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A adoção de sistemas de cotas para ingresso de alunos de graduação nas universidades públicas é um tema que segue na pauta do debate acadêmico em todo o País. Em São Paulo, um projeto que tramita na Assembléia Legislativa traz uma inovação: a reserva de vagas em cursos de pós-graduação para professores das redes públicas do Estado e dos municípios. A proposta é do deputado Roberto Felício (PT) e já foi aprovada, no início de março, na Comissão de Educação da Assembléia. Como envolve destinação de recursos do Tesouro, o texto segue agora para a Comissão de Finanças e Orçamento da Casa. É difícil prever quando irá a votação em plenário, porque a nova legislatura tomou posse na semana passada, o que sempre implica rearranjos até que a dinâmica da nova composição das bancadas e das comissões se assente. O próprio Felício não sabe se permanecerá na Comissão de Educação, da qual era o presidente na legislatura recém-encerrada.


Felício: incentivo aos professores

O projeto de lei 608, apresentado em 2004, determina que as universidades públicas estaduais “reservarão 30% do total de vagas oferecidas para os cursos de pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado, nas áreas de educação, para os professores das redes públicas, estadual e municipais, do Estado de São Paulo”. Se não houver candidatos suficientes para o preenchimento dessas vagas, elas poderão ser distribuídas livremente. “A formação do professor é fundamental para o ensino de qualidade. Temos uma excelente qualidade em nossa rede de ensino superior público, e uma das formas de as universidades colaborarem com o ensino básico e médio é fazer com que os professores tenham assento nos cursos de pós-graduação”, justifica o deputado. Egresso do magistério público estadual, Roberto Felício teve longa militância no Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp) até eleger-se para seu primeiro mandato, em 2002.

De acordo com o deputado, o foco principal do projeto são os cursos de Educação e Pedagogia nas três universidades públicas estaduais (USP, Unesp e Unicamp). Porém, o interessado poderá procurar qualquer área que tenha relação com sua atividade. Assim, um professor de educação física que quiser fazer pós em fisioterapia estará dentro da cota dos 30%, mas não um de matemática que queira mestrado, por exemplo, em literatura. Felício afirma que a proposta pode beneficiar mais de 212 mil professores – embora, é claro, isso não signifique que todos vão se interessar em fazer pós-graduação ao mesmo tempo.

Outro emprego – O projeto divide opiniões entre docentes da Universidade ouvidos pelo Jornal da USP. Para o professor José Marcelino de Rezende Pinto, do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, a medida é positiva porque “fortalece o vínculo da Universidade com a escola pública de educação básica”. Ao mesmo tempo, é importante “a contribuição que esses professores podem trazer para os programas de pós-graduação a partir de sua vivência direta com a escola, enriquecendo as discussões nas disciplinas e o delineamento das pesquisas”.

Rezende Pinto chama a atenção também para o retorno que esses docentes podem dar nas instituições em que lecionam. “As estatísticas do Sistema de Avaliação da Escola Básica (Saeb) mostram que há uma correlação positiva entre a presença de professores com mestrado e doutorado e o desempenho dos alunos no exame”, aponta. O docente alerta, porém, para o risco de que os baixos salários pagos na educação básica da rede pública levem esses professores, a partir da obtenção do título, a procurar outras oportunidades de emprego. “O que, de qualquer forma, é um direito legítimo”, ressalta.

A mesma observação é feita pela professora Marieta Machado Nicolau, da Faculdade de Educação da USP. “As aspirações de quem faz pós-graduação mudam, e o pessoal não quer mais voltar para a sala de aula depois”, afirma a professora, que tem grande experiência na educação pública por ser coordenadora, na USP, do Programa de Educação Continuada (PEC), mantido em parceria com a Secretaria Estadual da Educação e voltado para formação em nível superior de professores do ensino básico das redes estadual e municipais.

Para Marieta Nicolau, todas as iniciativas que beneficiam aqueles que trabalham na educação devem ser apoiadas pela Universidade. Uma de suas preocupações, no caso do projeto do deputado Roberto Felício, é quanto aos aspectos práticos. “Há toda uma engrenagem que precisa ser trabalhada para que o sistema possa funcionar, e não é fácil adequar essa logística”, diz. A professora também critica a adoção de determinações legais “que despencam de cima para baixo” e nem sempre trazem as melhores soluções. “Deve haver uma discussão coletiva, com análise crítica dos problemas”, defende.

Jorge Maruta
Bizzo: idéia pode trazer complicações

Oportunidade – No governo Alckmin (2003–2006), a Secretaria Estadual da Educação implantou o Programa Bolsa-Mestrado, que possibilita ao professor fazer uma pós optando por uma diminuição da carga horária – mantendo o mesmo vencimento –, ou preservando o número de horas trabalhadas, recebendo um acréscimo de R$ 720,00 para pagamento do curso. A Secretaria exige que o professor permaneça pelo menos dois anos na rede pública após a titulação. Entre 2004 e o ano passado, 2.731 bolsistas ingressaram no programa. Roberto Felício critica a iniciativa dizendo que “é preferível usar o recurso público subsidiando a universidade pública a usá-lo para financiar bolsas nas universidades privadas”.

O professor Nelio Bizzo, do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da USP, acha que a medida não apresenta resultados tão satisfatórios. “A lógica do projeto do Gabriel Chalita (ex-secretário de Educação), de que quem faz pós-graduação dá aula melhor, não é necessariamente correta”, diz. Bizzo também é cético quanto à idéia de reserva de vagas, pois acredita que o sistema traria complicações do ponto de vista orçamentário e administrativo. “Além de não ajudar os professores, pode atrapalhar as universidades”, completa.

O deputado Roberto Felício afirma que está aberto a conversar com as universidades sobre o projeto e se defende das críticas afirmando que a operacionalização da reserva de vagas é solucionável com a criação de processo seletivo ou de outros mecanismos para o ingresso dos professores. As questões relativas à ascensão na carreira, diz, estão sendo debatidas entre a Apeoesp e o governo do Estado, com participação do Legislativo. “O plano de carreira tem que prover que os professores tenham direito a afastamento total ou parcial em caso de mestrado, doutorado ou viagem de estudos. Já existe uma lei antiga sobre o assunto, mas a licença fica a critério do poder público, e a autoridade nem sempre ajuda.”

O mais importante, defende Felício, é que o projeto representa uma oportunidade de aperfeiçoamento dos docentes, que teria repercussões na educação pública. “Trazendo um incentivo profissional na carreira, temos que criar as condições objetivas para que isso se concretize. Convênios da Secretaria da Educação com as universidades podem tratar do assunto”, diz. Quanto à possibilidade de que os professores deixem a escola pública e procurem outro emprego depois da obtenção do título, “é um problema que só vamos resolver quando o salário no plano de carreira for competitivo”. “O salário é realmente muito pouco atraente e o risco existe. Mas em função disso não devemos dar a oportunidade aos professores?”, pergunta.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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