Quando se ingressa em uma faculdade, há muito o que descobrir.
Dentro da Universidade de São Paulo, talvez, as surpresas
sejam ainda maiores, não importa se para estudantes, funcionários
ou docentes. Na área cultural, com poucos meses de vida
universitária já se conhece a Orquestra Sinfônica
da USP (Osusp), ou pelo menos já se ouviu falar dela. Afinal,
não é qualquer universidade que tem sua própria
orquestra, reconhecida como uma das “melhores orquestras
brasileiras”, nas palavras de seu regente e diretor artístico,
Carlos Moreno. Neste ano, pela quarta vez consecutiva em seus mais
de trinta anos de existência, a Osusp lança seu programa
de assinaturas, para quem quiser mais do que ouvir falar.
Saber que a USP tem sua própria orquestra pode não
ser novidade para muitos, mas chegar a esse reconhecimento interno
não foi um trabalho fácil. Em 2003, um ano depois
do maestro Carlos Moreno assumir a orquestra, podiam ser vistos
outdoors pelo campus anunciando a temporada de concertos, tática
que se repete neste ano. “Essa foi uma primeira fase do nosso
trabalho: fazer com que a própria universidade descobrisse
sua orquestra”, diz o maestro, “e depois o Brasil inteiro,
o que conseguimos”.
No ano passado, a Osusp recebeu o Prêmio Carlos Gomes como
Melhor Orquestra do País, coroando a visibilidade externa
que vinha recebendo. “E foi merecido. Eu já tinha
recebido, também em 2003, o Prêmio de Revelação
e a indicação de Melhor Orquestra em 2005. Isso exprime
não o resultado de um ano ou de uma temporada, mas sim o
resultado de cinco anos de trabalho”, diz Moreno. O prêmio
maior, para o maestro, são as análises favoráveis
que a Osusp vem recebendo dos críticos de música
da cidade, que ajudaram nesse reconhecimento interno e externo. Qualidade – A excelência do trabalho permitiu que
a Osusp se apresentasse na Sala São Paulo e começasse
seu programa de assinaturas em 2004. “Esse sistema de venda
beneficia diretamente o público”, explica o maestro, “pois
o espectador compra quatro concertos por um preço bastante
vantajoso, pensado para ser acessível aos professores, funcionários
e estudantes da USP, e também externo”.
Para a orquestra, o incentivo está na criação
de um público com uma representação mais fiel,
permitindo um controle sobre a venda e o número de espectadores
assinantes em cada apresentação. O sistema propicia
também, segundo o maestro, avaliar a maneira como a platéia
está reagindo à orquestra. “Se há um
aumento de consumo no campo das assinaturas, isso demonstra que
o público está satisfeito”, acredita. Atualmente, o número anual de assinantes está em
torno de 1.300, o que, para o maestro, “deixa a orquestra
numa situação bastante boa”, embora não “já tranqüila”. “Tranqüila
será quando a orquestra tiver 2.000 assinantes”, diz.
Para Moreno, esse aumento virá quando a orquestra puder
disponibilizar mais funcionários para o atendimento de vendas. “O que mudou é que a orquestra passou a ter um repertório
sinfônico de fato”, diz o diretor artístico. O
crescimento da Osusp remete à marca artística que Moreno
vem buscando desde que assumiu a regência. O público,
considera, cria uma relação de interesse para ouvir
as obras completas. O repertório do grupo é um diferencial
em relação a outras orquestras mais tradicionais de
São Paulo, pois procura apresentar obras de jovens compositores
brasileiros e de autores estrangeiros pouco tocados, além
de ciclos sinfônicos. Neste ano, será a vez do ciclo das nove Bachianas, de Heitor
Villa-Lobos, e das grandes obras de Camargo Guarnieri, primeiro
maestro da Osusp, com peças como Concerto para piano e orquestra
nº 2 e Choro para violino e orquestra. Em 2007, por sinal,
comemoram-se cem anos de nascimento de Guarnieri e 120 de Villa-Lobos.
Na programação também se destacam duas estréias
mundiais: do jovem compositor Rodrigo Lima, vencedor do Concurso
Camargo Guarnieri de Composição em 2005, e Variações
concertantes sobre uma melodia de Chiquinha Gonzaga, composta por
Osvaldo Lacerda especialmente para o último concerto da
temporada. “É uma homenagem aos 80 anos de Lacerda,
que foi professor e grande mestre de toda uma geração
de compositores no Brasil. A proposta partiu dele e estou curioso”,
diz Moreno. A programação conta também com concertos temáticos
e participações de grandes solistas. Em homenagem
ao escritor inglês William Shakespeare, serão executadas
as obras Romeu e Julieta, de Tchaikovsky, e Sonhos de uma noite
de verão, de Mendelssohn, entre outras – esta última
com a participação dos atores Glória Menezes
e Marco Ricca fazendo pequenas encenações. Outro concerto será em homenagem aos cinqüenta anos
de morte do maestro Arturo Toscanini. Uma amostragem de compositores
franceses, como La valse, de Ravel, e L’après-midi
d’un faune, de Debussy, também integra a temporada.
Os compositores foram escolhidos pela influência que tiveram
no estilo de composição e na escola francesa da sua época,
que se estendeu a compositores brasileiros. Guarnieri e Villa-Lobos
estudaram na França, assim como o argentino Astor Piazzolla,
que é representado por Tangazo para orquestra sinfônica. “É um
casamento de influências de uma época que eu acho
que vai ser agradável para o público. Esta temporada é um
grande presente”, diz Moreno. O concerto de abertura, Osusp canta o Brasil, será no dia
27 de março, às 21h, na Sala São Paulo. O
programa inclui, entre outras peças, aberturas e árias
de Carlos Gomes, Três poemas afro-brasileiros, de Camargo
Guarnieri, e Quatro canções-floresta do Amazonas,
de Villa-Lobos, solo de Lys Nardoto. Incentivos – Além do repertório diferenciado,
outras mudanças importantes vêm ocorrendo na atuação
da orquestra. Na gestão do reitor Adolpho José Melfi
(2001 – 2005), foi possível a contratação
dos músicos de sopro e de percussão, e a Osusp passou
a ter o incentivo para desenvolver ações externas à Universidade,
como a temporada na Sala São Paulo, no Auditório
do Parque do Ibirapuera e “outras intervenções
que formam justamente a conexão da nossa orquestra com a
sociedade e com o País”, diz Moreno. Os incentivos
continuam na gestão atual. “Acho que, como produto
da USP, não podemos subir ao palco na Sala São Paulo
ou em outro lugar e deixarmos a desejar. Essa é minha meta
artística.”
O volume de trabalho na orquestra também é diferente.
Se antes eram catorze concertos por ano, hoje eles chegam aos sessenta,
com um número de ensaios maior do que o de apresentações. “Acredito
que enquanto a orquestra não se solidificar não adianta
fazer mais de cem concertos por ano. Fazemos sessenta muito bem-feitos.” O
grande volume de ensaios também acaba trazendo uma expectativa
maior para cada apresentação. Juntamente às atividades externas, a Osusp mantém
uma intensa programação gratuita dentro da Universidade,
como os Concertos Comentados ao Meio-Dia no Auditório Camargo
Guarnieri (na Cidade Universitária) e na Faculdade de Medicina.
A novidade em 2007 são os concertos programados no Salão
Caramelo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. O importante é que
a orquestra tem que tocar. Para Moreno, a próxima fase do
trabalho é a concretização da orquestra. A
qualidade já foi garantida. Só falta prestigiar.
Prazer em conhecer.
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