Pesquisadores do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica
da Escola Politécnica da USP desenvolveram o Simulador Digital
de Manobras de Navios em Águas Rasas e Restritas, que pode
aumentar a segurança e efetividade das manobras nos portos
do País. O programa promete diminuir o tempo e os custos
dessas manobras, agilizando a operação dos portos,
que hoje são responsáveis pela maior porcentagem
do escoamento de produtos brasileiros para o exterior.
O software começou a ser desenvolvido em 1989, como trabalho
de mestrado do coordenador do projeto, Jessé Rebello de
Souza Júnior. Na época, o terminal de Alemoa, em
Santos, enfrentava problemas de correntes de maré, que prejudicavam
a atracação dos barcos, atirando-os contra o terminal.
Assim, a Capitania dos Portos proibiu as operações
no terminal em todo o período no qual a maré estivesse
subindo ou descendo. “Eles perdiam muito dinheiro porque
só podiam trabalhar com a maré parada. Então
eles nos contataram e pediram que fizéssemos um estudo da
situação. Foi aí que desenvolvemos este programa,
com as condições de operação de lá”,
explica Souza Júnior.
Nos 17 anos seguintes, com a ajuda do professor Hélio Morishita
e do pesquisador Eduardo Tannuri, Souza Júnior foi aperfeiçoando
o programa e incorporando novas situações estudadas
por outros pesquisadores do departamento. “Aquela primeira
versão era bem preliminar. Nesta versão, utilizamos
um modelo matemático completamente diferente, derivado de
estudos de manobra que foram feitos para navios petroleiros”,
diz o professor.
A nova versão simula manobras em águas restritas
(quando a lateral do navio passa muito próximo de um obstáculo,
como uma parede ou mesmo outro navio) e águas rasas (quando
ele está navegando muito perto do fundo). “Não é um
programa de computador comum, que se compra. Ele é uma ferramenta
de trabalho dentro de uma metodologia empregada por cada empresa
de acordo com os problemas que ela enfrenta. Essas condições
das águas exigem uma mudança no comportamento do
navio, que pode ser simulada pelo programa, de acordo com as restrições
e dificuldades específicas daquela situação”,
explica Souza Júnior.
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Como todo simulador, o software reproduz na
tela do computador o comportamento dinâmico real do navio, atualizado com as
dimensões, forma e peso do casco do navio, tamanho, posição
e velocidade de acionamento do leme e dados dos propulsores e mesmo
dos ventos e das correntezas da região. O programa permite
simular perfeitamente qualquer situação que ocorra
nos portos brasileiros, sem nenhum custo ou risco para as empresas. “Foi
importante adicionar essa análise de águas rasas
e restritas porque, quando passam com uma velocidade razoável
pelo canal de acesso aos terminais, os navios são sugados
uns em direção aos outros. Da mesma forma, se você navega
com um navio próximo ao fundo, a tendência dele é afundar
mais um pouco. Por isso temos que calcular esse efeito e as distâncias
mínimas, para evitar acidentes”, diz Souza Júnior. Com todos os dados do navio e das condições do porto,
o software é capaz de simular os movimentos horizontais
das embarcações, que são realizados durante
as manobras de atracação e desatracação
nos terminais. Esses movimentos são de avanço, para
frente e para trás, de deriva, para os lados e o movimento
de guinada, o giro do navio em torno de um eixo vertical. O Simulador
de Manobras de Navios em Águas Rasas e Restritas será apresentado
no 21o Congresso Nacional de Transportes Marítimos, Construção
Naval e Off-Shore, que ocorre nesta semana no Rio de Janeiro. Aplicações – Graças ao seu realismo,
o simulador pode ser aplicado na resolução de um
grande número de problemas técnicos, como a determinação
de condições ambientais-limite para a operação
de um terminal, desenvolvimento de métodos para aumentar
a eficiência nas manobras ou mesmo para a análise
de risco de colisão em determinadas manobras. “Toda
vez que você tem um problema desse tipo, em que é arriscado
testar com o próprio navio porque há um dano potencial
muito grande, você pode usar o simulador”, resume Souza
Júnior.
Assim como as versões mais antigas, o novo software foi
desenvolvido a pedido de empresas privadas, que vivenciam problemas
na atracação e desatracação de navios
nesse tipo específico de águas. Entre elas está a
Companhia Vale do Rio Doce. Acostumada a trabalhar com grandes
navios graneleiros (que carregam grandes cargas a granel), a Vale
queria entrar no porto de Vitória (ES) com um navio ainda
maior. “O navio é muito grande e por isso iria passar
perto tanto do fundo do mar quanto da lateral do terminal e de
outros navios. Nós incorporamos os efeitos de água
rasa e restrita especialmente para poder responder se esse navio
poderia entrar com segurança ou não”, conta
Souza Júnior.
Além da simulação da atracação
do navio, a Vale precisava determinar a área e o volume
de dragagem do assoreamento do fundo do rio, para que o navio tivesse
espaço suficiente para fazer a manobra de giro. “Isso
custa tempo e dinheiro e por isso a empresa quer saber qual a área
mínima necessária para o navio poder efetuar sua
manobra sem riscos. Não há uma fórmula matemática
simples para isso. É preciso simular a situação
para poder determinar a bacia de evolução (local
onde se faz essa manobra)”, afirma Souza Júnior.
Com o sucesso da simulação nesses casos, a Vale quer
acoplar o simulador criado pela equipe da Poli ao seu modelo de
logística, já utilizado em seus terminais. Esse modelo
simula de forma simplificada todas as operações do
terminal, entre elas a chegada e saída dos navios. “No
modelo da empresa, as manobras dos navios são feitas de
maneira muito simplificada. Para ela, pareceu interessante acoplar
o nosso Simulador de Manobras ao seu modelo, para que tivesse um
maior grau de realismo”, adianta Souza Júnior.
Outra empresa que já utiliza o simulador em suas operações é a
Aracruz. Produtora de celulose, a empresa desejava aumentar a velocidade
e eficiência das manobras de comboios de chatas entre seus
terminais em Caravelas, extremo sul da Bahia, e Portocel, no norte
do Espírito Santo. Devido à dificuldade desse tipo
de manobra, os terminais têm movimentado uma quantidade de
carga menor do que a planejada inicialmente. “A Aracruz tem
também um problema no transporte da mercadoria de um terminal
ao outro. Ela usa barcaças que, por não se comportarem
bem no mar, devem ser operadas a baixa velocidade. É um
estudo que não fizemos ainda, um estudo acoplado de comportamento
no mar, que dependerá do interesse da Aracruz para que o
façamos. Este é o diferencial do simulador: ele sempre
pode ser aperfeiçoado, acrescentando novas situações
que não tínhamos pensado antes”, conclui Souza
Júnior.
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