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Às vésperas de seu 453º aniversário, a cidade vive nova polêmica. Com a vigência, desde 1º de janeiro, da Lei Cidade Limpa, uma cidade diferente começa a se revelar por trás dos imensos e numerosos outdoors e painéis luminosos, mesmo que sob intensos protestos do meio publicitário.

Aprovada pela Câmara Municipal no final de setembro de 2006, a chamada Lei Cidade Limpa determinou que não só as propagandas como também a própria estrutura dos cerca de oito mil outdoors e painéis luminosos espalhados por toda a cidade deveriam ser retirados até o último dia do ano. O prazo não foi obedecido e a prefeitura iniciou uma ação – ainda confusa – de remoção. Boa parte dos outdoors em áreas públicas não pode ser retirada porque liminares obtidas na Justiça proíbem a derrubada.
O Sindicato de Empresas de Publicidade Exterior (Sepex) foi beneficiado por decisão que permite a manutenção dos anúncios de seus filiados até março. Já a Associação Comercial de São Paulo, entidade da qual o prefeito Gilberto Kassab é vice-presidente, obteve a suspensão dos efeitos da lei por tempo indeterminado para as empresas a ela ligadas. O prefeito recorreu e veio a público defender seu projeto contra a poluição visual, com a certeza de que terá ganho nas próximas instâncias judiciais.

Issao Minami, professor de Comunicação Visual e chefe do Laboratório da Imagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, comemora a decisão da prefeitura. Estudioso dos efeitos da poluição visual há anos, ele acredita que somente uma ação radical como a proposta pode acabar com um problema que afeta a cidade há décadas, já que as leis anteriores não se mostraram eficientes. “Essa lei é um instrumento que assegura a estabilidade para criar uma cultura de respeito à paisagem urbana e depois, lentamente, permitir a volta desse tipo de propaganda”, afirma.

Para Minami, a publicidade provocou a “imagem genérica”: propagandas e indicativos que são iguais em qualquer lugar e, por seu tamanho exagerado, escondem as características arquitetônicas da cidade. “A fachada dos prédios era um elemento decorativo que revelava parte do projeto arquitetônico. Hoje o que acontece é um processo de zerar a fachada, como costumo chamar. Você esconde todos os traços arquitetônicos sob um enorme painel, um backlight gigantesco com o nome da loja que é igual em todo e qualquer lugar, ou mesmo um outdoor enorme que impede a visão do prédio”, explica.

Apelidado de “tolerância zero”, o veto completo à propaganda exterior é alvo das críticas do meio publicitário. Para o professor de publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Dorinho Bastos, a retirada total dos outdoors resultará em uma grande perda de recursos para o mercado publicitário. “A mídia exterior tem um papel importante na cidade. Sem os outdoors e painéis, São Paulo vira uma cidade sem sentimento, sem vibração e até falsa, já que é uma das maiores capitais capitalistas do mundo”, opina.

Mesmo assim, Bastos admite que a situação na cidade está um caos. Para ele, o problema reside na ineficiência na aplicação da legislação que regulamenta esse tipo de mídia, permitindo o seu uso irregular. “Seria muito melhor se a prefeitura se preocupasse em punir os irregulares, em vez de proibir todos os outdoors e painéis. Poderíamos deixar essas propagandas em locais adequados, de forma racional”, defende.

Além do veto a esse tipo de propaganda externa, a lei cria um novo parâmetro para os anúncios indicativos como fachadas de lojas e faixas informativas do comércio. Nos imóveis com fachada inferior a 10 metros, a área total do anúncio deve ser de até 1,5 metro quadrado. Já nos estabelecimentos com fachada superior a 10 metros, anúncios indicativos podem ter até 4 metros quadrados e ficar no máximo a 5 metros de altura. Lojas com mais de 100 metros quadrados podem instalar dois anúncios com no máximo 10 metros quadrados cada um.

Quanto aos anúncios informativos, a lei determina que podem ser colocados na frente do estabelecimento, desde que não possuam nenhum logo publicitário. Em caso de desobediência, prevê uma multa de R$ 10 mil por anúncio e R$ 1 mil por metro quadrado excedente.

Bastos critica também o pouco tempo cedido aos comerciantes para a mudança, que deve ser efetuada até 31 de março. “As empresas gastam muito dinheiro com suas fachadas. Ter que mudar tudo exige um custo muito alto com o qual os pequenos comerciantes não podem arcar”.

Para Issao Minami, da FAU, apenas estabelecer novos critérios de fachada não é suficiente. Para que a cidade realmente fique limpa, diz, é necessário uma maior preocupação dos próprios comerciantes e publicitários com o que é adequado não só ao estabelecimento, mas à região em que ele está e aos moradores do entorno. “A lei estabelece um limite máximo para as placas, mas nunca o ideal. Os comerciantes e publicitários vão sempre optar pelo máximo. Tudo isso se resume em uma questão de ética na estética: ética desses profissionais em fazer o que é melhor para a paisagem urbana”, afirma Minami.

Alternativa – A Lei Cidade Limpa proíbe não só a propaganda externa e em laterais de prédios como também a publicidade veiculada em ônibus e táxis. Alternativamente, oferece aos anunciantes espaços em mobiliários urbanos como abrigos de ônibus e relógios públicos. Para Dorinho Bastos, da ECA, a alternativa não é suficiente para compensar o espaço perdido. “O outdoor é fundamental para a propaganda. É um tipo de mídia eficiente e que estava sendo desvalorizada com o grande aumento no número de painéis, mas não pode ser substituído”, defende.

Já Minami não vê nos grandes painéis nenhum benefício em comunicação. Para ele, o uso de diversos outdoors amontoados um ao lado do outro é um desrespeito ao cidadão, massacrado com a repetição das propagandas. “A paisagem urbana é composta do sítio urbano natural, das edificações e da população. Essas propagandas enormes não fazem parte dessa paisagem e por isso causam um desequilíbrio que pode gerar efeitos psicossomáticos no cidadão, como o estresse visual”, explica.
Dessa forma, a propaganda seria um elemento conflitante com os edifícios, escondendo suas fachadas, mascarando toda a beleza arquitetônica da cidade quatrocentenária. “Quando eu vinha para São Paulo nas décadas de 1960 e 70 e pegava a Avenida Santo Amaro, logo se via a estátua do Borba Gato. Hoje você passa por lá e nem percebe mais a estátua, nota primeiro o símbolo do McDonald’s”, conta.


Avenida Angélica teve auto-regulamentação

Mesmo sem uma lei rígida em vigor, há muitos anos moradores de São Paulo lutam por uma cidade mais limpa. Em 2003, a Associação dos Moradores de Pacaembu, Perdizes e Higienópolis acionou o Ministério Público para exigir a alteração das fachadas de cinco estabelecimentos da Avenida Angélica, no centro da cidade. A convite da Associação, professores da FAU mostraram aos comerciantes que suas fachadas eram excessivamente grandes, atrapalhando a visão dos moradores dos prédios. “Era a mesma coisa que ver uma televisão de 29 polegadas a 30 centímetros de distância. Você não consegue ver toda a imagem”, compara Issao Minami.

A ação criou uma auto-regulamentação das empresas, que adequaram seus anúncios ao porte da avenida e à altura dos prédios vizinhos. “A população precisa fazer valer seu direito de ver e não ver, de não ter em sua janela um mastodonte luminoso 24 horas por dia”, defende o professor da FAU.

Tanto Bastos como Minami concordam que a Lei Cidade Limpa não resolverá por completo o problema da poluição visual de São Paulo. Os milhares de suportes de propaganda espalhados pela cidade são a questão mais aparente do problema, mas a qualidade de vida do paulistano depende de diversos outros fatores. “A cidade tem uma série de problemas e não são apenas as mídias exteriores as responsáveis pela poluição”, afirma Bastos.

Para Issao Minami, o projeto “é um primeiro passo de muitas medidas que a prefeitura deve tomar simultaneamente para garantir a real melhoria de vida em São Paulo. É claro que a cidade vai ficar mais bonita sem todos aqueles painéis, mas a poluição que afeta São Paulo não é só visual, é também sonora e, principalmente, do ar”, completa.

 

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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