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créditos:cecília bastos
Para mudar o futuro – Mudanças climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais, de Jacques Marcovitch, Edusp e Saraiva, 366 páginas, R$ 60,00.

 

créditos: Francisco Emolo

O aquecimento global está apenas começando, e daqui para frente é que a Terra e seus habitantes – incluindo nós, os seres humanos, inquilinos recentes do planeta – sentirão os seus efeitos. Entretanto, por mais que cresçam o interesse no tema e a quantidade de pesquisadores que se debruçam sobre ele, os consensos entre a comunidade científica e os governos ainda parecem distantes. Há mesmo toda uma corrente de cientistas que afirmam que não há provas da intervenção humana no atual processo. Esse é um dos muitos temas abordados no livro Para mudar o futuro – Mudanças climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais, do ex-reitor da USP Jacques Marcovitch.

Lançado em seminário realizado no dia 24 passado, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, o volume apresenta um amplo painel sobre a história das mudanças climáticas e o debate mundial a respeito do tema – incluindo a importante participação brasileira –, além de mostrar o que empresas têm feito para trabalhar de forma sustentável e traçar o horizonte da agenda de prioridades e desafios na área. “A proteção ao ambiente representa o interesse de todos os grupos, da humanidade inteira”, escreve Marcovitch.

No seminário, o ex-reitor ressaltou que o livro nasceu de uma discussão na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 10), em Buenos Aires, no final de 2004. Ali o Brasil entregou o seu inventário de emissões de gases causadores do efeito estufa. “Nessa entrega, observou-se o quanto o Brasil é criticado pelo que não faz, mas o pouco que é visto pelo que faz. Poucas vezes as opiniões dos brasileiros que militam nesse tema eram conhecidas e disseminadas”, disse. “Este livro procura trazer o que o Brasil pensa e já entende como seus grandes desafios, e a idéia foi reunir conhecimentos acumulados e também talentos.” Para Marcovitch, o principal objetivo do trabalho é contribuir para mudar o futuro. “E como se muda? Através da juventude. Longe de tratar do passado, ele procura contribuir na formação das novas gerações.”

O livro traz a participação de colaboradores como o jornalista Washington Novaes, especializado na cobertura de temas ligados ao ambiente. “Os números que têm sido divulgados mostram que no País, em um ano, os ‘desastres naturais’ deixaram 810 mil vítimas; em uma década, 12,7 milhões – 11,5 milhões em secas, 510 mil inundações, 153 mil em deslizamentos de terra”, aponta Novaes.

créditos:cecília bastos
O professorJacquesMarcovitch (acima): “Para mudar o futuro, é essencial que asociedade aprimoreos seus valores e noções de convívio”

Pós-2012 – Um dos expositores do seminário de lançamento do livro foi Pedro Leite da Silva Dias, coordenador da área de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Para Dias, ainda há muitas incertezas em relação ao panorama sobre alterações do clima da Terra. “O grande problema das mudanças climáticas é que o clima não é só atmosfera. Há a influência das águas, do solo, da vegetação e das espécies químicas”, afirmou. É em relação a esse último item que o fator humano começou a ser levado em conta – “porque nós mudamos as concentrações desses elementos na atmosfera”, disse o professor.

Na década de 1990, enfatizou, começou a crescer a consciência sobre a relação do clima com aspectos sociais. O pesquisador usou como exemplo dessa tendência a constatação do maior desmatamento da Amazônia a partir dos anos 70. No Sul do País, os verões estavam mais secos e os invernos, mais chuvosos, prejudicando a agricultura e provocando sérios problemas sociais e econômicos. “Por sua vez, o governo militar tinha a preocupação em ocupar a Amazônia, e por isso incentivou a colonização por grandes levas de migrantes do Sul. Essa maior ocupação acarretou o maior desmatamento”, relatou. Atualmente, modelos matemáticos têm sido cada vez mais utilizados como elemento integrador de todas as áreas que estudam o ambiente e as mudanças climáticas, ajudando de forma crescente na projeção de cenários futuros.

Também ex-reitor da USP e atual secretário estadual do Meio Ambiente, o professor José Goldemberg apresentou no seminário um breve relato de como andam as negociações em relação aos acordos internacionais sobre redução de emissão de gases de efeito estufa. O Protocolo de Kyoto, negociado em 1997, ratificado em 1999 e que entrou em vigor em 2005, estabeleceu que os países desenvolvidos – o chamado Anexo I – deveriam reduzir suas emissões em 5% em relação aos níveis de 1990. “Para os Estados Unidos, em 2003, isso significaria reduzir 25%”, disse o professor. “Sob o governo de Bill Clinton e Al Gore, os Estados Unidos assinaram sem entender muito bem o que assinaram”, afirmou. Na prática, o país não aderiu ao tratado.

O grande desafio, avalia Goldemberg, é o cenário pós-2012, data-limite dos compromissos estabelecidos em Kyoto. Será necessário atrair para novos protocolos os Estados Unidos, responsáveis por 23% das emissões de gases de efeito estufa, e os países em desenvolvimento, que ficaram de fora do Anexo I por não serem considerados grandes emissores. O cenário mudou: a China responde por 17% das emissões mundiais, enquanto Índia, África do Sul e Brasil também têm índices consideráveis. No Brasil, 75% das emissões são originárias de queimadas e desmatamento na Amazônia.

No início de agosto, São Paulo sediou uma reunião do chamado grupo Basic – Brasil, África do Sul, Índia e China –, na qual nasceu uma proposta para conciliar os interesses divergentes. “Os Estados Unidos adeririam através de um outro protocolo. Em compensação, as limitações das emissões de carbono não seriam mais dadas por números arbitrários, como Kyoto, mas levariam em conta dados como a população e o PIB do país”, disse Goldemberg. A China, por exemplo, que vai expandir muito sua produção de energia usando carvão, se comprometeria a usar métodos mais modernos e eficientes e reduzir suas emissões em 10%. Já o Brasil deve reduzir o desmatamento. “Em vez da dicotomia entre países do Anexo I e não-Anexo I, a proposta cria uma nova categoria de países que aceitam as reduções voluntárias e quantificadas”, explicou. Fóruns globais em 2007 e 2008 devem trazer decisões importantes no processo.
“Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o gerou. É preciso ir bem mais longe que isso”, escreve Jacques Marcovitch no final do livro, citando o físico alemão Albert Einstein. No caso do ambiente, como se trata de nossa própria sobrevivência – “é difícil encontrar bons planetas”, diz um slogan dos ecologistas europeus –, não basta que nos guiemos por hipóteses e conclusões. “É também essencial, para mudar o futuro”, escreve o ex-reitor, “que a sociedade aprimore constantemente os seus valores e noções de convívio.”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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