Os tanques da microcervejaria da EEL: pesquisa premiada
Seja inverno ou verão, a bebida
mais consumida no Brasil, depois do café, independente da
estação do ano, é a cerveja. Popularmente
apelidada de “loira gelada”, essa bebida, sozinha ou
acompanhada, é uma das mais populares do mundo. Mas, ao
contrário do vinho, quanto mais nova é a cerveja,
mais saborosa. Por esse motivo, no mundo todo é cada vez
maior o número de cervejarias que vêm demonstrando
interesse no desenvolvimento de processos que permitam diminuir
o tempo das etapas de fabricação desse precioso líquido
dourado.
Foi pensando em inovar a produção do mercado cervejeiro
que pesquisadores da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP
desenvolveram um projeto que permite acelerar o processo de produção
da cerveja, preservando a qualidade e o sabor da “paixão
nacional” sem alterar sua matéria-prima: água,
lúpulo, malte, complementos de malte (adjuntos) e levedura.
O trabalho “Utilização de mostos concentrados
na produção de cervejas pelo processo contínuo:
novas tendências para o aumento da produtividade”,
de autoria dos doutorandos Giuliano Marcelo Dragone Melnikov e
Solange Inês Mussato – sob orientação
do professor João Batista de Almeida e Silva –, obteve
o primeiro lugar no Prêmio de Incentivo à Pesquisa
Renato João Sossela de Freitas. O prêmio foi oferecido
no 20o Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos,
realizado em Curitiba (PR) entre 8 e 11 de outubro, na categoria
Microbiologia, Micotoxicologia e Biotecnologia. Um dos eventos
mais importantes na área de ciência e tecnologia de
alimentos do País, o congresso promoveu a integração
de pesquisadores, profissionais, estudantes e empresas que atuam
no ramo da ciência e tecnologia de alimentos no Brasil e
no exterior. O tema central do encontro foi “Alimentos e
Agroindústrias Brasileiras no Contexto Internacional”. Vantagens – O professor Almeida e Silva revela que a metodologia
de produção de cervejas desenvolvida na EEL através
do processo contínuo chama a atenção de cientistas
e pesquisadores de indústrias cervejeiras por apresentar
várias vantagens em relação ao processo de
elaboração descontínuo tradicional. Entre
elas estão a redução do tamanho dos equipamentos
e da planta, menores custos de mão-de-obra, limpeza e manutenção
e, principalmente, uma significativa redução nos
tempos da fermentação e/ou da maturação.
Melnikov, um dos autores do projeto, explica que, no processo
tradicional de elaboração de cervejas, a fermentação
principal (ou primária) e a maturação são
as etapas mais lentas, levando em média de cinco a sete
dias e de uma a duas semanas, respectivamente. “A vantagem
principal desse processo é a diminuição desse
tempo de processamento”, destaca.
O doutorando explica que, no método tradicional, o mosto
cervejeiro leva cerca de uma semana para ser fermentado. Já no
método desenvolvido pelo grupo esse mosto entra no reator
de forma contínua e a fermentação ocorre ininterruptamente
em aproximadamente 24 horas, o que implica o aumento da produtividade
do processo de fabricação.
Isso é possível devido à imobilização
da levedura no bagaço de malte. No processo clássico,
essa levedura está em suspensão livre. Melnikov explica: “O
bagaço de malte fica dentro do reator com as leveduras,
o mosto passa por ele, sem carregar consigo essas leveduras para
a próxima fase da fabricação, que é a
maturação”.
Melnikov aponta, como uma característica interessante do
processo, essa utilização de leveduras imobilizadas
no próprio bagaço de malte. “Algumas vezes
se utilizam suportes artificiais, como esferas de vidro ou cerâmicas,
para executar essa imobilização”, informa.
Ele complementa: “Esse processo de produção
preserva o sabor porque o ingrediente é natural”.
A escolha desse suporte de imobilização foi feita
considerando alguns fatores importantes, dentre eles, sua disponibilidade,
ausência de toxicidade, resistência mecânica,
capacidade de retenção da biomassa e o custo. Almeida
e Silva comenta que o preço do suporte é o fator
que exerce a limitação econômica mais importante
para implantar o processo contínuo em escala industrial. “Uma
possível alternativa que pode ser considerada é a
utilização de suportes de baixo custo baseados em
subprodutos industriais, que é o caso do bagaço de
malte, composto basicamente pela casca do malte de cevada, que é descartado
nas grandes indústrias para transformação
em ração animal.”
Almeida e Silva revela que, além do processo contínuo,
tem sido objeto de pesquisa da EEL o processo conhecido como high-gravity,
que apresenta altas concentrações de açúcar
inicial no começo da fermentação. Esse processo
utiliza açúcares de milho, arroz preto, banana, caldo
de cana e mel como adjuntos na produção da cerveja.
Os projetos são desenvolvidos pelo professor em parceria
com a Universidad de Matanzas Camilo Cienfuegos (UMCC), o Instituto
de Investigaciones para la Industria de Alimentos (IIIA), ambos
de Cuba, e a Universidade do Minho, em Portugal. Alta
densidade – Uma outra característica do projeto
desenvolvido na EEL é trabalhar com cerveja de alta densidade,
o que permite que ela seja diluída com água no final
do processo de fabricação. Normalmente, a cerveja
encontrada no mercado é produzida através do processo
de densidade menor. Nessa proposta, a quantidade de malte ou adjunto é maior.
Na pesquisa da EEL, foram fermentados mostos com concentrações
de extrato superiores às utilizadas normalmente. A utilização
de mosto concentrado aumenta a produção da cerveja
sem necessidade de expandir a capacidade dos equipamentos para
a elaboração do mosto, fermentação
e armazenamento do produto.
Os resultados obtidos pelos pesquisadores mostraram que, pelo
processo contínuo, quanto maior a concentração de extrato
do mosto, maior a produtividade volumétrica de etanol (velocidade
com que é produzido o álcool) da fermentação
de cerveja. Na produção da cerveja convencional,
o valor obtido de etanol é de cerca 345% maior que o valor
obtido pelos métodos tradicionais.
Almeida e Silva afirma que essa forma de inovação
na produção também está sendo cada
vez mais visada pelas indústrias cervejeiras, pois aumenta
a capacidade de produção otimizando o uso das instalações
e reduzindo custos com energia, mão-de-obra, limpeza e efluentes.
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