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A escola que (não) ensina a escrever, de Silvia de Mattos Gasparian Colello, Editora Paz e Terra, 288 páginas, R$ 26,00. O lançamento está previsto para o dia 20 de abril, a partir das 18h30, na Livraria da Vila (rua Fradique Coutinho, nº 915, em São Paulo), mas o livro já está à venda.

 

Uma menina se destacava na sua classe pela letra bonita e uma grafia excepcionalmente correta, aprendidas na pequena escola que freqüentou antes de entrar no ensino fundamental. Porém, quando a professora lhe pedia para criar uma história, só escrevia sobre cachorros que mordiam e bombas que explodiam. Esses temas, segundo ela mesma, refletiam o seu ódio pela escrita, que aprendeu às custas de muito esforço, repetição e nenhum prazer.

Esse é um dos muitos casos com os quais a professora da Faculdade de Educação da USP Silvia de Mattos Gasparian Colello se deparou em suas pesquisas e que a fez refletir sobre o processo de alfabetização que torna o aprendizado mecânico, descontextualizado e um martírio para as crianças.

Em 2003 e 2004, Silvia acompanhou dez professoras da primeira série do ensino fundamental, de duas escolas públicas e duas escolas privadas. Sua conclusão foi que as professoras seguem uma metodologia antiquada de ensino, baseada na incansável cópia de palavras e preenchimento de lacunas.

Essa pesquisa, além de outros trabalhos desenvolvidos por ela e alguns textos inéditos, compõe o livro A escola que (não) ensina a escrever. A obra aborda os diversos erros cometidos pelas professoras nas escolas e propõe caminhos para uma alfabetização mais criativa e prazerosa para as crianças, que possibilite a formação de adultos com boa produção de texto. “Este livro apresenta o meu conceito de alfabetização, como eu acredito que deveria ser feito. Eu quero que o meu aluno entenda e goste de ler e para isso acredito que ler e escrever exige um contexto”, resume Silvia.

Entre as práticas apontadas pela professora está a lição de casa. No livro, a pesquisadora mostra diversos exemplos de exercícios que exigem do aluno apenas a capacidade de copiar, seja uma letra, diversas palavras sem conexão ou mesmo seu nome. Assim, a criança aprende a escrever fragmentos que não se conectam, como se escrever fosse algo mecânico, fora de uma função maior. “A criança sabe escrever, mas não escreve como uma prática cotidiana e eficiente. Uma professora chegou a dizer para um aluno que quanto mais vezes ele copiasse seu nome, melhor. Isso só vai servir para que ele aprenda que escrever é uma tarefa chata e que faz a mão doer”, critica Silvia.

Para ela, o contexto é fundamental nessas tarefas. Estas devem fazer parte do cotidiano da criança, para mostrar o porquê daquele ensinamento e mesmo a real importância da escrita no dia-a-dia. “Ao invés de tarefas de copistas, a professora pode propor que as crianças escrevam a receita de um bolo que irão fazer ou uma lista de livros que desejam que ela leia para eles”, sugere.

Um mito propagado pelas escolas, segundo Silvia, é o de que a dinâmica de ensino na sala de aula deve ser homogênea, voltada para o aluno médio da sala, ignorando as dificuldades individuais e colocando o professor como única fonte de informação. “Assim, o professor simplesmente desconsidera as diferenças de aprendizagem ou tenta compensar a heterogeneidade oferecendo tarefas de grau médio, que podem ser fáceis para um, possíveis para outro e impossíveis para aquele com maior dificuldade.” Essa atitude – acrescenta – é prejudicial não só para o aluno como também para a professora, já que a criança desmotivada logo procura outra distração, como brincar com colegas ou conversar, o que atrapalha o andamento da aula.

O problema pode ser resolvido, segundo Silvia, com um simples desenho diferente da dinâmica da aula. Ao invés de propor apenas uma atividade, a professora pode oferecer dois ou três tipos de exercícios para cada nível de aluno, dividir os alunos para que os mais avançados ajudem aqueles com maior dificuldade ou mesmo criar exercícios flexíveis, em que cada aluno pode produzir aquilo que é capaz. “Ao invés de pedir uma redação de 20 linhas, a professora pode pedir que escrevam uma história. Assim, quem consegue escrever mais o faz em duas páginas e aquele com maior dificuldade escreve duas linhas, mas que terão a mesma significância”, exemplifica.

A importância dada à quantificação da escrita é outro vício extremamente prejudicial apontado pela pesquisadora. Com a obrigação de preencher espaços determinados, a criança começa a aprender truques para mostrar que escreveu mais, como fazer um grande desenho na folha ou mesmo escrever uma palavra em cada linha. “São crianças de apenas 8 anos que já aprendem como enganar a professora. Isso é um claro sinal de como a escrita está dissociada do prazer”, diz Silvia. “E esses truques vão sendo aprimorados durante toda a vida: há poucos dias, uma aluna da Faculdade de Educação me perguntou o quanto deveria escrever para o trabalho final da matéria, como se a quantidade fosse fator determinante.”

Os caminhos possíveis – À primeira vista, o professor parece ser o verdadeiro responsável pela manutenção desse processo antiquado de alfabetização, mas Silvia faz questão de frisar que o problema não está na falta de vontade dos docentes. “Uma coisa que percebi durante a pesquisa nas escolas é que as professoras são muito bem -intencionadas. A pedagogia antiquada que elas usam é um problema de formação, de condições de trabalho e também da falta de apoio pedagógico dentro das salas de aula. Elas se sentem abandonadas”, relata.

A solução para esses problemas, indica Silvia, vai muito além dos muros da escola. Além das iniciativas básicas de reorganização da escola e de investimento na formação e educação continuada dos professores, é preciso uma postura favorável do governo e uma intensa campanha de valorização da cultura e da escrita na sociedade. “O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) mostrou que apenas 26% dos leitores brasileiros têm um nível de leitura crítica, sabem retirar informações de um texto ou comparar dois textos diferentes. Para mim, esses dados escondem uma verdade ainda mais alarmante que os números do analfabetismo”, afirma Silvia, referindo-se ao estudo realizado em 2006 pelo Instituto Paulo Montenegro, referente à população de 15 a 64 anos em todo o País.

A curto prazo, Silvia propõe uma mudança nas atividades propostas nas escolas, fazendo com que elas tenham um cunho social e um propósito claro, que aproxime o uso da escrita ao seu uso rotineiro. Outra proposta da professora é explorar a heterogeneidade nas salas de aula, para ensinar lições de convívio social e alteridade. “A alfabetização sempre foi entendida como uma técnica de juntar letras para formar sílabas e depois palavras e finalmente textos. Uma prática pedagógica reducionista que não insere a escrita no mundo da criança e que vai roubando o prazer no aprender, afetando toda sua formação. Temos que mudar essa visão e começar a pensar na formação de sujeitos escritores. Não profissionais, mas pessoas que consigam escrever textos com facilidade”, conclui Silvia.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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