O detector de Ondas Gravitacionais Mario Schenberg do Instituto
de Física da USP, o primeiro da América Latina: com
ele, cientistas
brasileiros entram na era da astronomia gravitacional
Quando Albert Einstein
publicou, em 1916, sua Teoria Geral da Relatividade, a comunidade
científica viu-se diante de um novo desafio. A teoria previu
e comprovou matematicamente a existência das partículas
grávitons, espécie de energia derivada de deformações
do espaço-tempo e propagada em forma de ondas gravitacionais
com a velocidade da luz. A essas ondas gravitacionais se atribui
a existência da gravidade. Sua análise trouxe aos
astrônomos e físicos um novo espectro de análise
do Universo e abriu uma nova linha de estudo na cosmologia e na
física: a astronomia gravitacional.
Nos últimos 90 anos, cientistas de todo o mundo se dedicaram à comprovação
empírica da onda gravitacional. O Brasil acaba de entrar
nessa busca com o funcionamento do Detector de Ondas Gravitacionais
Mário Schenberg do Instituto de Física da USP. “O
Brasil agora faz parte dessa corrida e, mesmo que não seja
o primeiro a captar a onda gravitacional, tem grande chance de
ser o primeiro a detectar a forma dessas ondas no espaço
e a direção de onde vêm”, explica o pesquisador
Odylio Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
um dos coordenadores do projeto. O primeiro experimento de gravitação brasileiro foi
realizado entre 8 e 13 de setembro deste ano. Essa primeira “corrida” de
120 horas inaugurou o detector, que ainda está na sua fase
de ajustes e melhorias para que o aparelho se torne competitivo
em relação aos demais detectores do mundo. “Isso
aqui é um desenvolvimento. Estamos aperfeiçoando
os sensores para a fase científica, em que coletamos os
dados e que deve começar no início do ano que vem.
Até lá, já teremos uma sensibilidade competitiva
em relação aos outros detectores”, planeja
Aguiar.
Em todo o mundo existem apenas 14 detectores de ondas gravitacionais,
construídos em nove países. O Detector Mario Schenberg é o
primeiro aparelho de toda a América Latina e começou
a ser construído em 2000, como fruto do Projeto Gráviton.
Esse projeto conta com uma parceria entre pesquisadores do Instituto
de Física da USP, do Inpe, da Universidade de Leiden, da
Holanda, do Centro Federal de Educação Tecnológica
de São Paulo (Cefetsp), da Universidade Bandeirante (Uniban)
e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
O nome do detector foi dado em homenagem ao físico brasileiro
Mario Schenberg (1914-1990) – ex-professor do Instituto de
Física da USP –, um dos pioneiros da física
teórica e da astrofísica moderna no País.
O aparelho foi construído, na maior parte, com peças
nacionais e seu custo foi pago com a verba de US$ 800 mil cedida
pela Fapesp.
Aguiar e Turano: benefícios para a ciência e a tecnologia
brasileiras Outra janela – O funcionamento do detector não só coloca
o Brasil na busca pela comprovação empírica,
como permite que cientistas brasileiros ingressem na era da astronomia
gravitacional e participem diretamente da descoberta dos fenômenos
e eventos do Universo que não emitem radiação
eletromagnética, único espectro conhecido pelo homem
para o estudo do cosmo, como explica Aguiar. “A física
está em uma encruzilhada. De toda a energia do Universo,
só compreendemos 5%. Nós precisamos abrir uma outra
janela, um outro espectro que nos permita observar fenômenos
do Universo que não conhecemos por não termos como
observar, e esse novo espectro são as ondas gravitacionais.”
O sucesso na detecção das ondas gravitacionais também
abre portas para a construção de outros aparelhos
no País. “Se conseguirmos detectar e determinar tudo
que planejamos, certamente outras instituições terão
interesse em construir detectores e poderemos formar uma rede,
que amplificará os resultados obtidos”, pondera Aguiar.
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À procura de ondas gravitacionais
O Detector Mario Schenberg se destaca dos demais por ser esférico,
ou seja, as ondas gravitacionais são detectadas pela “antena” do
aparelho – uma grande esfera metálica de mais de uma
tonelada, composta de cobre com 6% de alumínio. “Os
detectores esféricos são os únicos que dizem
a forma das ondas. Eles podem competir com os interferômetros
laser, aparelhos usados em outros países e que conseguem avaliar
uma banda mais larga de propagação de onda, de 50 a
2.000 hertz”, explica o pesquisador Odylio Aguiar, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No detector esférico, a onda gravitacional passa pela antena,
fazendo com que ela oscile. Esse movimento é captado pelos
sensores colocados em sua superfície. Na fase atual, o aparelho
conta com três sensores. Na próxima fase, eles serão
substituídos por seis sensores novos, com maior sensibilidade,
que serão o grande diferencial brasileiro em relação
aos outros detectores. “No início do ano que vem, quando
estivermos com os seis sensores instalados, estaremos mais aparelhados
que os demais, que têm apenas um sensor”, analisa Aguiar.
Esse diferencial será fundamental também para a detecção
da forma e direção de origem da onda gravitacional.
Depois de captado o movimento, os transdutores eletromecânicos
transformam esse sinal mecânico em um sinal elétrico,
que é enviado para o computador e pode ser analisado em tempo
real ou gravado para análise posterior.
Apesar do funcionamento relativamente simples do aparelho, as ondas
gravitacionais não são fáceis de detectar. Embora
viajem com a velocidade da luz, são muito fracas e causam
vibrações quase imperceptíveis na antena. “Um ‘tsunami’ gravitacional
causaria uma vibração de 1 milésimo do diâmetro
de um próton (uma das três partes em que se divide um átomo),
por isso precisamos de sensores tão sensíveis. Para
medir ondas gravitacionais normais da Terra, precisaríamos
de uma sensibilidade para captar algo menor que o diâmetro
do próton, dividido 1 milhão de vezes”, dimensiona
Aguiar.
As ondas gravitacionais que serão captadas pelo aparelho vêm
diretamente do Universo, fruto de fenômenos de proporções
energéticas muito grandes, como o choque entre duas estrelas. “É mais
fácil captar as ondas gravitacionais resultantes de um choque
de estrelas a milhões de quilômetros daqui do que uma
bomba de hidrogênio produzida aqui perto, num laboratório”,
completa Aguiar.
Tratando-se de algo de tão pequena dimensão, o detector
deve isolar a antena de qualquer outro tipo de onda ou vibração. “Como é algo
muito pequeno, a esfera tem que estar o mais isolado possível
das interferências do mundo”, explica Sérgio Turano,
aluno de doutorado do Instituto de Física da USP, que participa
do projeto.
Assim, a esfera é isolada de três maneiras. Primeiramente,
ela é suspensa para que não entre em contato com as
paredes do aparelho e não sofra a vibração natural
da Terra. Segundo, evita-se a vibração do som transformando
o ambiente em um vácuo, que não propaga ondas sonoras.
Finalmente, a “garrafa térmica”, nome dado pelos
cientistas à grande estrutura que envolve a antena, resfria
o metal até o zero absoluto, menos 273 graus Celsius. Desse
modo, a esfera não é afetada pelo ruído térmico,
ou seja, a movimentação dos átomos do próprio
metal. Esse resfriamento demora cerca de cinco dias e é feito
através da circulação de gás hélio. “Toda
vez que fazemos uma corrida, devemos resfriar a esfera novamente”,
explica Turano.
Apesar de já estar em funcionamento, ainda não há
previsão de quando os primeiros resultados efetivos aparecerão.
O que se sabe é que as descobertas feitas pelo detector colocarão
o Brasil em um novo patamar científico e, por estar dentro
da USP, beneficiarão diretamente professores e alunos da Universidade. “Tem
um valor científico muito grande para o Instituto de Física.
Com certeza ele trará novos conhecimentos para professores
e alunos da unidade, além de proporcionar um grande intercâmbio
de idéias com parceiros do projeto”, avalia Turano. |