Quem passa em frente ao portão de madeira mal reconhece que
ali é uma escola infantil. Nada de salas de aula, lousa, giz.
No lugar, muitas plantas, chão de terra batida, areia, água, árvores
frutíferas e pequenos animais com os quais as crianças
brincam livremente. Assim é a Te-Arte, escola criada e dirigida
pela educadora capixaba Thereza Soares Pagani, descrita no livro
De volta ao quintal mágico, da jornalista e professora da
Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Dulcilia
Shroeder Buitoni, que será lançado nesta quarta-feira,
dia 4, às 18h30, na Livraria da Vila, em São Paulo.
O lançamento incluirá palestra de Thereza.
Therezita e Dulcilia: pioneirismo |
Therezita, como é mais conhecida, fundou a Te-Arte – hoje
localizada no bairro do Butantã, em São Paulo – em
1975. Com formação em música e um enorme gosto
por várias formas de arte, ela sempre defendeu a importância
crucial da primeira infância – do zero aos sete anos.
Com a inauguração da Escola Te-Arte, trouxe para São
Paulo seus ideais de educação infantil. “Aqui
na metrópole, percebi essa necessidade que o ser humano tem
de saber brincar. Notei a importância de a criança se
bastar, porque ela se bastando na brincadeira, se conhecendo melhor,
ela tem interesse pela parte intelectual”, explica a educadora.
No livro, Dulcilia explica com detalhes
a pedagogia pioneira desenvolvida na Te-Arte, através de depoimentos de pais e professores que
conviveram e foram educados pelos métodos de Therezita. Com
um testemunho entremeado por especialistas em educação
infantil e, em alguns pontos, assumidamente influenciado por sua
própria vivência nesse ambiente, a autora apresenta
o dia-a-dia das crianças, rodeadas de música, arte
e cultura popular. Um convite aos leitores que queiram conhecer um
método diferente de educação infantil.
O prefácio do livro é assinado pelo português
José Pacheco, professor da Escola da Ponte, em Vila das Aves,
Portugal, na qual desenvolve um projeto semelhante ao da Te-Arte
e que é referência mundial em educação
básica. Pacheco se mostra surpreso com a existência,
no Brasil, de um exemplo de educação infantil que enaltece
a criatividade e a sensibilidade. “Enquanto muitas escolas
se convertem ao digital e se vão transformando na vanguarda
tecnológica do atraso pedagógico, a Te-Arte permanece
pioneira e determinada no recurso à simplicidade. Ali tudo
tem a medida da infância. Por isso, a presença do adulto
que educa faz sentido. Na Te-Arte, tudo faz sentido. E apetece voltar
a ser criança”, escreve Pacheco.
O retorno à Te-Arte – Dulcilia conheceu a Te-Arte
por indicação de uma amiga, quando procurava um lugar
para matricular sua filha de 2 anos. Quando chegou à escola,
deparou-se com o espaço perfeito para sua filha brincar
e explorar o mundo.
Matriculou seus outros dois filhos na escola e transformou o
convívio
direto com a Te-Arte na parte prática de sua tese de livre-docência,
sobre livro-reportagem. Essa parte da tese acabou publicada, em
1988, pela Editora Brasiliense, com o título Quintal mágico:
educação-arte na pré-escola. “Eu via
que era uma experiência única, que utilizava uma série
de práticas pedagógicas bastante diferentes. Havia
algumas escolas assim, mas essa era a mais ousada. Eu tinha que
retratar essa experiência”, lembra Dulcilia.
Para esta nova edição do livro, Dulcilia retornou à escola,
atualizou os dados e elaborou novos capítulos. “Eu
decidi fazer, no início, algumas ponderações
sobre o que penso. Este trabalho não é só para
divulgar o trabalho de Therezita, mas também uma homenagem
a essa pessoa sensacional”, afirma. Segundo ela, a Te-Arte
poderia influenciar outras escolas em todo o País a seguir
o mesmo método.
Entre os novos depoimentos, estão o de muitos pais que foram
ex-alunos da Te-Arte e que agora acompanham seus filhos brincando
pelo quintal de terra batida. O método pedagógico
de Therezita parece encantar as crianças, que não
só lembram afetivamente dos anos ali passados como acreditam
no método ali desenvolvido. “Acho que ficou introjetado
neles que a infância é um período importantíssimo
de molde, de formação de personalidade e que não
se pode perder esse período já entrando num ensino
quase profissionalizante. É preciso que esse espaço
de brincadeira exista para desenvolver a mente, a afetividade,
a autonomia”, teoriza Dulcilia.
O ensino do brincar – A Te-Arte foi sempre um espaço
para o livre desenvolvimento da criança, para ela viver
seu corpo através da experimentação concreta
de todos os sentidos – um método nomeado por Therezita
como “corpo vivido”. Assim, o quintal, o jardim e o
pomar se tornam as salas de aula e a escola se torna o lugar aonde
a criança vai para brincar.
Mas não um brincar aleatório, ressalta a educadora.
A função da Te-Arte é proporcionar todos os
elementos e estímulos a essa brincadeira, sempre respeitando
o ritmo e necessidades de cada criança, sem horários
rígidos ou atividades programadas. “Elas vêm
aqui para viver. Para se conhecer e conhecer aquela possibilidade
que elas têm de se alfabetizar pelo tato, pelo cheiro, pelo
ouvido, pela visão e pelos sentidos. E, depois, com o crescimento
desse processo, elas querem o aprendizado formal”, explica
Therezita.
Segundo ela, brincar é condição essencial
para que a criança possa absorver e criar conhecimento e
cultura, além de facilitar a inserção da criança
no mundo escolar. “A criança sai pronta para qualquer
lugar do mundo”, simplifica.
As 67 crianças matriculadas na Te-Arte, de 8 meses aos 7
anos, brincam como querem, quase sempre ao ar livre, cercadas de
muita música e arte, e todas juntas, sem separação
por idade ou classes. A casa serve apenas como um abrigo para onde
as atividades são transferidas quando chove ou o frio é muito
intenso.
Esse ambiente natural, cercado de plantas e animais, é,
segundo Therezita, essencial para o desenvolvimento da noção
corporal da criança. “Criança tem que ser criança
e esse período é importante para que ela desfrute
e viva a infância. Se a criança brincar com água,
com areia, com terra, se ela desenvolver a motricidade fina, ela
não vai precisar ficar escrevendo numa folha, sentada. Ela
vai pegar no lápis com a maior facilidade quando tiver 5,
6 anos, quando o corpo estiver maduro”, defende Dulcilia.
A ausência de horários rígidos ou atividades
pré-programadas não deve ser confundida com a ausência
de regras. Há sempre adultos de diferentes profissões
que se alternam para moderar as crianças quando necessário.
Não numa atitude controladora, mas apenas apontando os limites
para que ninguém se machuque e, mais importante, para que
haja respeito entre todos. Segundo Therezita, assim se formam cidadãos,
não no seu sentido político, mas como alguém
que respeita os outros e a si mesmo.
Por isso, mesmo antes de a inclusão social se tornar um
termo tão em voga, a Te-Arte já aceitava crianças
com problemas físicos ou mentais. Segundo Dulcilia, essa
atitude foi fruto da educação de Therezita, que sempre
conviveu com crianças e adultos portadores de deficiência. “Fui
uma das pessoas que sempre trabalharam com a inclusão. Agora
está em alta, mas há 20 anos nem se falava nisso”,
diz Therezita.
O educar através do brincar é uma pedagogia que Therezita
defende há mais de 30 anos na Te-Arte, que ainda continua
pioneira nessa metodologia. “A diferença é a
seguinte: a criança que segue essa metodologia é autônoma,
questionadora e não fica sentada esperando que os outros
façam por ela. Ela faz e age”, resume.
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