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Enquanto a humanidade espera pela divulgação das quase 3 mil páginas que deverão compor o mais importante documento sobre o clima do planeta – o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, sigla em inglês) da ONU –, a revista Science adiantou alguns dos mais recentes resultados científicos sobre ambiente ligados direta ou indiretamente ao clima, em sua edição especial Sustentabilidade e Energia. Segundo a revista, a dependência dos combustíveis de origem fóssil continuará sendo a maior causa dos impactos dos gases de efeito estufa. Essa afirmação remete justamente para a mais forte certeza do relatório do IPCC. Os dados reunidos pelos cientistas escolhidos pela ONU para produzir o documento permitem dizer, com mais de 90% de confiabilidade, que a ação do homem está causando o aquecimento global.

Diante desse fato, as alterações climáticas deixaram de ser só uma prioridade na agenda de políticas públicas dos signatários do Protocolo de Kyoto. Encontrar fontes energéticas sustentáveis virou uma necessidade urgente e também questão de segurança nacional para muitos países. Os Estados Unidos, apesar de insistir na não-ratificação do Protocolo, alçaram para política de Estado a substituição de 20% do consumo de gasolina por biodiesel ao assumir a importância estratégica da diversificação das fontes energéticas. Tanto que enviaram no início de fevereiro seu subsecretário Nicholas Burns para negociar em Brasília um possível acordo sobre biocombustíveis.

No início de fevereiro, com a divulgação do Sumário Executivo do Grupo I do IPCC, o mundo ficou sabendo que as mudanças no clima são inequívocas e estão ocorrendo mais rápido do que o projetado anteriormente. A temperatura da Terra deverá subir cerca de 3º C neste século se as emissões continuarem nos níveis atuais, sendo que nos próximos 20 anos está projetado um aumento de 0,2 oC por década. Essa alteração de temperatura pode ser traduzida em severas crises de abastecimento de água e menores rendimentos na agricultura, além de sérios impactos socioeconômicos em países em desenvolvimento. Os resultados dos Grupos 2 e 3, voltados, respectivamente, a estudos de impactos e mitigação, serão conhecidos em abril, segundo a ONU. O documento completo do Grupo 1, com cerca de 1.500 páginas, deverá ser publicado em maio.

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Segundo o professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP Paulo Eduardo Artaxo Netto, este que será o quarto relatório do IPCC conseguiu reunir um conjunto enorme de observações a partir das quais é possível dizer que o clima do planeta está mudando de forma inequívoca e aceleradamente. “Entre outras novidades, o relatório traz dados sobre os efeitos dos aerossóis nas nuvens, por exemplo. A soma dos componentes naturais e antropogênicos permitiu atribuir ao homem, de forma quase inequívoca, ou com 90% de certeza, a responsabilidade pelas mudanças do clima”, disse em seminário realizado no dia 15 de fevereiro na Cetesb, em São Paulo.

Artaxo é um dos três brasileiros escolhidos pela ONU para integrar o Grupo I, no qual também participam o professor Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, e o pesquisador climatologista José Antônio Marengo Orsini, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

divulgaçãoMédias globais – No geral, o documento aponta para maiores certezas sobre as médias globais do aumento da temperatura e, por outro lado, para um nível maior de incertezas quanto aos aspectos regionais do clima. “Temos que usar as incertezas como um fato positivo para reagir, pensando soluções mais harmônicas, envolvendo sempre as incertezas e tentando conhecer melhor os detalhes sobre os quais existem maior confiabilidade”, disse Pedro Dias.

Os cenários mais conservadores apontam, para o final deste século, um aumento de 1,7 oC na temperatura média da Terra e os menos conservadores, de 4 oC ou até 6,4 oC. Os especialistas acreditam que a média mais provável deverá ficar em 3ºC.

Até 2030, quase todos os modelos sinalizam alterações bastante
semelhantes de temperatura, embora no longo prazo as diferenças tendam a aumentar. Assim, as próximas duas décadas deverão ver um aumento de temperatura da ordem de 0,2 oC por década. Em 30 anos, as temperaturas das regiões árticas poderão subir até 3 oC e na Sibéria e Canadá, 7,5 ºC. Independente do tempo e da intensidade em que ocorram, as alterações no clima são um fato irremediável, com o qual as próximas gerações terão de lidar – e conviver. O modelo do Hadley Center, proposto pelo escritório Meteorológico do Reino Unido, é o mais catastrófico e aponta para o ano de 2080 um quadro de seca no Brasil Central, englobando a Amazônia, e o aumento de chuvas na Região Sul. “Outros modelos empurram para mais adiante alguns fenômenos. Em alguns casos eles podem até ser contraditórios quanto às alterações regionais. Mas, no futuro, todos são inóspitos”, afirmou Pedro Dias durante sua apresentação na Cetesb. Artaxo considera que existem “muitas limitações nos modelos das taxas de precipitações porque ainda há muito a aprender sobre o papel dos aerossóis nas nuvens”, disse.

Secas, inundações, tempestades de ventos, reduções nas produções agrícolas, impactos socioeconômicos e geopolíticos serão conseqüências certas provenientes das mudanças climáticas que não devem, porém, ser encaradas com desespero, mas como reais motivos para transformação de atitudes, defendem os cientistas. “Temos três opções para o futuro. A primeira é a inação. A segunda, a adaptação, por exemplo, em questões inevitáveis como a agricultura. E a outra é evitar, ainda que parcialmente, as mudanças. Acredito que devemos escolher uma combinação das três. O princípio de que as responsabilidades são comuns porém diferenciadas se aplica para municípios, Estados, países, empresas e a cada um de nós”, disse o professor Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de
Estudos Avançados (IEA) da USP, também presente no seminário em São Paulo.

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Medidas para minimizar os danos ao ambiente estão ao alcance das mãos, dizem os cientistas. No campo, o uso de fertilizantes de forma mais controlada e eficiente pode reduzir a emissão de óxido nitroso e um aumento no rendimento da carcaça do animal abatido pode ajudar a diminuir as emissões de metano, sugere professor da USP

Terra e água – Sem considerar o derretimento da calota de gelo dos pólos, os mares deverão sofrer uma elevação de 40 centímetros em seu nível até 2100, de acordo com o Sumário Executivo do Grupo I. Considerada a diminuição das geleiras da Groenlândia e Antártica, o nível do mar poderá subir cerca de 7 metros.

Entre 1993 e 2003, a expansão térmica da água foi provavelmente o fator que mais contribuiu para a elevação do nível do mar, que neste período aumentou 3 milímetros por ano, diz o professor do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes e Humanidades (EACH) da USP, Sérgio Almeida Pacca. “A elevação do nível do mar parece bastante preocupante para países como o Brasil, que possuem uma costa extensa e concentração populacional em áreas litorâneas”, afirma.

Além da emissão dos gases de efeito estufa, as emissões causadas pelo uso do solo, como desmatamento e queimadas, foi apontado pelos especialistas da ONU como a segunda principal causa do aquecimento global. “A agricultura é o setor com maior responsabilidade na emissão de metano e óxido nitroso. A maior potência poluidora desses dois gases, comparados ao dióxido de carbono (23 vezes para o metano e 296 vezes para o óxido nitroso), certamente fará com que países como o Brasil, que possuem um setor agrícola dinâmico, sejam chamados a buscar soluções para mitigar suas emissões”, afirma Pacca.

Segundo o professor, algumas medidas mitigadoras na agricultura estão ao alcance das mãos. “O uso de fertilizantes de forma mais controlada e eficiente pode reduzir a emissão de óxido nitroso e um aumento no rendimento da carcaça do animal abatido pode ajudar a diminuir as emissões de metano. Felizmente essas duas opções também trazem redução de custos ao produtor.”

Para Marco Antônio Conejero, doutorando da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e pesquisador do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa) da FEA, além da migração de culturas tradicionais como soja, café e cana para diferentes regiões do País ou do globo, as soluções para a agricultura passarão necessariamente pela adaptabilidade genética e melhores tecnologias para o campo. “Todos deveremos nos empenhar em reduzir as emissões. Mas, além disso, pesquisa e desenvolvimento irão precisar de toda a colaboração possível e o setor privado precisa entrar pesado nisso. Muito do melhoramento genético e das técnicas de cultivo conquistados no setor da cana, por exemplo, ocorreram graças ao setor privado, com iniciativas como o Centro de Tecnologia Canavieira”, afirma.

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Nova ordem mundial – O Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, preocupado em promover a interação multidisciplinar da Universidade para o estudo dos mais variados temas, já planeja para novembro a realização da 3a Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas. “A complexidade do clima deve incluir o fator humano, não pode ser tratada só por especialistas da área, mas também por cientistas sociais, biólogos, oceanógrafos e muitos outros. A ciência do século 21 é muito aberta e interativa e isso não é nada fácil. Mas não podemos permanecer com a visão fragmentada que norteou a ciência no passado e por isso o IEA está incentivando projetos multidisciplinares”, afirma o professor Pedro Dias.

Para o ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e Professor Emérito do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP José Goldemberg, a redução das ameaças ao clima, bem como à segurança do fornecimento energético no mundo, passam necessariamente pela viabilização econômica e produção em escala das chamadas tecnologias “limpas”.

Por outro lado, o mundo ainda precisa superar os obstáculos geopolíticos, pois os governantes já sabem como e o que deve ser feito pelo bem-estar das próximas gerações, mas ainda não chegaram a denominadores comuns, movidos por interesses mais imediatos, mostra o professor Jacques Marcovitch em artigo que será publicado na Revista USP (leia na página 14). “A pior das hipóteses é não haver acordo nenhum e continuar tudo como agora, sem acordo global que comprometa os Estados Unidos na redução de gases de efeito estufa. Outra, pouco animadora, mas não de todo negativa, é chegar-se a um acordo na 25a hora do último dia, exaurindo todos os prazos, o que inibirá uma ação proativa que a situação exige. A terceira hipótese, efetivamente contemplando o interesse da humanidade, é um acordo com a antecedência necessária para induzir medidas estratégicas e redutoras das emissões”, afirma Marcovitch.

Diante do impasse político, que pode não contar com tempo suficiente para ser resolvido, o professor Goldemberg sugere, em artigo publicado na edição especial da Science, que o etanol extraído da cana-de-açúcar é uma tecnologia madura e pronta para replicação em muitos países. “Uma coisa é o desenvolvimento tecnológico e outra, a produção em escala. O etanol é um exemplo importante disso. No início da década de 1980, o etanol era três vezes mais caro que a gasolina e o preço reduziu com a produção em escala e aperfeiçoamento das técnicas existentes. Portanto, acredito que está ao alcance das mãos atingir a meta de substituir 10% da gasolina usada globalmente por etanol. No Brasil, o etanol já substitui 40% dos combustíveis fósseis”, disse ao Jornal da USP.

Os chamados renewable portfolio standards (RPS) são um exemplo de estratégias bem-sucedidas adotadas por governos de países industrializados para incentivar o uso de tecnologias renováveis, lembra Goldemberg. Trata-se de programas baseados em taxas, subsídios e mecanismos incentivando empresas e governos a usar energias a partir de fontes como vento, sol, biomassa e água. Em países como Dinamarca, Alemanha, Espanha e Estados Unidos, tais mecanismos já promoveram um aumento da ordem de 35% ao ano do uso de energia eólica e de módulos solares fotovoltaicos, afirma Goldemberg no texto publicado na Science.

No Brasil, um mecanismo bastante semelhante aos RPS é o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), do Ministério de Minas e Energia do governo federal. “Se uma empresa produz energia a partir de fonte eólica, a Eletrobras é obrigada a comprar essa energia. Mas acredito que o mais importante incentivo no Brasil para a produção e uso de energias renováveis ainda continua sendo a obrigatoriedade da mistura de 25% de álcool na gasolina”, diz Goldemberg.

O professor cita ainda o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e os chamados cap and trade como outros exemplos bem-sucedidos para a redução dos impactos causados pelos gases de efeito estufa. Com tais mecanismos, empresas e governos passam a ter níveis estipulados de emissões anuais daqueles gases. As instituições que não conseguem reduzir podem comprar créditos das que superam suas metas.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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