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Palco de grande movimentação cultural e política nas décadas de 1950 e 60, a Casa do Politécnico está sendo desapropriada pela Prefeitura de São Paulo. O prédio de oito andares serviu de moradia aos alunos de outras cidades que vinham cursar a Escola Politécnica (Poli) da USP. Em dezembro do ano passado, o prefeito Gilberto Kassab publicou decreto no Diário Oficial do município tornando a área de utilidade pública (primeira etapa no processo de desapropriação), para em seguida avaliar o imóvel e determinar a indenização a ser paga ao Grêmio da Poli, atual dono do prédio.

Situado no Bom Retiro, região central de São Paulo, o Cadopô – como foi apelidado pelos moradores – fica ao lado do Arquivo Histórico Municipal. A idéia da Prefeitura é anexar o prédio ao Arquivo, que hoje reúne cerca de 4,5 milhões de documentos textuais e iconográficos e é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura. Por falta de espaço, a Prefeitura mantém diversos documentos abrigados no Arquivo de Processos, no Piqueri, e em outros depósitos municipais. Anexado ao complexo, o Cadopô receberia registros históricos de 1922 a 1970.

O Grêmio da Poli protesta contra a desapropriação, já que tem seu próprio projeto para o local: a criação de um centro cultural com salas de teatro, espaço para exposições e uma incubadora tecnológica. “O próprio governo tem o Projeto Nova Luz para estimular o estabelecimento de empresas da área de tecnologia para a região e o desenvolvimento de cultura e lazer”, diz Diego Rabatone Oliveira, membro do Grêmio. “Nosso projeto vem ao encontro dessa proposta e vai ser muito mais benéfico para a região do que o Arquivo, que é um lugar apenas de pesquisas, sem atividades voltadas ao público.” Atualmente, o prédio é utilizado como área de ensaio por seis grupos teatrais ligados ao Grêmio, como o Grupo de Teatro da Poli e o Narradores.

Dívida – Para José Roberto Sadek, secretário de Cultura adjunto – o titular da pasta, Carlos Augusto Calil, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, estava em férias quando da apuração desta reportagem –, o uso do prédio como parte do Arquivo Histórico faz jus à importância do Cadopô para a cidade e à sua representatividade para os antigos moradores. “Temos diversos centros culturais na região, como a Pinacoteca e o Centro Cultural Três Rios. Já o Arquivo é único para toda a cidade e vai ter uma função mais nobre, mais compatível com a história do local”, aponta.

Uma das diretoras da entidade estudantil, Haydée Svab, afirma não ter sido contatada pela Prefeitura a respeito da desapropriação, da qual ficou sabendo através do decreto no Diário Oficial. Ela decidiu então solicitar uma reunião com representantes do Executivo, o que ocorreu no dia 15 de janeiro. Na ocasião, o Grêmio apresentou seu projeto a assessores da administração municipal, que não estavam cientes do plano.

“Não somos contra o Arquivo. Apenas acreditamos no nosso projeto. A Prefeitura não deu um ponto final para a questão, mas foi receptiva à nossa idéia”, resume Oliveira. O próximo passo é marcar uma reunião diretamente com a Secretaria de Cultura.
José Roberto Sadek afirma que representantes da secretaria já haviam entrado em contato anteriormente com o Grêmio, que apresentou o seu projeto. “Idéias para centros culturais todo mundo tem. Nós não vimos a verba para possibilitar a realização desse projeto”, diz. “Faz décadas que o prédio está abandonado e só agora, quando temos um plano para ele, é que o Grêmio apresenta um projeto.”

Um dos argumentos da Prefeitura para a desapropriação do imóvel é a existência de uma dívida acumulada de 250 mil reais referente ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), quantia a ser descontada no valor da indenização ao Grêmio. Haydée garante que o débito já foi negociado com a prefeitura e não seria motivo para desapropriação do terreno. Sadek afirma que não conhece detalhes do processo e que sabe apenas que há uma “grande dívida no terreno”.


Raquel e Diego: projeto atrairia público para a região

Incubadora – Pela proposta do Grêmio, no mezanino seria criada uma sala de teatro para exibição de peças dos grupos que já ensaiam no local, além de um espaço para exposições de novos artistas. Nos primeiros andares, seriam mantidas as salas de ensaio e um depósito para os cenários e figurinos. “O que mais tem no Bom Retiro é o pequeno comércio que fecha durante a noite, deixando a região muito vazia. Por isso achamos que seria interessante realizar uma atividade cultural que atraísse o público justamente nesse horário, para dar vida ao bairro”, analisa Haydée.

Nos andares superiores, o Grêmio propõe abrigar uma incubadora que incentive pequenas e médias empresas a produzir tecnologia nacional. A incubadora forneceria assistência jurídica e financeira, além de cursos de empreendedorismo e administração. “Os dois primeiros anos são o período crítico do estabelecimento de uma empresa, quando 80% delas fecham. Já com a ajuda de uma incubadora, esse número cai para 20%”, defende Oliveira.

A verba para a realização do projeto, incluindo a reforma inevitável no prédio, viria, segundo o próprio Grêmio, de leis de incentivo fiscal, das associações de ex-alunos da Poli e até mesmo de uma rede de incubadoras dispostas a investir em novos projetos. “A captação de recursos é viável. A Associação dos Ex-Alunos da Poli tem interesse nisso e doaria dinheiro para o projeto, como fez para a própria construção do Cadopô”, garante Haydée.

O Grêmio argumenta que, além de criar um maior movimento de capitais e cultura na região, seu projeto tem custos bem menores para a reforma do prédio, já que não seria necessário suportar o peso dos documentos que o Arquivo armazenaria. Como alternativa, a entidade sugere um edifício vizinho que atualmente é utilizado como armazém para a reforma do Arquivo. “O Cadopô é um prédio residencial e sua estrutura não agüentaria todo o peso. Seria necessário construir um novo prédio”, conclui Haydée.
Para o secretário adjunto, o prédio em questão já vai ser anexado ao Arquivo, que necessita ainda de mais espaço para o armazenamento de seus documentos. “São décadas de documentos históricos que não temos onde colocar, e verba para a reforma nós temos”, diz Sadek. “O Cadopô fica ao lado do Arquivo e é uma anexação natural a se fazer. Não vejo uso mais digno que esse.”


Cadopô foi refúgio contra ditadura

Inaugurada em 1957, a Casa do Politécnico foi construída para abrigar alunos carentes de outras cidades e ficou, desde o início, sob a responsabilidade do Grêmio da Poli. O prédio foi não só uma moradia aos seus alunos como também um centro de movimentação política estudantil da juventude politizada da época. “O sétimo andar ficou conhecido como ‘andar vermelho’. Inclusive um dos quartos era totalmente pintado de vermelho. Não eram somente alunos, toda uma geração que estava envolvida com a movimentação passava por lá”, conta Oliveira.
A partir de 1964, com a ditadura militar, o Cadopô ganhou importância ainda maior, até como moradia para refugiados da repressão. “Muitas pessoas que iam fugir do País para escapar da ditadura moravam um tempo lá antes de viajar. O próprio José Serra passou uma temporada lá antes de ir para o Chile”, destaca Oliveira. Foi ali também que se iniciou o Cursinho da Poli, pré-vestibular a baixo custo para alunos carentes.

O prédio foi usado como moradia para politécnicos até a década de 70, quando a Poli foi transferida para o campus do Butantã. Longe da sede do Grêmio, o Cadopô foi gerenciado pelos próprios alunos da Poli e de outras unidades que começaram a morar lá. “O Grêmio não sabia como administrar uma coisa tão longe e começou a perder o controle”, lembra Raquel Debczynski, diretora do Grêmio.

Com o passar dos anos, a distância entre o prédio e a Poli dificultou a rotina dos alunos, que foram gradativamente abandonando o Cadopô. A partir dos anos 80, o prédio foi invadido inúmeras vezes por moradores de rua e criminosos que chegaram a derrubar as paredes internas. Abandonado e com os vidros quebrados, nada nele lembrava os áureos tempos de berço político e cultural.

O Grêmio perdeu o controle do prédio até 1994, quando pediu a reintegração de posse. Somente em 2004, depois de uma década sem uso nem reformas, o espaço começou a ser utilizado para os ensaios dos grupos de teatro.

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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