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Fotos: Francisco Emolo
O detector de Ondas Gravitacionais Mario Schenberg do Instituto
de Física da USP, o primeiro da América Latina: com ele, cientistas
brasileiros entram na era da astronomia gravitacional

Quando Albert Einstein publicou, em 1916, sua Teoria Geral da Relatividade, a comunidade científica viu-se diante de um novo desafio. A teoria previu e comprovou matematicamente a existência das partículas grávitons, espécie de energia derivada de deformações do espaço-tempo e propagada em forma de ondas gravitacionais com a velocidade da luz. A essas ondas gravitacionais se atribui a existência da gravidade. Sua análise trouxe aos astrônomos e físicos um novo espectro de análise do Universo e abriu uma nova linha de estudo na cosmologia e na física: a astronomia gravitacional.

Nos últimos 90 anos, cientistas de todo o mundo se dedicaram à comprovação empírica da onda gravitacional. O Brasil acaba de entrar nessa busca com o funcionamento do Detector de Ondas Gravitacionais Mário Schenberg do Instituto de Física da USP. “O Brasil agora faz parte dessa corrida e, mesmo que não seja o primeiro a captar a onda gravitacional, tem grande chance de ser o primeiro a detectar a forma dessas ondas no espaço e a direção de onde vêm”, explica o pesquisador Odylio Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos coordenadores do projeto.

O primeiro experimento de gravitação brasileiro foi realizado entre 8 e 13 de setembro deste ano. Essa primeira “corrida” de 120 horas inaugurou o detector, que ainda está na sua fase de ajustes e melhorias para que o aparelho se torne competitivo em relação aos demais detectores do mundo. “Isso aqui é um desenvolvimento. Estamos aperfeiçoando os sensores para a fase científica, em que coletamos os dados e que deve começar no início do ano que vem. Até lá, já teremos uma sensibilidade competitiva em relação aos outros detectores”, planeja Aguiar.

Em todo o mundo existem apenas 14 detectores de ondas gravitacionais, construídos em nove países. O Detector Mario Schenberg é o primeiro aparelho de toda a América Latina e começou a ser construído em 2000, como fruto do Projeto Gráviton. Esse projeto conta com uma parceria entre pesquisadores do Instituto de Física da USP, do Inpe, da Universidade de Leiden, da Holanda, do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo (Cefetsp), da Universidade Bandeirante (Uniban) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

O nome do detector foi dado em homenagem ao físico brasileiro Mario Schenberg (1914-1990) – ex-professor do Instituto de Física da USP –, um dos pioneiros da física teórica e da astrofísica moderna no País. O aparelho foi construído, na maior parte, com peças nacionais e seu custo foi pago com a verba de US$ 800 mil cedida pela Fapesp.

Fotos: Francisco Emolo
Aguiar e Turano: benefícios para a ciência e a tecnologia brasileiras

Outra janela – O funcionamento do detector não só coloca o Brasil na busca pela comprovação empírica, como permite que cientistas brasileiros ingressem na era da astronomia gravitacional e participem diretamente da descoberta dos fenômenos e eventos do Universo que não emitem radiação eletromagnética, único espectro conhecido pelo homem para o estudo do cosmo, como explica Aguiar. “A física está em uma encruzilhada. De toda a energia do Universo, só compreendemos 5%. Nós precisamos abrir uma outra janela, um outro espectro que nos permita observar fenômenos do Universo que não conhecemos por não termos como observar, e esse novo espectro são as ondas gravitacionais.”

O sucesso na detecção das ondas gravitacionais também abre portas para a construção de outros aparelhos no País. “Se conseguirmos detectar e determinar tudo que planejamos, certamente outras instituições terão interesse em construir detectores e poderemos formar uma rede, que amplificará os resultados obtidos”, pondera Aguiar.



À procura de ondas gravitacionais

Fotos: Francisco Emolo

O Detector Mario Schenberg se destaca dos demais por ser esférico, ou seja, as ondas gravitacionais são detectadas pela “antena” do aparelho – uma grande esfera metálica de mais de uma tonelada, composta de cobre com 6% de alumínio. “Os detectores esféricos são os únicos que dizem a forma das ondas. Eles podem competir com os interferômetros laser, aparelhos usados em outros países e que conseguem avaliar uma banda mais larga de propagação de onda, de 50 a 2.000 hertz”, explica o pesquisador Odylio Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

No detector esférico, a onda gravitacional passa pela antena, fazendo com que ela oscile. Esse movimento é captado pelos sensores colocados em sua superfície. Na fase atual, o aparelho conta com três sensores. Na próxima fase, eles serão substituídos por seis sensores novos, com maior sensibilidade, que serão o grande diferencial brasileiro em relação aos outros detectores. “No início do ano que vem, quando estivermos com os seis sensores instalados, estaremos mais aparelhados que os demais, que têm apenas um sensor”, analisa Aguiar. Esse diferencial será fundamental também para a detecção da forma e direção de origem da onda gravitacional.

Depois de captado o movimento, os transdutores eletromecânicos transformam esse sinal mecânico em um sinal elétrico, que é enviado para o computador e pode ser analisado em tempo real ou gravado para análise posterior.

Apesar do funcionamento relativamente simples do aparelho, as ondas gravitacionais não são fáceis de detectar. Embora viajem com a velocidade da luz, são muito fracas e causam vibrações quase imperceptíveis na antena. “Um ‘tsunami’ gravitacional causaria uma vibração de 1 milésimo do diâmetro de um próton (uma das três partes em que se divide um átomo), por isso precisamos de sensores tão sensíveis. Para medir ondas gravitacionais normais da Terra, precisaríamos de uma sensibilidade para captar algo menor que o diâmetro do próton, dividido 1 milhão de vezes”, dimensiona Aguiar.

As ondas gravitacionais que serão captadas pelo aparelho vêm diretamente do Universo, fruto de fenômenos de proporções energéticas muito grandes, como o choque entre duas estrelas. “É mais fácil captar as ondas gravitacionais resultantes de um choque de estrelas a milhões de quilômetros daqui do que uma bomba de hidrogênio produzida aqui perto, num laboratório”, completa Aguiar.

Tratando-se de algo de tão pequena dimensão, o detector deve isolar a antena de qualquer outro tipo de onda ou vibração. “Como é algo muito pequeno, a esfera tem que estar o mais isolado possível das interferências do mundo”, explica Sérgio Turano, aluno de doutorado do Instituto de Física da USP, que participa do projeto.

Assim, a esfera é isolada de três maneiras. Primeiramente, ela é suspensa para que não entre em contato com as paredes do aparelho e não sofra a vibração natural da Terra. Segundo, evita-se a vibração do som transformando o ambiente em um vácuo, que não propaga ondas sonoras. Finalmente, a “garrafa térmica”, nome dado pelos cientistas à grande estrutura que envolve a antena, resfria o metal até o zero absoluto, menos 273 graus Celsius. Desse modo, a esfera não é afetada pelo ruído térmico, ou seja, a movimentação dos átomos do próprio metal. Esse resfriamento demora cerca de cinco dias e é feito através da circulação de gás hélio. “Toda vez que fazemos uma corrida, devemos resfriar a esfera novamente”, explica Turano.

Apesar de já estar em funcionamento, ainda não há
previsão de quando os primeiros resultados efetivos aparecerão. O que se sabe é que as descobertas feitas pelo detector colocarão o Brasil em um novo patamar científico e, por estar dentro da USP, beneficiarão diretamente professores e alunos da Universidade. “Tem um valor científico muito grande para o Instituto de Física. Com certeza ele trará novos conhecimentos para professores e alunos da unidade, além de proporcionar um grande intercâmbio de idéias com parceiros do projeto”, avalia Turano.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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