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De volta ao quintal mágico – A educação infantil na Te-Arte, de Dulcilia Schroeder Buitoni, Editora Ágora, 280 páginas. O lançamento será nesta quarta-feira, dia 4, às 18h30, na Livraria da Vila (rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, em São Paulo). Às 19h30 haverá palestra da educadora Therezita Pagani, criadora da escola Te-Arte.

 

 


Quem passa em frente ao portão de madeira mal reconhece que ali é uma escola infantil. Nada de salas de aula, lousa, giz. No lugar, muitas plantas, chão de terra batida, areia, água, árvores frutíferas e pequenos animais com os quais as crianças brincam livremente. Assim é a Te-Arte, escola criada e dirigida pela educadora capixaba Thereza Soares Pagani, descrita no livro De volta ao quintal mágico, da jornalista e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Dulcilia Shroeder Buitoni, que será lançado nesta quarta-feira, dia 4, às 18h30, na Livraria da Vila, em São Paulo. O lançamento incluirá palestra de Thereza.


Therezita e Dulcilia: pioneirismo

Therezita, como é mais conhecida, fundou a Te-Arte – hoje localizada no bairro do Butantã, em São Paulo – em 1975. Com formação em música e um enorme gosto por várias formas de arte, ela sempre defendeu a importância crucial da primeira infância – do zero aos sete anos. Com a inauguração da Escola Te-Arte, trouxe para São Paulo seus ideais de educação infantil. “Aqui na metrópole, percebi essa necessidade que o ser humano tem de saber brincar. Notei a importância de a criança se bastar, porque ela se bastando na brincadeira, se conhecendo melhor, ela tem interesse pela parte intelectual”, explica a educadora.

No livro, Dulcilia explica com detalhes a pedagogia pioneira desenvolvida na Te-Arte, através de depoimentos de pais e professores que conviveram e foram educados pelos métodos de Therezita. Com um testemunho entremeado por especialistas em educação infantil e, em alguns pontos, assumidamente influenciado por sua própria vivência nesse ambiente, a autora apresenta o dia-a-dia das crianças, rodeadas de música, arte e cultura popular. Um convite aos leitores que queiram conhecer um método diferente de educação infantil.

O prefácio do livro é assinado pelo português José Pacheco, professor da Escola da Ponte, em Vila das Aves, Portugal, na qual desenvolve um projeto semelhante ao da Te-Arte e que é referência mundial em educação básica. Pacheco se mostra surpreso com a existência, no Brasil, de um exemplo de educação infantil que enaltece a criatividade e a sensibilidade. “Enquanto muitas escolas se convertem ao digital e se vão transformando na vanguarda tecnológica do atraso pedagógico, a Te-Arte permanece pioneira e determinada no recurso à simplicidade. Ali tudo tem a medida da infância. Por isso, a presença do adulto que educa faz sentido. Na Te-Arte, tudo faz sentido. E apetece voltar a ser criança”, escreve Pacheco.

O retorno à Te-Arte – Dulcilia conheceu a Te-Arte por indicação de uma amiga, quando procurava um lugar para matricular sua filha de 2 anos. Quando chegou à escola, deparou-se com o espaço perfeito para sua filha brincar e explorar o mundo.

Matriculou seus outros dois filhos na escola e transformou o convívio direto com a Te-Arte na parte prática de sua tese de livre-docência, sobre livro-reportagem. Essa parte da tese acabou publicada, em 1988, pela Editora Brasiliense, com o título Quintal mágico: educação-arte na pré-escola. “Eu via que era uma experiência única, que utilizava uma série de práticas pedagógicas bastante diferentes. Havia algumas escolas assim, mas essa era a mais ousada. Eu tinha que retratar essa experiência”, lembra Dulcilia.

Para esta nova edição do livro, Dulcilia retornou à escola, atualizou os dados e elaborou novos capítulos. “Eu decidi fazer, no início, algumas ponderações sobre o que penso. Este trabalho não é só para divulgar o trabalho de Therezita, mas também uma homenagem a essa pessoa sensacional”, afirma. Segundo ela, a Te-Arte poderia influenciar outras escolas em todo o País a seguir o mesmo método.

Entre os novos depoimentos, estão o de muitos pais que foram ex-alunos da Te-Arte e que agora acompanham seus filhos brincando pelo quintal de terra batida. O método pedagógico de Therezita parece encantar as crianças, que não só lembram afetivamente dos anos ali passados como acreditam no método ali desenvolvido. “Acho que ficou introjetado neles que a infância é um período importantíssimo de molde, de formação de personalidade e que não se pode perder esse período já entrando num ensino quase profissionalizante. É preciso que esse espaço de brincadeira exista para desenvolver a mente, a afetividade, a autonomia”, teoriza Dulcilia.

O ensino do brincar – A Te-Arte foi sempre um espaço para o livre desenvolvimento da criança, para ela viver seu corpo através da experimentação concreta de todos os sentidos – um método nomeado por Therezita como “corpo vivido”. Assim, o quintal, o jardim e o pomar se tornam as salas de aula e a escola se torna o lugar aonde a criança vai para brincar.

Mas não um brincar aleatório, ressalta a educadora. A função da Te-Arte é proporcionar todos os elementos e estímulos a essa brincadeira, sempre respeitando o ritmo e necessidades de cada criança, sem horários rígidos ou atividades programadas. “Elas vêm aqui para viver. Para se conhecer e conhecer aquela possibilidade que elas têm de se alfabetizar pelo tato, pelo cheiro, pelo ouvido, pela visão e pelos sentidos. E, depois, com o crescimento desse processo, elas querem o aprendizado formal”, explica Therezita.

Segundo ela, brincar é condição essencial para que a criança possa absorver e criar conhecimento e cultura, além de facilitar a inserção da criança no mundo escolar. “A criança sai pronta para qualquer lugar do mundo”, simplifica.

As 67 crianças matriculadas na Te-Arte, de 8 meses aos 7 anos, brincam como querem, quase sempre ao ar livre, cercadas de muita música e arte, e todas juntas, sem separação por idade ou classes. A casa serve apenas como um abrigo para onde as atividades são transferidas quando chove ou o frio é muito intenso.

Esse ambiente natural, cercado de plantas e animais, é, segundo Therezita, essencial para o desenvolvimento da noção corporal da criança. “Criança tem que ser criança e esse período é importante para que ela desfrute e viva a infância. Se a criança brincar com água, com areia, com terra, se ela desenvolver a motricidade fina, ela não vai precisar ficar escrevendo numa folha, sentada. Ela vai pegar no lápis com a maior facilidade quando tiver 5, 6 anos, quando o corpo estiver maduro”, defende Dulcilia.

A ausência de horários rígidos ou atividades pré-programadas não deve ser confundida com a ausência de regras. Há sempre adultos de diferentes profissões que se alternam para moderar as crianças quando necessário. Não numa atitude controladora, mas apenas apontando os limites para que ninguém se machuque e, mais importante, para que haja respeito entre todos. Segundo Therezita, assim se formam cidadãos, não no seu sentido político, mas como alguém que respeita os outros e a si mesmo.

Por isso, mesmo antes de a inclusão social se tornar um termo tão em voga, a Te-Arte já aceitava crianças com problemas físicos ou mentais. Segundo Dulcilia, essa atitude foi fruto da educação de Therezita, que sempre conviveu com crianças e adultos portadores de deficiência. “Fui uma das pessoas que sempre trabalharam com a inclusão. Agora está em alta, mas há 20 anos nem se falava nisso”, diz Therezita.

O educar através do brincar é uma pedagogia que Therezita defende há mais de 30 anos na Te-Arte, que ainda continua pioneira nessa metodologia. “A diferença é a seguinte: a criança que segue essa metodologia é autônoma, questionadora e não fica sentada esperando que os outros façam por ela. Ela faz e age”, resume.


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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