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Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(Mario Quintana, Prosa e verso, 1978)

Gaúcho de Alegrete, Mario Quintana tinha sempre um jeito próprio de refletir sobre as coisas mais simples do cotidiano. Uma borboleta sob o sol, um ranchinho de barro e sapé, o relógio de parede numa velha fotografia, a solidão dos moços e velhos, o dilema da mãe solteira... Filtrava o mundo com as palavras, sempre bem-vindas, sensíveis, sábias. Diante dos infortúnios, sabia ser senhor do seu nariz e respondia com ironia, brincando com o leitor. Um exemplo é o “Poeminho do contra”, que escreveu para os membros da Academia Brasileira de Letras (ABL), que pela terceira vez não lhe deram a vaga dos imortais. É o poeta passarinho voando com leveza entre os que atravancam o seu caminho...

Quintana definia conceitos complicados em poucas palavras, da forma mais simples, mais popular. “Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese.”

Nessa sua luta com as palavras, o poeta definiu:

Amor: Quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Amizade: Quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Fantasma: Pobre-diabo marginal entre dois mundos. Não usa sapatos.
Frases que matam: Mas como você está bem conservado.

Refletia sobre tudo em versos, prosa. Questionava o mundo, e as respostas vinham sempre com uma dolorosa interrogação, como ele mesmo definia. Ou um conceito irônico.

Por que será que a gente vive chorando os amigos mortos e não agüenta os que continuam vivos?

Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.

A natureza é barroca. O sonho é barroco. Portanto, o que teriam vindo fazer nesse mundo as colunas gregas?

Creio que foi Nietzshe que disse que o homem foi feito para guerrear e a mulher para dançar para o guerreiro. Ora! É muito mais humano este meu, este nosso ideal burguês: o homem foi feito para comer e a mulher para servi-lo à mesa.

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

Dizem eles, os pintores, que o assunto não passa de uma falta de assunto: tudo é apenas um jogo de cores e volumes. Mas eu, humanamente, continuo desconfiando que deve haver uma diferença entre uma mulher nua e uma abóbora.

Entre poemas – Quando alguém perguntava sobre a sua vida, Mario Quintana respondia: “Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”.

Os poemas deixam fluir um Mario Quintana lírico:

O luar
É a luz do Sol que está sonhando.

O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

Os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar

A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem
 
Um poeta que busca entender o homem na contemplação da natureza.

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti

Num texto que escreveu para a revista Isto É (14 de novembro de 1984), contou: “Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão mais completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?”.

Quintana tinha 13 anos quando publicou seus primeiros trabalhos literários na revista do Colégio Militar de Porto Alegre, onde estudava. Cinco anos depois, sai da escola para trabalhar como atendente na Livraria do Globo, uma das grandes editoras da época, desgostando os pais, a dona de casa Virgínia e o farmacêutico Celso de Oliveira Quintana. Eles sonhavam em ver o quarto filho doutor. A nova atividade, no entanto, durou pouco e ele voltou para Alegrete, vivendo com o pai. Como ele mesmo observou, foram as atividades como prático de farmácia que influenciaram na dosagem de palavras. Tinha 17 anos quando publicou, com o pseudônimo JB, um soneto no jornal de Alegrete. Um poema tão bonito que o pai ficou todo orgulhoso, querendo contar a todos que era pai do tal JB. Um orgulho que incentivou o poeta que não parou mais de escrever.

Mario Quintana era um solitário, apesar de querido por outros escritores e poetas como Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Nunca se casou nem teve filhos. Disse que ficou solteiro por falta de tempo, por ficar andando de um lado para o outro. “Como é que vou saber por que é que não casei? Deve ter sido por causa dos astros.”
Os astros, no entanto, não impediram o poeta de sonhar e amar.

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada,
Que a vida é breve, e o amor mais breve ainda.


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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