias em todo o Brasil.
Para Waldecy Tenório, ex-aluno de João Alexandre,
que escreveu o prefácio de seu livro A bailadora andalusa,
e agora pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA)
da USP, com um projeto sobre leitura a partir de Santo Agostinho,
o professor pernambucano foi “um mestre que a gente não
esquece, daqueles que marcam os seus alunos”. “No meu
caso pessoal”, acrescentou, “ainda tenho a mesma origem,
sou do Recife como ele. Conheço a sua trajetória,
sua carreira de crítico, desde as suas primeiras publicações
como jovem professor.”
Na
opinião do professor Wanderley Messias da Costa, chefe de
Gabinete da Reitoria, João Alexandre Barbosa “deixa
para a USP a história de um docente e de um representante
de nossa linhagem na literatura brasileira. O fato de ser pernambucano
o valoriza ainda mais, pois tinha uma visão de Brasil que
muitas vezes os próprios paulistas não têm.
Foi o primeiro diretor da FFLCH posto pelo conjunto das pessoas
mais representativas do novo pensamento, da nova postura política,
de abertura, de generosidade, de democracia, de tolerância
e de ética. Como pró-reitor, foi uma coisa fantástica,
porque era um agitador total, mexia com todas as áreas da
cultura, da comunicação, com a Edusp. Para a minha
trajetória aqui na USP foi um dos períodos mais felizes,
pela alegria, bom humor e alto-astral do professor, que eram contagiantes”.
O
ex-reitor Jacques Marcovitch disse que João Alexandre Barbosa,
como pró-reitor de Cultura e Extensão e como presidente
da editora universitária, foi um homem que pensou a USP como
verdadeira universidade pública. “Homem generoso, homem
capaz de pensar a universidade pela via da cultura e pela via das
letras. Foi sempre uma referência. Lembro dele pela via da
densidade da reflexão, mas também da serenidade diante
dos desafios.”
Para
o diretor da FFLCH, professor Gabriel Cohn, João Alexandre
foi um dos mestres da casa. “Acompanhei sua trajetória
brilhante como analista teórico da literatura. Acompanhei
também um pouco a sua atividade institucional, não
só nesta escola. Na verdade, sua passagem pela direção
da escola foi rápida, não chegou a completar o mandato,
saiu, foi para a Pró-Reitoria de Cultura e acabou depois
exercendo atividade importante na Edusp. Eu diria que os grandes
legados dele dizem respeito à Universidade como um todo.
Sua posição como intelectual nunca foi contestada.”
Dois
ex-diretores da unidade compareceram ao velório no Salão
Nobre: João Baptista Borges Pereira disse que “João
Alexandre foi um grande intelectual que dignificou a Universidade
de São Paulo e a inteligência brasileira”; Francis
Aubert afirmou que guarda a lembrança de “alguém
que tinha uma visão muito poderosa da Universidade. É
o que ele demonstrou como professor, como diretor, como presidente
da Edusp e também como pró-reitor de Cultura e Extensão.
É uma personalidade forte que se vai, deixando um marco do
qual vamos sentir muita falta”.
José
Mindlin, bibliófilo e divulgador da cultura, disse que João
Alexandre Barbosa foi um de seus grandes amigos, desde a década
de 60, e um excelente crítico literário. “Freqüentava
a minha biblioteca e quando presidia a Edusp eu pertencia ao Conselho
Editorial. Foi substituído de forma errada, por telefone,
e eu me demiti em solidariedade a ele.”
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O
livro como objeto
Depoimento
de Davi Arrigucci, professor de literatura e crítico literário:
Estou
muito chocado com a morte do João, embora esperando o drama
se desenrolar, porque a vida foi muito cruel com ele no final. Era
uma pessoa extremamente doce e carinhosa no trato. João foi
um colega exemplar, um grande companheiro de Universidade. Acompanhei
seus passos desde a chegada dele de Brasília, no começo
de sua carreira na teoria literária. Foi um professor muito
notável. Tinha grande capacidade de motivar os alunos, através
de vasta leitura, e gostava efetivamente da leitura, o que é
uma coisa rara, e passava isso aos alunos. Transmitia paixão
pelos estudos literários. Começou como grande pesquisador.
O primeiro centro de interesse dele foi teoria e história
da crítica no Brasil. Escreveu sobre a crítica literária
no século 19, sobre José Veríssimo, estudou
muito os demais escritores como Araripe Junior e Sílvio Romero.
José Veríssimo foi a sua paixão inicial. Depois,
se dedicou sobretudo à teoria e à compreensão
da poesia moderna e contemporânea.
Escreveu
muitíssimo sobre toda a tradição que vinha
das raízes da modernidade, de Mallarmé e do simbolismo
francês, e acompanhou uma certa tradição da
lírica moderna até os dias atuais. Estudou longamente
a obra de João Cabral de Melo Neto; estudou o concretismo,
a obra de Haroldo de Campos; dedicou-se aos problemas da tradução
e da história literária. Era realmente um scholar.
Fez uma carreira completa na Universidade, quase chegou a reitor
e efetivamente chegou a pró-reitor de Cultura e Extensão.
Teve também um lado importante, que foi como presidente da
Edusp, porque modificou muito a editora, deu-lhe o primeiro movimento
de autonomia.
Era
um homem que, com a vocação pernambucana de amor ao
livro, passou a vida inteira dedicado também ao livro como
objeto, não apenas como um grande leitor e estudioso. Ele
foi o primeiro a dar ao livro na Edusp o estatuto que merecia: um
livro muito mais bonito e produzido pela própria editora
da Universidade. Tanto como colega, como professor universitário,
como sujeito que se destacou na política universitária
e como crítico literário e ensaísta, deixou
uma carreira exemplar. Mesmo nos momentos de divergência intelectual
nunca deixei de gostar dele. Tivemos muitos amigos em comum, sobretudo
o grande poeta pernambucano Sebastião Uchoa Leite. Aliás,
a morte do poeta e a de outros amigos, como Haroldo de Campos, também
abalou a vida de João Alexandre.
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