O
Partido dos Trabalhadores corre sério risco de perder substância,
porque passou por desgastes sucessivos. As coisas se aceleraram
demais. O PT suportou carga excessiva para um partido em fase de
constituição. Saiu de áreas da sociedade que
tinham grande desconfiança em relação à
política institucional e trabalhavam mais na base de movimentos
sociais. Até organizar isso, formar quadros, programas fortes,
teria sido melhor fazer as coisas de maneira mais bem distribuída,
de forma capilar na sociedade, e ir avançando. Do jeito que
tudo se acelerou, o resultado foi de grande desgaste partidário.
A análise é do professor de Teoria Política
Clássica e Contemporânea Gabriel Cohn, diretor da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Gabriel Cohn: crise no Congresso Nacional é um problema
clássico
|
Segundo Cohn, adversários que antes proclamavam ser eleitores
de Lula agora se aproveitam para levantar o tema da decepção
e da moralidade política. O que aconteceu foi mesmo muito
ruim, afirma o professor, mas esses adversários descobriram
isso de repente. Estavam distraídos durante anos e agora
estão preocupadíssimos. O PT abriu esse espaço
para a crítica, teve dificuldades. “Mas, se os sonhos
tivessem chance de se cumprir, eu diria que o PT poderia ir lentamente
civilizando e politizando, no bom sentido de levantar as grandes
questões públicas para a sociedade. Mas não
dá. O ritmo da realidade é outro.”
À ponderação de que, se o partido
do governo não tivesse se envolvido em escândalos,
a reeleição do presidente Lula certamente seria tranqüila,
Cohn responde que o barulho só ocorreu porque os adversários
perceberam isso e viraram a mesa.
Então, as denúncias de corrupção
são vazias? Não, responde o professor. É que,
aos poucos, o governo que tinha o PT como esteio se foi envolvendo
em uma situação em que não restava saída,
senão tentar manobras escusas para manter apoios em momentos
decisivos. “O fato é que figuras como José Dirceu
se desgastaram pelos dois lados: cedendo e quando não cediam.
Eu não tenho dúvida de que na cabeça de Zé
Dirceu se plantou a idéia de que, se esse pessoal não
se mexe sem dinheiro, nós vamos pagar, fazemos a sucessão,
reelegemos o Lula e nesse momento viramos a mesa e fazemos as mudanças.”
Ainda segundo Gabriel Cohn, “daí o pessoal (oposição)
que não é tonto pensou: antes que virem a mesa em
cima de nós, nós viramos agora. Zé Dirceu estava
na mão desse pessoal. Não foi o lado virtuoso da sociedade
que se opôs à seqüência de besteiras do
governo. Foram escândalos de corrupção no estilo
PT, porque no mais das vezes o pessoal que se envolveu nisso nem
levava vantagem. Mas usava os mecanismos que evidentemente não
devia usar”. O jogo que o PT jogava muito mal é jogado
há muito tempo, reconhece o cientista político.
O governo e o seu partido enfrentaram oposição
interna, dos parlamentares que saíram do PT para fundar o
PSOL, e externa, da oposição propriamente dita. Sobre
a senadora Heloísa Helena, candidata à Presidência
da República pelo PSOL, o professor considera que lhe falta
um mínimo de coerência partidária, pois, quando
integrava a bancada do PT, em 21 votações teria se
pronunciado contra o partido 18 vezes.
Avanço da direita –
Depois de afirmar que teme a perspectiva trágica para o PT
de se transformar num partido convencional, Cohn acrescentou que
a sigla ainda parece desempenhar papel fundamental na sociedade,
opondo-se ao avanço da direita nas sociedades contemporâneas.
“Ninguém se iluda. Não é porque estão
elegendo políticos que ocupam posições mais
à esquerda na América Latina que se está revertendo
uma deriva global à direita. É preciso opor alguns
obstáculos, mesmo que relativamente modestos”, disse.
Há outro problema que preocupa os analistas,
segundo Gabriel Cohn, o descolamento de Lula de seu partido. Para
ele, o presidente pode ter atenuantes. Até agora não
partiu para uma linha feroz de personalização, foi
até exemplar no início do mandato, nunca falou na
primeira pessoa, embora em alguns momentos sentisse o partido como
uma pedra amarrada a seus pés, vulnerando a sua campanha
à reeleição. Daí, pondera o professor,
é até normal que faça força para manter
a sua imagem desligada do partido.
Outro risco de Lula, de acordo com o professor de
teoria política, é ter comprado a idéia de
que a origem do candidato é decisiva para o bom desempenho
na campanha, “como se fosse mais importante ter sido operário
do que ter um bom programa”. Insistir na condição
de homem do povo, de origem modesta, operário e pouco culto,
representa vitória dos seus adversários, interessados
em desviar a atenção das ações políticas
e em despolitizar a campanha. “Pouco importa a origem, quero
saber que programa está na mesa. Se (Olavo) Setúbal,
do Itaú, fosse eleito presidente e resolvesse cortar o pagamento
da dívida externa, seria mais interessante do que conhecer
a sua origem.”
Quanto à crise no Congresso Nacional, Cohn
assegura que é um problema clássico. Para ele, o que
se enfraquece sempre que vem uma onda dos bastidores não
é tanto aquilo que atinge os congressistas, mas o que atinge
a instituição. Na conta de Lula – acrescenta
o professor – ficará o débito de não
ter sabido reverter a crise, e ainda agravá-la.
|