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Nem
precisa bater. É só abrir a porta e entrar.
Diante do aconchego das casas caiadas, da gente que vai pelas
ruas de barro da Mogi das Cruzes dos anos de 1930, Alfredo Volpi
deixa o visitante à vontade. Seu universo está ali
na beleza do céu azul, no colorido das fachadas, na festa
das bandeirinhas, no sonho do acrobata Mané Gostoso e
de outros brinquedos que gostava de colecionar. Um mundo que é de
todos.
É esse mundo da alegria das coisas simples que Volpi divide
também com outros artistas na exposição “Volpi
e as Heranças Contemporâneas”, no Museu de
Arte Contemporânea (MAC) da USP, na Cidade Universitária.
Com muita sensibilidade, a curadora e diretora da Divisão
de Educação, Katia Canton, selecionou obras de
Alzira Fragoso, Barrão, Carlos Bevilacqua, Carlos Delfino,
Cildo Meireles, Cristina Rogozinski, Emanuel Nassar, Iatã Cannabrava,
Iran do Espírito Santo, Ivens Machado, Leda Catunda, Lia
Menna Barreto, Luiz Hermano, Marcelo Corrêa, Marcos Coelho
Benjamin, Marcus Vinicius, Nelson Leirner, Orlando da Rosa Farya,
Pazé, Regina Silveira, Renata Pedrosa, Rochelle Costi,
Sandra Cinto e Sérgio Romagnolo.
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A impressão é de que os artistas estão ali
como no quadro Reunião à mesa, que Volpi pintou
em 1943. Todos juntos diante da moringa de barro. “Escolhemos
Volpi pela sua popularidade e a exposição procura
destacar a simplicidade como ele dialoga com os artistas”,
observa Katia. “Através de sua obra, podemos pensar
questões referentes à construção
do espaço, ao uso da cor e acompanhar a sua trajetória
na busca de uma síntese que, posteriormente, o levou a
uma aproximação ao projeto da arte concreta
no Brasil dos anos 50.” Katia explica que essa mostra traz um projeto
inédito
do MAC. “Essa exposição é focada no
projeto educativo, buscando maior potência multiplicadora
da arte junto ao público. Ela se desdobra numa estrutura
interdisciplinar onde a equipe de curadores do museu se uniu
para criar núcleos curatoriais específicos.”
A diretora Lisbeth Rebollo Gonçalves lembra que, através
de “Volpi e as Heranças Contemporâneas“,
o MAC se junta às homenagens ao artista na ocasião
em que se comemoram os seus 110 anos de nascimento e sua contribuição à arte
brasileira. Também destaca o caráter interdisciplinar
da mostra. “De um lado, projeta um trabalho de contínua
observação crítica da produção
contemporânea e a relaciona a artistas e obras referenciais
da coleção do museu. De outro, apresenta projetos
de pesquisa em educação e arte em diálogo
com a proposta expositiva.”
Poética da simplicidade – Katia Canton dividiu o
espaço expositivo do museu em quatro salas, enfocando características
singulares da herança do olhar de Volpi para os artistas
contemporâneos. Ao entrar, o visitante é envolvido
pela sensação de chegar e ser acolhido. Entra na
sala Casas e encontra as pinturas temáticas de casas do
interior de Volpi, criadas entre os anos de 1930 e início
de 50.
Antes de se questionar sobre o que existe
no interior dessas casinhas, o visitante é convidado a entrar através da foto
de Orlando da Rosa Farya. E encontrar a mesa com quatro cadeiras
sobre o chão de terra batida. Uma toalhinha de crochê azul
com linha bem fina enfeita o centro da mesa, protegida por uma
outra toalha vermelha de plástico. Farya conseguiu flagrar
o tempo nesse ambiente através das paredes descascadas.
Há ainda a sala toda enfeitada da foto de Rochelle Costi.
A mesa vermelha combinando com a espreguiçadeira e o lustre
da mesma cor. Há dois sofás à sua escolha:
o de Regina Silveira (obra com o título Inflexões,
de 1987) e o preto de Iran T. do Espírito Santo. E, ainda,
as três cadeirinhas almofadadas de Alzira Fragoso. Ou os
bancos de Cristina Rogozinski. As obras são bem dispostas
como se fossem os móveis de uma casa do interior, onde a
mãe faz questão de priorizar a ordem. Katia Canton
também cuida para que cada obra fique em seu devido lugar.
Uma disciplina que orienta o olhar do visitante, em especial as
crianças. E, ao mesmo tempo, apresenta a percepção
do cotidiano desenvolvida por Volpi.
Na segunda sala, Brincadeiras, um espaço lúdico para
homenagear o Volpi que gostava das crianças e era colecionador
de brinquedos. Mané Gostoso (um boneco que faz piruetas),
o Carrinho de Sorvete (ambas de 1953), o Carnaval de Cananéia
e o Pássaro de papelão (de 1955) inspiram a alegria
e dialogam com a leveza do tapete cor-de-rosa de Alzira Fragoso
feito com tule e bolinhas de gude ou o cachorro Lassie de Lia Menna
Barreto. Na terceira sala, Movimento, o foco é o Barco com
bandeirinhas e pássaros. Volpi convida o público
a velejar. Mas há quem prefira os caminhões coloridos
de Luiz Hermano.
Na última sala, Síntese, o público aprecia
a crescente geometrização das formas de Volpi através
das fachadas das casas e das bandeirinhas. E propicia ao público
uma reflexão sobre a São Paulo de hoje através
das fotos de Iatã Canabrava, que apresentam as linhas curvas
do Copan e as retas do Edifício Nações Unidas.
E estabelece um diálogo com as obras de Emanuel Nassar,
Nelson Leirner, Marcos Coelho Benjamin. Antes de ir embora, o visitante
tem a última visão da casa de Volpi através
de um trabalho de Pazé, feito com canudinhos azuis de plástico. É uma
escultura que permite a visão de muitas paisagens e a descoberta
do olhar sonhador e singelo de Alfredo Volpi. |
“Através de Volpi e as Heranças
Contemporâneas”, o Museu de Arte Contemporânea
(MAC) da USP lança uma proposta inédita. Repercute
a exposição através de diversos projetos educativos,
estimulando o conhecimento da obra de Volpi sob diversos focos
e pontuando a arte contemporânea através da diversidade
dos trabalhos de artistas de todo o País.
Carmem Aranha, professora e vice-diretora da Divisão de
Educação, criou um percurso visual da obra do artista. “Relacionei
Fachada de igrejas, 1953, com uma série de obras contemporâneas
presentes na exposição, propondo uma relação
entre arte e
pensamento filosófico.”
Carmem explica que essa obra tem um caráter gráfico
próprio do desenho. “A tela e os grafismos propõem
um tênue limite entre o desenho e os horizontes da pintura,
permitindo-nos também traçar caminhos tomados por
Volpi no decorrer da construção de sua obra pictórica.”
No programa Aproximações Visuais – Volpi e
os Roteiros de Visita ao Acervo, as educadoras Maria Ângela
Francoio e Andréa Amaral apresentam uma sala voltada para
acolher professores de arte, tendo como material de mediação
uma série de pôsteres educativos, produzidos com o
apoio da Fundação Vitae, contendo imagens e textos
de obras do
acervo do MAC.
Os novos artistas dos programas Arte para a Terceira
Idade e Poéticas
Visuais em Interação surpreendem o público
pelo talento e criatividade. Sob a orientação de
Sylvio Coutinho e a assistência curatorial de Evandro Nicolau,
apresentam, no MAC Anexo, uma exposição que tem como
referência a poética de Volpi. “Nós optamos
por privilegiar o entorno das paisagens de Volpi”, explica
Coutinho. “Procuramos mostrar a vizinhança, os componentes
da cidade e desenvolver composições pictóricas
na direção de uma progressiva abstração
geometrizante até que um signo gráfico, como as suas
famosas bandeirinhas, emergisse desse processo
de abstração.”
O resultado estabelece, como propõe o nome da mostra, “Luminosos
diálogos com Volpi”. Os artistas trouxeram Volpi para
a São Paulo de hoje com seus skylines e horizontes recortados
por prédios de arquitetura pós-moderna ao lado de
favelas. “Nesse entorno, consideramos também as roupas
que vestimos, a vista das janelas de nossas casas, as ferramentas
dos nossos ateliês, shoppings, exposições,
parques. Também se utilizaram dos seus próprios registros
fotográficos e do aprendizado durante as aulas e palestras,
como a do artista argentino Juan Balzi, radicado em São
Paulo, que foi muito reforçadora.”
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Arte que
sabe brincar
“Minha vida é viver”,
diz a guerreira Ayré“O artista viveu e pintou, por mais
de 40 anos, em uma casinha no bairro do Cambuci, em São Paulo,
onde trabalhou até a morte. No ateliê, que ficava nos
fundos, só pintava com luz natural. Ao cair da tarde, entrava
em casa e ia jogar paciência com as cartas. Sempre usou seus
tamancos de pintor-operário, ou, já na velhice, tênis
confortáveis, e manteve durante todo o tempo o hábito
de fumar cigarrinho de palha, feito com fumo de corda, que ele mesmo
enrolava. Falava pouco, preferindo a pintura como forma de comunicação
com o mundo e a vida. Era nesse terreno que tudo acontecia. Em sua
simplicidade, chegou muito longe, tornando-se um dos maiores artistas
brasileiros. E hoje fala muito perto aos olhos e ao coração
de cada um de nós. Eis a sabedoria dessa arte que sabe brincar.”
Com essa delicadeza, Katia Canton conta para as crianças a
história de Alfredo Volpi. Procura apresentar o artista
na sua simplicidade. Não, ele não é meu tio de verdade, mas bem
que eu gostaria que fosse. Nasceu na região da Toscana,
Itália, em 14 de abril de 1896, e chegou ao Brasil com pouco
mais de um ano. De família pobre, fixou-se em São
Paulo, onde aprendeu o ofício de pintor decorativo de paredes.
Essa história está no livro Brincadeiras, um lançamento
da Martins Fontes com projeto gráfico de Katia Harumi Terasaka. “O
livro também integra o projeto educativo multidisciplinar
do MAC. As ilustrações foram extraídas dos
quadros de Volpi que estão na exposição”,
observa a autora.
Para cada obra, Katia fez um poema. Sobre as bandeirinhas,
ela escreve: Enfim, as bandeirinhas se soltam do mastro
Se expandem, se alargam,
Ganham o quadro todo. Espalham.
Viram bandeira de tudo que é tipo.
Bandeiras de paz,
bandeiras de festa junina,
bandeiras de muitas brincadeiras,
tanto faz.
São bandeiras de acenar cores
e construir formatos para festejar a vida.
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