Cinco anos depois de aprovado, o Código de Ética
da Universidade de São Paulo ainda é pouco compreendido
pela comunidade universitária, que freqüentemente o
confunde com um código disciplinar, e em breve deverá ser
revisto e aprimorado por uma comissão especial a ser designada
pela Comissão de Ética. À Comissão
de Ética, prevista nos artigos 39 a 42 do código,
compete entre outras atribuições apresentar relatório
anual de atividades ao Conselho Universitário, “acompanhado
de eventuais propostas de aprimoramento”. No entanto, nesses
cinco anos de existência do código nenhum relatório
foi encaminhado ao Conselho Universitário.
De acordo com o atual presidente da Comissão, professor
José Roberto Postali Parra (Esalq), o maior problema é separar,
avaliar e encaminhar caso a caso as ocorrências, que vão
de casos que realmente têm a ver com ética e podem
ser resolvidos na Universidade até denúncias de crimes,
como ofensas a terceiros na internet, assédio sexual, furto
ou roubo, cuja investigação cabe à Polícia
e à Justiça. Uma revisão do documento se impõe,
segundo Parra, para atender a novas necessidades e acompanhar a
história da Universidade. Nas unidades – Muitas das queixas poderiam ser dirigidas
diretamente à Ouvidoria da USP, aliás, um órgão
bem mais conhecido da comunidade que a Comissão de Ética,
que possui estrutura modesta e ocupa espaço reduzido no
Instituto de Estudos Avançados (IEA), no Prédio da
Antiga Reitoria. Os dois órgãos atuam de forma coordenada,
conforme prevê o artigo 41 do Código de Ética.
Algumas das unidades da USP têm os seus próprios códigos
de ética, mas é evidente que os problemas levantados
acabam convergindo para o documento maior. Muitos dos casos registrados
na Comissão de Ética são em seguida encaminhados às
diretorias das unidades onde ocorreram, para as providências
pertinentes, até com a recomendação de abertura
de sindicância ou outras providências.
Pode ser, por exemplo, matéria relacionada com concurso
para provimento de vaga de professor, quando os queixosos costumam
alegar transgressão do artigo 12 do Código de Ética: “Nenhum
servidor docente ou não docente deve participar de decisões
que envolvam a seleção, contratação,
promoção ou rescisão de contrato, pela Universidade,
de membro de sua família ou de pessoa com quem tenha relações
que comprometam julgamento isento”. Faz pouco tempo, informou
Parra, um caso semelhante foi examinado na comissão, concluindo-se
que a denúncia era procedente.
A professora Ivette Senise Ferreira (Direito), integrante da
Comissão
de Ética (que tem sete membros, dos quais cinco docentes,
um representante dos alunos, outro dos funcionários), confirma
que muitas pessoas ainda confundem o Código de Ética
com o Código Disciplinar, que só agora está sendo
elaborado na Universidade. Enquanto ele não vier, acrescenta,
vale o Regulamento da USP.
De acordo com a jurista, quando examina os processos a Comissão
de Ética dá parecer e os devolve às unidades
para que dêem seguimento ao inquérito normalmente,
assegurado sempre o direito de ampla defesa ao acusado. Se ao final
for comprovada culpa do acusado, o processo irá para o Conselho
Universitário.
Origem – O Código de Ética
da USP foi elaborado e aprovado na administração
do professor Jacques Marcovitch (1997/2001). O ex-reitor conta
que havia uma determinação
institucional de que fosse criado um código de conduta na
Universidade, fixada em 1988, quando da aprovação
do Estatuto da USP. No entanto, as tentativas de elaborar o código
não prosperaram. “Decidi então incluir este
ponto como prioridade no exercício do meu mandato na Reitoria”,
informa o professor, acrescentando: “A decisão guardava
coerência com a ênfase dada em minha gestão
na Pró-Reitoria de Cultura (1993/1997) à difusão
no campus de valores universais relacionados com a ética,
os direitos humanos e a promoção da justiça,
entre outros”.
Marcovitch continua relembrando que, posteriormente, criou uma
comissão formada pelos professores Alfredo Bosi, seu presidente,
Alberto Carvalho da Silva, Dalmo de Abreu Dallari, Fabio Goffi,
Paschoal Senise e William Saade Hossne, e esse grupo de notáveis
elaborou o texto do código. Discutido com a comunidade acadêmica
em vários níveis de representação,
o projeto foi examinado pelo Fórum de Políticas Universitárias
no ano 2000 e aprovado pelo Conselho Universitário no ano
seguinte, quando também se constituiu a primeira comissão
responsável pela sua implementação.
De acordo com Marcovitch, além de previsto no Estatuto e
inscrito nas prioridades da Reitoria de então, o Código
de Ética era também uma imposição criada
por fatos traumáticos no espaço acadêmico. “Os
valores mencionados no código não devem ser tomados
em abstrato, mas construídos diuturnamente, inclusive nos
momentos de adversidade. Três episódios trágicos,
por exemplo, não apenas fortaleceram a decisão de
materializar o código, mas ocasionaram históricas
mudanças de atitude: as mortes do menino Daniel, da favela
São Remo, que resultou no Projeto Avizinhar; do calouro
de medicina Edison Tsung Chi Hsueh, originando a proibição
do trote violento; e a do pedreiro Sebastião da Silva, imediatamente
seguida por uma nova política de terceirização
de serviços na USP.” Ainda segundo o ex-reitor, o
código era também essencial para a afirmação,
perante a sociedade, dos valores morais que regem a atividade acadêmica.
A iniciativa da USP não é isolada. As melhores universidades
do mundo, segundo Marcovitch, adotam meios para cultuar permanentemente
os valores universais e zelar pelo seu exercício no cotidiano
acadêmico. “As formas variam, mas a essência
dos procedimentos é rigorosamente a mesma do Código
de Ética estabelecido pela Universidade de São Paulo.”
O alcance do Código de Ética é que nem sempre é bem
entendido pela comunidade uspiana. “O código não é punitivo”,
lembra o ex-reitor, “mas o seu artigo 39 determina que a
Comissão de Ética apure a ocorrência das infrações
e encaminhe seu parecer às autoridades universitárias. É um
documento basicamente de princípios, complementado pelo
regime disciplinar fixado na Comissão de Legislação
e Recursos, órgão do Conselho Universitário”.
Por último, Marcovitch observa: “Devemos lembrar que
a eficácia de um instrumento dessa natureza depende, fundamentalmente,
da importância a ele atribuída pelo corpo diretivo
da instituição e pela sua constante difusão
no ambiente acadêmico”.
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