O
sociólogo Francisco Weffort, que participou da fundação
do Partido dos Trabalhadores (PT) e foi ministro da Cultura do governo
de Fernando Henrique Cardoso, entende que o Brasil vive uma crise
de legitimidade política, com risco de evoluir para uma crise
institucional: a desmoralização do Congresso Nacional,
especialmente da Câmara dos Deputados, é a mais grave
da história e a situação ainda poderá
se agravar se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva for
reeleito.
Para o professor aposentado da USP, dificilmente
haverá novamente no Brasil um partido de massas de esquerda.
“Esse sonho afundou com o PT”, disse em entrevista por
e-email, da sede do Instituto de Estudos de Políticas Econômicas
e Sociais (Iepes), no Rio de Janeiro, onde trabalha.
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Jornal da USP – Como o senhor analisa
a situação do eleitor brasileiro, em particular o
eleitor do PT, diante das denúncias de corrupção
que atingiram membros do partido, do governo e em grande escala
o Congresso Nacional? Acredita que esse eleitor enfrenta uma crise
de consciência ou de desorientação?
Francisco Weffort – Não sei se o eleitor do
PT vive uma crise de consciência, mas certamente passa por
uma situação de confusão e desorientação.
O PT virou do avesso quando adotou a política econômica
que sempre criticou. Além disso, dirigentes do partido se
meteram em situações de corrupção (mensalão)
ou fronteiras à corrupção (caixa 2). E, finalmente,
acabou sendo tratado pelo Lula como simples dependência de
sua vontade e prestígio eleitoral. Não posso saber
o que vai no íntimo da consciência das pessoas, por
isso não posso falar de crise de consciência. Mas suponho
que essa experiência de governo, que é, em muitos aspectos,
o contrário do que Lula e o PT sempre pregaram, deve causar
alguma confusão mental.
JUSP – Como explicar que, aparentemente,
as denúncias não tenham atingido Lula, uma vez que,
de acordo com pesquisas, ele pode ser reeleito ainda no primeiro
turno? O senhor acredita que o presidente é inocente nesses
casos, e nada sabia?
Weffort – Não acredito na inocência
do Lula. Isso seria desrespeitá-lo, chamá-lo de estúpido,
o que certamente não é. A verdade lamentável
é que Lula deixou-se deslumbrar pelo poder. Ou o que acredita
seja o poder, quando, na verdade, é apenas o governo. As
denúncias não o atingiram porque o PSDB e, em menor
medida, o PFL se deixaram embalar por sua própria arrogância
quando decidiram “blindar” Lula, pretendendo assim evitar
um caminho que poderia levar ao impeachment e, talvez, a uma crise
institucional. Não por acaso Lula tem mais votos nas regiões
mais pobres do País. É que, nessas regiões,
grande parte da população depende da assistência
do poder público e os políticos garantem sua preeminência
regional mostrando ao povo que são amigos de Brasília.
A grande maioria dos que hoje apóiam Lula nesses Estados
apoiou Fernando Henrique Cardoso. Antes de Fernando Henrique, apoiaram
José Sarney e antes deste apoiaram os militares. Apoiarão
qualquer presidente que venha a ser eleito.
JUSP – De acordo com análise
do professor Carlos Guilherme Mota, o Brasil é um país
de política ciclotímica, alternando momentos de euforia
com momentos de depressão. O senhor concorda com essa análise?
Weffort – Não sei o que significa ciclotimia
quando essa imagem psicológica se transfere para um país.
Em todo caso, o certo é que o Brasil está numa fase
extremamente difícil do ponto de vista econômico, pelo
menos pela simples razão de que atraímos investimentos
e não geramos empregos. Estamos numa crise de legitimidade
política que amanhã pode evoluir para uma crise institucional:
a desmoralização do Congresso, especialmente da Câmara
Federal, é a mais grave que se conhece em nossa história.
Creio que Alckmin tem pelo menos a vantagem de não ter compromisso
com essa brutal desmoralização da democracia. Se Lula,
como dizem as pesquisas, vier a ser eleito, a situação
pode se agravar e muito.
JUSP – Não há acusações
de corrupção contra Alckmin. Pelo contrário,
é considerado pessoa séria, honesta e trabalhadora.
O que falta então ao candidato do PSDB para deslanchar na
preferência do eleitor? O senhor acredita que haverá
segundo turno e que o ex-governador de São Paulo terá
chance na última rodada?
Weffort – Lula está fazendo campanha para
2006 desde que se elegeu em 2002. Junte-se a isso o assistencialismo
de Estado e as campanhas anteriores e perceberemos que ele tem uma
enorme vantagem: seu nome é conhecido de mais de 90% do povo
brasileiro. Alckmin tem que enfrentar o caminho das pedras, dar-se
a conhecer pelo País inteiro. Além disso, não
é carismático, qualidade que Lula tem de sobra. Lula
se apresenta e é visto hoje como o “pai (ou mãe)
dos pobres”, o “salvador-da-pátria”, como
o foram Getúlio, Jânio e outros, no passado. Por paradoxal
que possa parecer, Lula é, nesse aspecto, mais próximo
de nossa cultura conservadora. Não sei se haverá segundo
turno nestas eleições. Sei apenas que, se houver,
Lula poderá vir a perder seus recentes “aliados”
com a mesma rapidez com que os ganhou.
JUSP – O PSOL e sua líder
Heloísa Helena são a novidade nestas eleições.
Acredita que o novo partido vem para suceder ao Partido dos Trabalhadores,
assumindo a defesa dos valores que presidiram a fundação
do PT?
Weffort – Espero que sim, mas, sinceramente, não
acredito. O PT dos primeiros anos era um movimento de protesto como
hoje a Heloísa. Mas era mais do que isso. Era também,
e não obstante as inevitáveis indecisões ideológicas
da época, a proposta de um partido para renovar a democracia
e mudar a sociedade brasileira. Foi isso, precisamente, o que Lula
quebrou na Presidência. Não foi apenas o cristal do
PT que se partiu. Quebrou-se também, em muita gente, a convicção
de que a esquerda pode ter um grande partido de massas no País.
Não obstante os esforços da Heloísa, creio
que muita gente de esquerda no País continuará, e
por muito tempo, na sua atual orfandade. Teremos sempre, com certeza,
pessoas de esquerda, eventualmente movimentos de esquerda, mas dificilmente
um partido de massas de esquerda. Esse sonho afundou com o PT.
JUSP – A palavra-chave do PT anteriormente
aos casos de corrupção era ética. Depois de
tudo que aconteceu, que lema o PT pode escolher para mais uma vez
entusiasmar as massas? Ou a que programas o eleitor será
sensível?
Weffort – Não creio que o PT se renove. Nem
Lula nem os atuais dirigentes fizeram nenhuma crítica séria
dos desvios dos que se perderam na corrupção. Lula
se disse “traído” mas passou a mão na
cabeça dos supostos traidores. A “refundação”
prometida pelo (senador) Tarso Genro morreu antes de nascer. Mesmo
Berzoini e Raul Pont, que, em outros tempos, se pretendiam como
críticos de esquerda, figuras independentes dentro do PT,
foram tragados pela voragem lulista. Na verdade foram tragados pela
voragem do poder de Estado, pela possibilidade de oferecer emprego
aos amigos, pelo clima propício ao tráfico de influência.
JUSP – O senhor milita atualmente
em favor de algum partido ou candidato? Na área acadêmica,
que projetos desenvolve? Em preparo alguma obra de análise
política ou social?
Weffort – Atuei como militante no PT desde 1980.
Depois de 1988, fui, aos poucos, abandonando a militância
e me desfiliei do partido em 1994. Vou votar em Geraldo Alckmin,
mas não sou do PSDB nem de partido nenhum. Quanto à
pesquisa universitária, meus projetos se dirigem para o passado,
para a história brasileira. Acabei de lançar um livro
sobre a Formação do pensamento político brasileiro
e pretendo desenvolver um estudo sobre bandeirantes e jesuítas
nos primeiros séculos da colônia.
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