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Hitler, de Joachim Fest, tradução de Analúcia Teixeira Ribeiro, Editora Nova Fronteira, 2 volumes, 935 páginas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Em novembro de 1923, há exatos 83 anos, aconteceu o lendário Putsch de Munique, quando pela primeira vez Hitler tentou tomar o poder na Alemanha. A república de Weimar assistiu pasma ao golpe do recém-fundado Partido Nacional-Socialista, que só naquele ano teve 35 mil novas adesões. Hitler contou com o apoio de 15 mil homens da S. A., a tropa de assalto do partido nazi. Resultado: golpe frustrado e os líderes presos – mas o prestígio de Hitler e de seu partido só fez aumentar.

Esse e outros episódios estão descritos na colossal biografia de Adolf Hitler escrita por Joachim Fest, publicada primeiramente na Alemanha, em 1973, e cuja segunda edição em português, revisada e ilustrada, foi lançada neste ano no Brasil pela Editora Nova Fronteira, em dois grandes volumes que somam 935 páginas. Joachim Fest, que morreu em setembro deste ano, foi um jornalista de grande nome na Alemanha e professor honorário da Universidade de Heidelberg. Ele mesmo chegou a lutar na 2a Guerra Mundial e acabou como prisioneiro da França. Além de Hitler, Fest escreveu No bunker de Hitler, livro que inspirou o filme A queda – As últimas horas de Hitler, dirigido por Oliver Hirschbiegel.

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Considerada uma das mais completas biografias sobre o estadista alemão que permaneceu no poder entre 1933 e 1945, Hitler é caracterizada pela riqueza de detalhes pessoais e “históricos”, que dão a sensação ao leitor de estar vendo os acontecimentos in loco. Sobre o Putsch de 1923, escreveu Fest: “Trajado com uma longa casaca negra, a cruz-de-ferro pregada ao peito, Hitler tomou lugar na Mercedes vermelha comprada havia pouco. (...) Com aquele gosto peculiar por cenas exageradas e teatrais, brandiu um copo de cerveja e, enquanto uma pesada metralhadora era posta em bateria ao seu lado, engoliu dramaticamente um último gole, arremessando em seguida com estrondo o copo aos pés”.

O Putsch da cervejaria poderia ser considerado, então, um momento essencial na vida do futuro Führer do governo alemão: quando ele entraria definitivamente no caminho político. Hitler passaria, nesse momento, a controlar seus instintos artísticos e se transformaria em um “tecnocrata do poder”. Foi um grande passo para sua chegada ao poder como chanceler do Reich, em 1933.

E se ele tivesse chegado ao Brasil?– Frustrado o golpe, rotulado por muitos como “carnaval político”, “putsch de escada de serviço” e “farsa de faroeste”, Hitler, mesmo preso, continuou sua escalada megalomaníaca ao poder. Na prisão em Landsberg, aproveitou para continuar se articulando politicamente: compartilhava a cela com seus comparsas de partido, que chegavam, inclusive, a cuidar da limpeza de seus aposentos. Sentado em uma bandeira da suástica, costumava presidir o horário das refeições.

Dentro da prisão, sua fama aumentou na Alemanha. O futuro Führer recebeu muitas cartas e flores de seus fãs e aproveitou os anos de reclusão para escrever o livro Minha luta, considerado uma bíblia do nacional-socialismo, permeada por ataques aos judeus e caracterizada por um estilo duvidoso, que se pretendia erudito, mas confundia figuras de linguagem e teorias. Os 25 pontos do programa do partido tinham sido promulgados em 1920, mas é com Minha luta que Hitler desenvolveu sua teoria racista que teria como ápice o extermínio em massa dos judeus em plena 2a Guerra. A idéia inicial era escrever uma biografia dos seus então 30 anos de vida, da pobreza de sua infância e das suas tentativas no universo artístico.

Os 10 milhões de exemplares publicados não fizeram o sucesso esperado. Segundo Fest, faltava a presença de Hitler como orador que fazia a diferença para suas idéias cheias de fracas obsessões e fantasias. Até mesmo a teoria nacional-socialista não é convincente: carente de qualquer idéia original, mostrou-se um “caldo de tendências”. Rauschning, autor da obra Conversa com Hitler, afirmou que tudo nela já havia sido dito, falado, escrito: nacionalismo, anticapitalismo, culto à tradição, concepções de política exterior, racismo e anti-semitismo. Nada era novidade. Mas a falta do novo não afetou o sucesso estrondoso da teoria entre as massas.

A abordagem do nazismo de Joachim Fest prima por dois pontos essenciais. O principal deles é a construção de um mito. Hitler não é descrito como uma pessoa normal, mas sim como um líder carismático capaz de acionar multidões que estavam amorfas antes de seu chamado. Para Fest, não seria possível o nacional-socialismo sem essa figura emblemática. Para provar sua teoria, ele enche o leitor de detalhes pessoais da vida de Hitler, desde criança dotado de pensamentos de conquista do mundo. Interessante é a fileira de adjetivos utilizados pelo autor para descrever as faces dessa múltipla e esquizofrênica personalidade, ora caracterizada como “impessoa”, ora como uma figura extremamente sedutora, capaz de exterminar qualquer resistência diante dele. Com um quê de exagero, Fest chega a afirmar que Hitler seria um guardião de todas as angústias de seu tempo. Vai mais longe, dizendo que, além de ser o denominador comum, “imprimiu aos acontecimentos seu rumo, sua extensão e seu dinamismo”.

Da mesma maneira, pontua sua biografia, organizada de maneira cronológica, por títulos significativos dessa mesma abordagem de “louco e gênio” de Hitler. A infância e a participação na 1a Guerra são classificadas no tópico “vida sem objetivo”; a fundação do partido e o Putsch de Munique se encontram no tópico “O caminho da política”. Em seguida são pontuados “os anos de espera”, “o tempo de luta” e finalmente “a tomada do poder”, seguida da “Guerra errada” e terminando com “A queda”, com o fim do regime hitlerista. Nesse momento, Fest não poupa suas tintas para mostrar um Hitler manco, que se arrastava com seu cachorro, isolado dentro de seu bunker. Sua desgraça pessoal atingiu também os seus amores: a sua companheira Eva Braun teria tentado suicídio logo aos 23 anos.

Moderno – O segundo ponto essencial do Hitler de Fest é desmontar as outras tantas teses que afirmam que o nacional-socialismo foi produto de condições históricas específicas, pontuadas principalmente pela Alemanha derrotada na 1ª Guerra Mundial, vítima de um cruel Tratado de Versalhes – assinado pelas nações vitoriosas –, que provocou a perda de valiosos territórios alemães, ocasionando então uma crise no governo que se formava no pós-guerra, a República de Weimar. Fest, em lugar disso, tenta refletir sobre todos os acontecimentos da Europa nessa época pela ótica pessoal da história de Hitler. O resultado é um exercício, no mínimo, interessante. Mostra um outro viés do nacional-socialismo, que traz algo diferente da historiografia em vigência, que prima por considerar as forças históricas evidentes no período como determinantes do processo.

Além disso, a pesquisa de pano de fundo é monumental. Como se para todos os acontecimentos dessas décadas (principalmente de 1930 e 1940) houvesse um comentário especial ou frases de Hitler. Para provar a importância especial de Hitler na história, Fest argumenta que o nazismo morreu no momento em que Hitler se envenenou, em 1945, pouco antes da capitulação da Alemanha. “Com a morte de Hitler e a capitulação”, afirma, “o nacional-socialismo desapareceu de cena quase sem transição, de um momento para o outro, como se fosse apenas o movimento, a embriaguez e a catástrofe provocados por Hitler.” Mesmo no Tribunal de Nuremberg, montado pelos aliados entre 1945 e 1949 para julgar os criminosos de guerra, os acusados se mostravam ideologicamente alienados, de maneira que se levasse a crer que o único culpado por toda a catástrofe da guerra e do assassinato em massa fosse mesmo o ditador alemão.

Mesmo assim, Fest não deixou de mostrar que Hitler foi extremamente moderno para seu tempo, trazendo novas realizações técnicas, como a propaganda em massa, cujos vestígios se encontram em diversos políticos populistas da atualidade. Fazendo “política para os apolíticos”, para a imensa massa mobilizada pelos festejos coletivos que mais pareciam shows, Hitler construiu o seu poder na esfera da sedução, criando duas faces para o mesmo nazismo: uma marcada pela prisão em massa e posterior extermínio dos excluídos, e outra, dentro dessa aura de magia, dos grandes comícios voltados para os eleitos, dos quais se tornaram mais famosas as festas do Dia do Partido, realizadas em Nuremberg.

O personagem de Hitler retratado por Fest não deixa de ser marcante, mesmo que para o lado do mal, visto como a encarnação do que de pior pôde acontecer para a humanidade. O autor provoca o leitor quando – através de uma bela metáfora – afirma que Hitler nada mais foi do que um espelho de sua época, uma época cruel, sem esperanças e permeada de angústias. Tempos sombrios, diria Hannah Arendt.

Ana Maria Dietrich, historiadora e jornalista, faz doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP sobre o tema “Nazismo tropical? O Partido Nazista no Brasil”. É co-autora de Alemanha (Imesp, 1997).

 


E se ele tivesse chegado ao Brasil?

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Mesmo que nas décadas de 1930 e 1940 alguns estudos levantassem a hipótese da invasão político-militar da Alemanha no Brasil, com vistas à anexação do Sul do Brasil – onde se encontrava estabelecida grande parte da comunidade alemã e seus descendentes –, não foram encontrados, até hoje, planos concretos para tal investida. A ausência desses planos não significa que o Brasil tenha saído ileso do nazismo. Calcula-se que 80% da comunidade alemã estabelecida no Brasil na década de 1930 e 1940 eram simpatizantes do movimento nazista. Mas o mais assustador é saber que neste país tropical – tão distante geograficamente do palco dos conflitos europeus – foi organizado, estruturado e desenvolvido o maior grupo do Partido Nazista do mundo fora da Alemanha, com 2.900 membros.

Em um discurso de 1933, ano em que chegou ao poder como chanceler do Reich, Hitler afirmou: “Precisamos de dois movimentos no exterior: um leal e um revolucionário (...). Não faremos como Guilherme, o Conquistador, desembarcar tropas e conquistar o Brasil com armas na mão. As armas que temos não se vêem” (citado por Rauschning).

O Führer se referia provavelmente às armas ideológicas: a difusão das idéias nazistas no Brasil durante as décadas de 1930 e 1940, que não encontrou grandes resistências do governo varguista. Porém, essas armas não eram tão invisíveis como pressupunha seu discurso: jornais nazistas, livros de canções, filmes anti-semitas e programas de rádio foram distribuídos fartamente no Brasil com o objetivo principal de chamar o alemão no exterior para se engajar no ideal nacional-socialista, mesmo que esse imigrante estivesse perdido “em meio à mata tropical do Brasil”.

Muitas frases com o teor da proferida por von Bohle, o chefe do movimento nazista no exterior, eram constantemente repetidas: “Os alemães no exterior que não querem ser nazistas, considerando-se contudo alemães, só têm um nome: traidores da pátria”. O desfile de suásticas acontecia nos lugares mais inusitados, como nas comemorações do Dia do Trabalho, nos estádios de futebol de grandes metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro.

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Antes mesmo da chegada ao poder, Hitler já era conhecido dos alemães no Brasil. O órgão oficial do partido, o jornal Deutscher Morgen (Aurora Alemã), em seu primeiro número, editado em março de 1932, traz seu retrato na capa com a mesma pose imponente que ficou conhecida na iconografia: a cruz-de-ferro no peito, a suástica no ombro e o uniforme militar. Logo abaixo de sua foto, pode-se ler um radical discurso do próprio Hitler em favor da “pureza da raça ariana”, missão com a qual “o Criador do Universo o havia imbuído”. Com isso, o jornal fazia um apelo de sacrifício para que todos os alemães espalhados pelo mundo colaborassem com a causa nazista.

Nas décadas de 1930 e 1940, a figura do Führer estampava paredes dos clubes, associações e residências de muitos alemães no Brasil. Tamanha foi a difusão de sua imagem que nem as crianças escaparam. Numa edição do jornal O Globo de janeiro de 1937, pode-se ver um desenho de uma criança de origem alemã do interior de Santa Catarina que retratava um homem com as feições do ditador empunhando uma grande bandeira. O Globo explicou que eram comuns, em exercícios escolares nas escolas alemãs, que os alunos se pusessem a copiar flâmulas, bandeiras nazistas e o próprio retrato do Führer, tendo sempre como legenda o famoso Heil Hitler.

Com as mudanças políticas do final da década de 1930, que levaram, primeiramente, às campanhas de nacionalização e que culminaram na entrada do Brasil na 2a Guerra, ao lado dos Aliados, em 1942, o Brasil tentaria se libertar, mesmo que pro forma, desse tino reacionário. Mas os documentos e testemunhos ainda estão aí para comprovar o envolvimento do Brasil – mesmo que indireto – nos planos desse regime, sejam eles dotados de armas invisíveis, como queria Adolf Hitler, ou nem tanto.


O Adolf de Osamu Tezuka

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Lançado em abril deste ano, o mangá Adolf, do quadrinista japonês Osamu Tezuka (1928-1989), conta a história de dois amigos que se chamavam Adolf e moravam na cidade de Kobe, no Japão. Um deles era de origem judaica e o outro era filho de um diplomata alemão. Com a oposição de toda a família a essa amizade, a trama se desenrola com os conflitos inevitáveis causados pelo sectarismo do nazismo.

A história se passa no ano de 1936, quandoaconteceram as Olimpíadas de Berlim. As pequenas histórias paralelas se cruzam em um único ponto, o desvendamento de uma série de estátuas de Richard Wagner, compositor adorado por Hitler, as quais teriam uma informação que poderia colocar em xeque a autoridade do Führer. A repressão alemã é colocada no jogo para desbaratar esse complô antinazista feito pela comunidade judaica japonesa, e com isso são cometidos alguns assassinatos. O pai de um dos Adolfs faz parte da caça às estátuas. A informação guardada dentro de uma delas é de que Hitler era judeu.

É interessante ver como o 3o Reich é tratado do ponto de vista de quadrinhos populares japoneses. Fica evidente em diversas passagens um nacionalismo japonês “do bem”, que se opõe às crueldades do regime nazista. A mãe de um dos Adolfs, japonesa, faz o papel de conciliadora quando o filho se nega a participar das atividades da Juventude Hitlerista e quer continuar se encontrando com o amigo filho de padeiros e descendente de judeus.

A história leva também ao grande público diversas facetas do regime nazista, como os grandes comícios e a alienação de alguns de seus partidários, como o da personagem Rosa Lamp, da Federação das Moças Alemãs (BDM), que denunciaria às autoridades alemãs seu namorado Isao, um estudante japonês comunista que fazia intercâmbio em Berlim.

Mangá é um estilo especial de quadrinhos, de origem chinesa, porém mais difundido no Japão. Tem como característica a leitura de trás para frente e da direita para a esquerda (como os demais livros japoneses), a cor em preto-e-branco e os olhos grandes dos personagens. Tezuka foi um dos maiores nomes desse estilo, considerado “o deus do mangá”. Também é autor de famosos desenhos animados como A princesa e o cavalheiro de Kimba, Astro Boy e o leão branco. Adolf, publicado em cinco edições, foi o último dos seus trabalhos mais importantes. A edição é cuidadosa ao explicar, em notas, alguns pormenores históricos e trazer uma cronologia cruzada entre a história do Japão e do mundo em 1936.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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