Alfredo Bosi, que leciona literatura na Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas desde 1970: “Não posso
dizer que é
uma despedida”, diz o professor, que continuará atuando
na
pós-graduação e como editor da revista Estudos
Avançados
A poucos dias de se aposentar das atividades docentes na USP, o
crítico literário e professor de literatura brasileira
Alfredo Bosi faz questão de frisar que a homenagem que recebe
nesta terça-feira, dia 22, a partir das 9 horas – a
Jornada Alfredo Bosi: Cultura e Resistência –, não
será nenhuma despedida da Universidade. Para ele, é
uma felicidade que agora, mesmo com a aposentadoria, seja possível
continuar orientando alunos na pós-graduação
e dirigindo laboratórios. “É muito bom poder
colaborar na formação das pessoas. Também vou
continuar editando a revista Estudos Avançados. Então
não posso dizer que é uma despedida”, afirma
Bosi, que desde 1970 leciona na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH).
O professor elogia a estrutura do evento, composto não
de uma série de conferências, mas de leituras críticas
de seus textos. Confessa que está curioso para assistir aos
testemunhos de militantes políticos, com comentários
do professor de psicologia Paulo de Salles Oliveira. “Ele
deve ter entrevistado pessoas com quem convivi na época da
repressão e provavelmente antigos militantes da Pastoral
Operária”, diz.
A parte 1 do encontro, às 9 horas, trará leituras
de textos de Bosi acerca de grandes autores – como Graciliano
Ramos, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Carlos Drummond
de Andrade e Otto Maria Carpeaux – e de poesia em geral. A
primeira leitura do dia, “A giesta ou a flor do deserto. Um
poema de Leopardi”, pode ser considerado um exercício
de memória, diz Bosi, já que se trata de um comentário
sobre “Mito e poesia”, a tese de livre-docência
que o professor defendeu acerca daquele poema. “Será
um momento especial porque durante dez anos fui professor de literatura
italiana”, diz.
A história das ideologias no Brasil será o tema
da parte 2 do programa, às 15 horas – uma mesa-redonda
a ser aberta pela Orquestra de Câmara (Ocam) da USP, regida
pelo maestro Gil Jardim. Conhecidos militantes foram convidados
para falar das paixões de Bosi no campo da cidadania e da
militância: Jacob Gorender, Francisco Whitaker e Fábio
Konder Comparato. “Parte dos meus estudos se concentra na
dialética da colonização. Procuro mostrar o
contraste entre a economia colonial e neocolonial e formas de pensamento
político de resistência”, diz.
Voz calma, o professor conta que se alegra com a iniciativa dos
colegas do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e do Departamento
de Letras. “Nesta altura da carreira, às vésperas
da aposentadoria, um encontro em torno dos nossos trabalhos é
sempre um momento feliz. Uma oportunidade de discutirmos e reencontrarmos
todo um passado por intermédio de colegas, muitos dos quais
foram meus alunos.”
Machado em três dimensões –
O romance Memórias póstumas de Brás Cubas,
que atrai e desafia os críticos de literatura brasileira,
ganha uma abordagem tridimensional inédita no novo livro
de Bosi. Brás Cubas em três versões –
Estudos machadianos (Companhia das Letras), com lançamento
previsto para ocorrer durante o evento, às 17h30, é
uma obra composta de três ensaios. O primeiro, que dá
nome ao livro, é uma “tentativa de reler as Memórias
póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, segundo
três pontos de vista: a leitura formalista, a existencial
e a sociológica”, explica Bosi. “Procuro fazer
justiça a essas três interpretações a
partir de uma análise que não seja unilateral, porque
as críticas de Machado, em geral, privilegiam uma só
dessas três óticas e nenhuma delas, por si mesma, é
capaz de dar conta da complexidade e da densidade do romance.”
Memórias póstumas de Brás
Cubas é
o romance mais difícil de Machado, o que inicia a sua segunda
fase, e até hoje representa um enigma para os seus leitores,
diz Bosi. “O que atrai os críticos, nesse romance,
é o enigma do narrador. O narrador é o defunto-autor.
Machado escreveu pela primeira vez um romance em primeira pessoa.
Todos os anteriores são em terceira pessoa, como se um
historiador contasse histórias dos outros. As Memórias
inauguram um sistema literário em que o sujeito da história
é o próprio narrador. O que há de original
é que ele se finge morto e isso implica um desdobramento,
que é existencial e formal. O morto julga o vivo. O morto
tem consciência da fragilidade do caráter dele enquanto
vivo.”
O professor lembra que a crítica sociológica afirma
que, com o romance, Machado quis criticar um segmento da sociedade
brasileira, a classe do proprietário ocioso. “Isso
é uma meia-verdade, porque o defunto-autor não critica
só a personagem viva, mas se auto-analisa, humoristicamente,
como ser humano, falível, frágil, mas perspicaz.
Esse desdobramento é o ponto de interesse do crítico
literário”,
afirma. O segundo ensaio do novo livro se intitula “Releitura das
crônicas políticas de Machado de Assis” e o terceiro
homenageia um grande estudioso de Machado, o historiador Raimundo
Faoro, autor de Machado de Assis – A pirâmide e o trapézio.
A respeito do reflexo de sua obra sobre o pensamento crítico
da sociedade, o professor afirma apenas: “Ninguém é
juiz de si mesmo. Os outros é que vão avaliar. Eu
procurei semear ideais, valores, nos quais eu sempre acreditei.
Ao fazer isso, aprendi muito com os mestres de cidadania aos quais
dedico toda a minha obra. Entre eles, Otto Maria Carpeaux, Celso
Furtado, Jacob Gorender e o bispo Dom Pedro Casaldáliga”.
A Jornada Alfredo Bosi: Cultura e Resistência será
realizada nesta terça-feira, dia 22. A parte 1, “A
obra crítica de Alfredo Bosi”, começa às
9 horas, no Anfiteatro de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH). A parte 2, “Mesa-redonda:
história das ideologias no Brasil”, tem início
às 15 horas, no Departamento de Música da Escola de
Comunicações e Artes (ECA). O lançamento do
livro Brás Cubas em três versões será
às 17h30, na ECA. Mais informações pelo telefone
(11) 3091-1688.
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Humanidade em movimento
Estudos Avançados, número 57, publicação
do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP (telefone
3091-3919), 420 páginas |
Guerra,
clima, fome, pobreza, riqueza, pessoas, vida, morte. Inúmeras
são as razões que levam às mudanças
de território. Na história recente, um número
cada vez maior de pesquisadores tem tentado entender e mapear os
movimentos de populações pelo globo. Um esforço
dantesco diante da irremediável clandestinidade inerente
às histórias dos migrantes ou mesmo ante a falta de
controle nos territórios aonde eles chegam ou de onde saem.
O Brasil tinha em 2003 quase 2 milhões de brasileiros morando
no exterior. Mas a estimativa do Itamaraty pode estar bem abaixo
da realidade justamente pela imprecisão dos dados de clandestinidade.
De um típico país de imigração, há
um século, o Brasil passou, a partir da década de
1980, a ser um grande exportador de mão-de-obra.
A
nova edição da revista Estudos Avançados –
publicação do Instituto de Estudos Avançados
(IEA) da USP – aborda essas e outras questões relativas
aos muitos fluxos migratórios da história recente
do Brasil. A revista será lançada nesta quarta-feira,
dia 23, às 17h30, na sede do IEA, em mais uma homenagem ao
professor Alfredo Bosi, editor de Estudos Avançados.
Na
seção Memória, fotos nostálgicas de
passaportes e festa de italianos no porto de Gênova, antes
do embarque ao Brasil, além do artigo “A magia do futebol”
e o especial Criação, com reproduções
de pinturas de Lasar Segall sobre o tema migração.
A edição se encerra com artigos dos professores José
Eli da Veiga e João Márcio Mendes Pereira sobre o
desenvolvimento rural, além de resenhas sobre temas diversos
como a Biblioteca InDisciplinada de Guita e José Mindlin
e escravos e senhores nos séculos 18 e 19, entre outros.
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