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crédito: Francisco Emolo

O Partido dos Trabalhadores corre sério risco de perder substância, porque passou por desgastes sucessivos. As coisas se aceleraram demais. O PT suportou carga excessiva para um partido em fase de constituição. Saiu de áreas da sociedade que tinham grande desconfiança em relação à política institucional e trabalhavam mais na base de movimentos sociais. Até organizar isso, formar quadros, programas fortes, teria sido melhor fazer as coisas de maneira mais bem distribuída, de forma capilar na sociedade, e ir avançando. Do jeito que tudo se acelerou, o resultado foi de grande desgaste partidário. A análise é do professor de Teoria Política Clássica e Contemporânea Gabriel Cohn, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

crédito: Francisco Emolo
Gabriel Cohn: crise no Congresso Nacional é um problema clássico

Segundo Cohn, adversários que antes proclamavam ser eleitores de Lula agora se aproveitam para levantar o tema da decepção e da moralidade política. O que aconteceu foi mesmo muito ruim, afirma o professor, mas esses adversários descobriram isso de repente. Estavam distraídos durante anos e agora estão preocupadíssimos. O PT abriu esse espaço para a crítica, teve dificuldades. “Mas, se os sonhos tivessem chance de se cumprir, eu diria que o PT poderia ir lentamente civilizando e politizando, no bom sentido de levantar as grandes questões públicas para a sociedade. Mas não dá. O ritmo da realidade é outro.”

À ponderação de que, se o partido do governo não tivesse se envolvido em escândalos, a reeleição do presidente Lula certamente seria tranqüila, Cohn responde que o barulho só ocorreu porque os adversários perceberam isso e viraram a mesa.

Então, as denúncias de corrupção são vazias? Não, responde o professor. É que, aos poucos, o governo que tinha o PT como esteio se foi envolvendo em uma situação em que não restava saída, senão tentar manobras escusas para manter apoios em momentos decisivos. “O fato é que figuras como José Dirceu se desgastaram pelos dois lados: cedendo e quando não cediam. Eu não tenho dúvida de que na cabeça de Zé Dirceu se plantou a idéia de que, se esse pessoal não se mexe sem dinheiro, nós vamos pagar, fazemos a sucessão, reelegemos o Lula e nesse momento viramos a mesa e fazemos as mudanças.” Ainda segundo Gabriel Cohn, “daí o pessoal (oposição) que não é tonto pensou: antes que virem a mesa em cima de nós, nós viramos agora. Zé Dirceu estava na mão desse pessoal. Não foi o lado virtuoso da sociedade que se opôs à seqüência de besteiras do governo. Foram escândalos de corrupção no estilo PT, porque no mais das vezes o pessoal que se envolveu nisso nem levava vantagem. Mas usava os mecanismos que evidentemente não devia usar”. O jogo que o PT jogava muito mal é jogado há muito tempo, reconhece o cientista político.

O governo e o seu partido enfrentaram oposição interna, dos parlamentares que saíram do PT para fundar o PSOL, e externa, da oposição propriamente dita. Sobre a senadora Heloísa Helena, candidata à Presidência da República pelo PSOL, o professor considera que lhe falta um mínimo de coerência partidária, pois, quando integrava a bancada do PT, em 21 votações teria se pronunciado contra o partido 18 vezes.

Avanço da direita – Depois de afirmar que teme a perspectiva trágica para o PT de se transformar num partido convencional, Cohn acrescentou que a sigla ainda parece desempenhar papel fundamental na sociedade, opondo-se ao avanço da direita nas sociedades contemporâneas. “Ninguém se iluda. Não é porque estão elegendo políticos que ocupam posições mais à esquerda na América Latina que se está revertendo uma deriva global à direita. É preciso opor alguns obstáculos, mesmo que relativamente modestos”, disse.

Há outro problema que preocupa os analistas, segundo Gabriel Cohn, o descolamento de Lula de seu partido. Para ele, o presidente pode ter atenuantes. Até agora não partiu para uma linha feroz de personalização, foi até exemplar no início do mandato, nunca falou na primeira pessoa, embora em alguns momentos sentisse o partido como uma pedra amarrada a seus pés, vulnerando a sua campanha à reeleição. Daí, pondera o professor, é até normal que faça força para manter a sua imagem desligada do partido.

Outro risco de Lula, de acordo com o professor de teoria política, é ter comprado a idéia de que a origem do candidato é decisiva para o bom desempenho na campanha, “como se fosse mais importante ter sido operário do que ter um bom programa”. Insistir na condição de homem do povo, de origem modesta, operário e pouco culto, representa vitória dos seus adversários, interessados em desviar a atenção das ações políticas e em despolitizar a campanha. “Pouco importa a origem, quero saber que programa está na mesa. Se (Olavo) Setúbal, do Itaú, fosse eleito presidente e resolvesse cortar o pagamento da dívida externa, seria mais interessante do que conhecer a sua origem.”

Quanto à crise no Congresso Nacional, Cohn assegura que é um problema clássico. Para ele, o que se enfraquece sempre que vem uma onda dos bastidores não é tanto aquilo que atinge os congressistas, mas o que atinge a instituição. Na conta de Lula – acrescenta o professor – ficará o débito de não ter sabido reverter a crise, e ainda agravá-la.

 
 

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