O Monumento às bandeiras, no Parque do Ibirapuera, em São
Paulo: no computador, será possível girar a imagem
em 360 graus, afastá-la e aproximá-la, para estudar
os detalhes Um grupo internacional de pesquisa trouxe uma nova luz
para o tratamento eficaz contra o câncer. Ele identificou um
mecanismo bioquímico que, combinado à quimioterapia
já utilizada, aumenta a eficácia do tratamento de tipos
específicos de tumores, como os localizados no coração
(rabdomiomas), cérebro (astrocitomas) e rins (angiomiolipomas).
A pesquisa foi realizada no Instituto Salk, na Califórnia
(Estados Unidos) e contou com a participação de Ricardo
Garcia Corrêa, pesquisador do Laboratório de Biologia
Celular e Molecular do Instituto de Química da USP.
Corrêa pesquisou as células de tumores com mutações
numa classe específica de genes, o TSC1 e o TSC2, que são
os genes supressores de tumor, ou seja, genes responsáveis
por frear o desenvolvimento do câncer no organismo. O tratamento
desses tumores é realizado atualmente com quimioterapia à base
do agente químico rapamicina. O problema, verificado em muitos
casos, é que os pacientes adquirem, com o tempo, resistência à rapamicina,
tornando o tratamento inútil.
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Depois de cerca de três anos de estudos sobre os motivos dessa
resistência, a equipe chegou ao elemento NF-kapaB, responsável
pela sobrevivência da célula. Nos testes in vitro com
células de tumores, eles descobriram que, ao tratar esses
tumores com a rapamicina, havia um aumento na ativação
do NF-kapaB, que atua na prolongação da vida celular
e impede a morte das células cancerígenas. “Por
um lado, ele é uma proteção da célula,
uma maneira de evitar que por qualquer motivo a célula morra.
Mas, em contrapartida, ele evita a chamada apoptose, que é o
evento de morte celular programada, utilizada no tratamento quimioterápico
do câncer”, explica Corrêa. Para impedir os efeitos do NF-kapaB e garantir a efetividade
do tratamento, Corrêa combinou o tratamento à base de rapamicina com
inibidores desse agente. O resultado foi a morte das células
cancerígenas e a comprovação da atuação
desse elemento na resistência ao tratamento dos tumores. “A
partir de uma pesquisa aparentemente básica, nós acabamos
criando uma extensão clara para clínica para aplicação
direta. Câncer nada mais é do que uma proliferação
exagerada, descontrolada de um grupo de células. Com a combinação
desses dois tratamentos, conseguimos evitar a proliferação
celular e matar as células responsáveis pelo tumor”,
resume Corrêa.
O grande destaque da pesquisa está justamente na possibilidade
de ser aplicado no tratamento dos tumores deficientes em TSC1 e TSC2.
A descoberta do grupo se refere não a um novo remédio,
mas ao uso combinado da rapamicina e de inibidores de NF-kapaB no
tratamento quimioterápico, ambos já existentes no mercado. “Existem
inúmeros grupos trabalhando com câncer e mesmo com NF-kapaB,
mas são pesquisas básicas, descritivas. Fazer a ligação
entre ele e o câncer e dar uma aplicação clínica
a isso é raro, e daí veio o impacto desse trabalho.
Mostramos um apelo clínico claro da importância dessa
via, o NF-kapaB, mediada por rapamicina”, destaca Corrêa. Ensaios – A próxima etapa para a efetiva utilização
desse tratamento em clínicas e hospitais é submeter
os resultados obtidos a uma série de experimentos e testes. “Nós
fizemos os testes somente in vitro. A pesquisa ainda tem de passar
por ensaios pré-clínicos, ensaios em animais e, depois,
em pacientes em estados terminais. Esse processo todo fortalece
a validade do tratamento”, explica Corrêa.
Como todo novo tratamento médico, essa combinação
pode trazer efeitos colaterais aos pacientes e devem ser cuidadosamente
analisados antes da sua liberação. “Nós
temos que analisar a situação em que o paciente está.
Lógico que efeitos coletareis podem aparecer, como aparecem
em medicamentos variados, como uma aspirina, que tem como efeito
colateral a dor de estômago. A questão é que
os inibidores são fármacos. Na verdade, trata-se
de um mal menor para evitar um mal maior. Para um paciente que
está numa situação muito ruim de saúde,
com um câncer terminal, os possíveis efeitos colaterais
dessa combinação não são importantes
perto da cura do tumor”, defende Corrêa.
Em setembro, a pesquisa foi publicada pela revista Cancer Cell,
renomada publicação de divulgação científica.
O artigo intitulado “Essential role of tuberous sclerosis
genes TSC1 and TSC2 in NF-kapaB activation and cell survival” (“O
papel essencial de genes de esclerose tuberosa TSC1 e TSC2 na ativação
de NF-kapaB e sobrevivência celular”) descreve todo
o processo de pesquisa do grupo e é ilustrado com fotos
e gráficos. “É uma revista de muito prestígio
e só tenho a me orgulhar. Com essa publicação, é esperado
que em breve o tratamento atingirá a clínica”,
afirma Corrêa.
Corrêa: tratamento poderá chegar à clínica
em breve Interesse – O convite para participar do grupo de pesquisa
no Instituto Salk surgiu para Corrêa após a conclusão
de sua tese de doutorado, em 2001, na qual desenvolveu o projeto
piloto do Genoma Câncer, uma parceria entre a Fapesp e o
Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, que visava à geração
de 1 milhão de seqüências de genoma humano, a
partir de amostras de câncer.
O projeto piloto de Corrêa revelou 10 mil seqüências
do genoma. “O objetivo do projeto era buscar novos genes
e marcadores para o desenvolvimento do câncer. Foi esse trabalho
que provocou em mim uma curiosidade em entender, no aspecto funcional,
essa série de genes e marcadores tumorais. Ele resultou
no primeiro gene humano patenteado no Brasil”, orgulha-se.
No período em que trabalhou no Instituto Salk, Corrêa
teve a oportunidade de conhecer grandes nomes da área científica. “Não
foram muitas as vezes em que houve uma interação
entre grupos tão fortes como o de Tony Hunter e Inder Verma,
que são duas referências na área científica,
nas suas especialidades. Eu pude então participar dessa
colaboração e ver como a cabeça desses pesquisadores
funciona e como deveria ser dado o direcionamento dos estudos.
Discutir e gerar dados com outros pesquisadores foi muito enriquecedor
para mim”, diz Corrêa.
No Instituto Salk, Corrêa, cuja especialidade é a
análise funcional de genes envolvidos com câncer,
foi o responsável por estudar as vias de inflamação
e analisar qual o seu papel no desenvolvimento do câncer
no organismo humano. “Nós testamos a idéia,
colocamos em prática na forma experimental, para daí vir
realmente a confirmação de que o tratamento combinado
de inibidores de NF-kapaB e rapamicina é o ideal para evitar
quimiorresistência de tumores deficientes de TSC1 e TSC2”,
explica.
Com o fim da pesquisa, em 2005, Corrêa trouxe sua experiência
para o Instituto de Química na USP, onde realizou seu pós-doutorado
também na área de pesquisas sobre o câncer,
com a via de inflamação NF-kapaB. “É uma
coisa que estou trazendo para a USP. Minha visão é tentar
entender, mais do que descrever, o papel desses genes no desenvolvimento
normal da célula, para contribuir de maneira prática
para o desenvolvimento de tratamentos do câncer”, conclui.
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