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O Brasil, e a USP particularmente por intermédio do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), participa ativamente de programas espaciais internacionais, inclusive quando se trata de classificar ou procurar planetas. A professora Beatriz Barbuy, do Departamento de Astronomia, é vice-presidente da União Astronômica Internacional (UAI), que tem sede em Praga, e no dia 24 passado deveria aprovar, em assembléia-geral, uma reclassificação do sistema solar, alterando de nove para doze o número de planetas. Já o professor Eduardo Janot Pacheco, do mesmo departamento, coordena a parte brasileira do programa com o satélite Corot, da agência espacial francesa CNES, em parceria, ainda, com a Áustria, Espanha, Bélgica, Itália e Holanda, e que tem como um dos objetivos procurar exoplanetas (fora do sistema solar). O lançamento do Corot está previsto para outubro ou novembro deste ano, no cosmódromo Baikonur, Cazaquistão. O professor Pacheco prepara acompanhamento especial e estará na base de Alcântara, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), no Maranhão, para receber em primeira mão as informações que virão do satélite francês, quando passar pelo território brasileiro.

A proposta da UAI distribui os planetas em três categorias: oito clássicos (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno), três plutônicos (Plutão, Caronte e Xena) e Ceres, situado no cinturão de asteróides entre Marte e Júpiter e que, de acordo com o astrônomo Enos Picazzio, também do IAG, deve ter mais água doce do que a Terra.


Além da imaginação – Picazzio considera que, quando existe uma variedade grande de objetos, é importante do ponto de vista científico classificá-los a fim de conhecer as peculiaridades de cada um. O sistema solar tem ainda muita novidade a descobrir e seu limite externo pode ser comparado a uma bolha composta de cometas. As distâncias são fantásticas. Plutão está 40 vezes mais distante do que a Terra do Sol e a distância menor de Xena é de 70 unidades astronômicas, o dobro da distância de Plutão; no ponto mais afastado, 900 vezes. Xena tem órbita alongada, elíptica, e foi descoberto na posição mais próxima do Sol; na mais distante é absolutamente invisível para os instrumentos de hoje. No entanto, conhecendo a sua órbita, sabe-se onde se encontra. O seu ano corresponde a milhares de anos da Terra.
Para observar objetos tão distantes iluminados pelo Sol são necessários instrumentos de altíssimo poder de resolução, telescópios especiais, e mesmo assim há um limite, regiões inatingíveis e corpos distantes demais para serem vistos quando se encontram no ponto mais afastado de sua trajetória em torno do Sol. A atmosfera terrestre é um fator limitante para a ciência, pois funciona como um véu interferindo na observação. Daí porque alguns tipos de observação só podem ser feitos do espaço por meio de satélites. Outras vezes, corpos muito distantes e frios só podem ser observados no espectro infravermelho.

Quanto ao tamanho e massa do objeto, a primeira avaliação é visual. Mas o meio mais dinâmico é determinar a órbita em torno do Sol e observar a composição química, sobretudo na superfície. Diz o professor que, quando há dois objetos idênticos em tamanho e distância, mas um tem superfície escura e outro clara, o de superfície clara espalha mais luz e pode ser visto mais facilmente que o outro. A observação se faz, então, com telescópio em infravermelho, porque o infravermelho é sensível à temperatura (a medicina usa o método para detectar problemas no organismo do paciente). Os telescópios medem a radiação pela temperatura. Em razão de se ignorar a exata composição química da superfície do Xena, ignora-se também o tamanho do (futuro) planeta. Aliás, a UAI tem uma lista de pelo menos dez candidatos a planeta na mesma situação.

créditos: cecília bastos/ Jornal da USP
O professor Enos Picazzio, do IAG: muito ainda a ser descoberto

A composição dos corpos celestes varia muito. De acordo com Enos Picazzio, no sistema solar há, grosso modo, as seguintes regiões: a dos objetos rochosos (Mercúrio, Vênus, Marte, Terra, e o cinturão de asteróides, onde está Ceres com quase mil quilômetros de diâmetro); dos grandes planetas, todos gasosos e de massa muito grande (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno); e, adiante de Netuno, de objetos caracterizados por uma mistura de rochas e gases congelados (metano, amônia, água), onde se encaixam Plutão, Caronte e outros corpos que estão sendo descobertos agora.

Júpiter tem o satélite Ganimedes, Saturno tem Titan; ambos são maiores que Mercúrio, mas não podem ser considerados planetas exatamente por serem satélites. Plutão deixou de ser planeta único para fazer dupla com Caronte. Este passou de satélite a planeta. A justificativa envolve relação de massa e equilíbrio, de difícil compreensão para os leigos em astronomia.
Outra coisa: na formação do sistema solar, os planetas estavam em região quente, próxima do Sol, e os gases evaporaram, até que o material sólido predominou. Mas adiante de Netuno, a temperatura é muito baixa e os gases, em vez de evaporar, se condensaram formando gelo. Ficou uma mistura de rocha e gelo. Aí a temperatura chega a 230 graus negativos, próxima da absoluta, e nessa condição o gelo vira rocha.

O sistema solar é úmido, salienta o professor. Quando se olha entre as estrelas podem-se ver gases de todos os tipos e poeira muito fina. A água é elemento abundante em todos esses corpos celestes. Marte tem água nas calotas em forma de gelo e provavelmente também no seu interior. Na forma líquida não existe porque a temperatura do planeta é alta, não existe atmosfera, a umidade evapora e se espalha no Universo.

Os cometas são feitos de rocha e gelo, sendo que 80% do corpo corresponde a água; quando se aproximam do Sol são aquecidos e o gelo vaporiza. Daí as belas cabeleiras e as caudas brilhantes. De acordo com o professor Picazzio, foram provavelmente os cometas que abasteceram de água a Terra, depois que esta se esfriou. Ceres tem superfície congelada, semelhante aos pólos da Terra e, embora menor, pode ter mais água que o nosso planeta.

A maior objeção à presença do homem em Marte é o seu ambiente hostil, pois esse planeta não tem, como a Terra, magnetosfera, espécie de cobertor que protege os habitantes dos raios ultravioleta, uma radiação danosa à saúde.
Exoplanetas – A parte brasileira do projeto com o satélite Corot é financiada pelo CNPq e pela Capes, no total de US$ 2 milhões (o custo total do programa é de US$ 200 milhões), que se destinam a equipar a estação de Alcântara. Esta é a primeira vez que o Brasil participa de projeto semelhante, cabendo-lhe preparar softwares para captar os dados. Observações de solo já são feitas desde 2001. Cinco engenheiros brasileiros trabalham na França.


A parceria com os europeus garante aos cientistas brasileiros o direito de explorar com exclusividade pelo prazo de um ano os dados fornecidos pelo satélite; só depois disso é que poderão ser publicados. O cosmódromo cazaquistanês de Baikonur, de onde o satélite europeu deve partir, é o mesmo dos satélites russos Soyuz. Dali foi para o espaço o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Cesar Pontes.

Esta não é a única parceria internacional do Brasil na exploração do espaço. O País participa de consórcios que utilizam grandes telescópios no Chile (Projeto Soar) e no Havaí (Gêmini).


Formas, bichos, deuses

As constelações tomam nomes geralmente derivados de figuras geométricas (Triângulo, Compasso), de animais (Leão, Ursa, Carneiro, Baleia), de objetos ligados à navegação (Vela, Quilha) e da mitologia (Órion, Hidra, Andrômeda). A União Astronômica Internacional aceita sugestões de nomes para novos corpos celestes, com maior chance de acatamento quando incluem algum valor social.

Planetas, satélites e candidatos a planeta costumam ter nomes mitológicos. Eis alguns que estão em evidência, agora que se discute a revisão do sistema solar:

Ceres – deusa da mitologia latina, Deméter na grega, era filha de Saturno e Cibele, irmã e amante de Júpiter, irmã de Juno, Vesta, Netuno e Plutão, mãe de Proserpina com Júpiter. Patrona da Cecília, deusa das plantas, protetora das lavouras, especialmente dos grãos (Ceres = cereais).

Plutão – Hades na mitologia grega, era deus do submundo e das riquezas, irmão de Júpiter, Netuno, Ceres, Vesta e Juno, integrante da primeira geração dos deuses olímpicos. Na partilha do Universo, a Netuno coube o Mar, a Júpiter o Olimpo e a Plutão, o Inferno.

Caronte – filho do Sol e da Terra, foi transformado em rio (também dito Stix) por vingança de Júpiter e precipitado nos Infernos. Pelas suas águas o Caronte transporta em barco os mortos até o Hades, a última morada.

Sedna – deusa da mitologia inui (região do Ártico), mãe dos animais marinhos. Era uma bela jovem humana que vivia com o pai. Em um dia de tempestade sofreu naufrágio e desde então mora no fundo do mar, tendo o seu corpo assumido algumas formas da fauna marinha.

Xena – personagem de um seriado da televisão norte-americana (1995-2001), em torno de uma suposta princesa guerreira mítica, mas inexistente nas mitologia oficiais.

Quaoar – nome em homenagem aos índios norte-americanos Tongva, dado pelos astrônomos que descobriram o corpo celeste utilizando o Observatório de Palomar, em Los Angeles. Supostamente, deus da criação e da ordem. Colocou o mundo nas costas de sete gigantes, depois de criar animais e, por último, o homem.

Orcus – na mitologia romana antiga, espírito da morte e personificação do mundo dos mortos, representado em túmulos como gigante barbudo.


Muda a ciência, muda o livro

Toda alteração no ensino da astronomia, como de resto em qualquer campo do conhecimento, traz transtornos imediatos para o livro didático. Os professores concordam que o problema deve ser tratado com calma, cabendo aos docentes de cada área se informar sobre as mudanças e transmiti-las aos alunos. A atualização das obras se fará gradualmente, à medida que forem feitas novas edições. É um processo contínuo, uma vez que a ciência é progressiva e as novidades não param de surgir.

Para o professor da área de biologia Nélio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, as mudanças anunciadas na astronomia não são preocupantes. Elas, assim como alterações que podem haver no número de Estados brasileiros, dizem respeito a normas que o próprio homem determina, e a tendência da sociedade é aceitá-las sem objeção. As mudanças conceituais, essas sim, são importantes, segundo Bizzo. Por exemplo, no sistema solar o grande problema ocorreu com Copérnico e Galileu, que abandonaram a teoria geocêntrica (a Terra como centro do Universo) em favor do heliocentrismo (a Terra girando em torno do Sol), e exigiu mudança urgente em todos os livros. O professor da Faculdade de Educação diz que a função da escola é fazer com que o aluno entenda a ciência, sem se preocupar muito com detalhes. Saber que Ceres entra agora na categoria de planeta é bom, mas não é nada revolucionário, assim como não mudou profundamente a geografia do Brasil a criação do Estado de Tocantins. Com o tempo os manuais didáticos incluirão as novidades.

No caso das ciências astronômicas, o professor Enos Picazzio aponta um problema que considera crucial: a maioria dos professores não tem formação adequada – não por culpa deles – e ainda se depara com erros grosseiros nos livros didáticos. O Ministério da Educação fiscaliza os manuais, pondo em prática o Plano Nacional do Livro Didático, com a participação de especialistas de universidades.

O IAG tem parte nisso, analisando os livros didáticos da área de astronomia e encaminhando relatos de casos ao MEC, que na hipótese de erros graves retira o livro de circulação. Para evitar que os revisores possam ser acusados de favorecimento a autores, ou de perseguição, o livro a ser avaliado chega sem capa e sem o nome do autor.

Picazzio já participou do plano de avaliação do MEC e quando sugeria alterações esperava do autor do livro que justificasse tecnicamente o que escreveu ou que procedesse à revisão proposta.

 

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