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A Esalq é igual uma grande fazenda. Por onde se olha, tem bicho, mato, plantio, tratores, gente de chapéu trabalhando. Aqui, bois, vacas, cabras, bodes, coelhos, porcos; lá, galinhas, patos, marrecos; mais adiante, lagos, girinos, peixes, jacarés-de-papo-amarelo tomando sol; por todo lado, fábricas disso, daquilo, até de insetos bons que comem insetos-pragas. Mas a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) não é campo, é campus. Campo é onde bois, porcos, galinhas são criados, mortos e comidos; campus é onde esses animais são criados, pesquisados, melhorados e os dados sobre eles, passados adiante para que outros criadores, indústrias ou qualquer pessoa da comunidade façam bom uso da tecnologia. Com esse jeito de palavra latina, campus ganha, pois, status acadêmico e é assim, como pesquisa viva, avançada e voltada para a sociedade, que há mais de um século aquela unidade – fundada em 1901 e incorporada à USP em 1934 – funciona em Piracicaba.

O professor Raul Machado Neto, presidente da Comissão de Pesquisa e vice-diretor da escola até dia 31deste mês, puxa pela memória momentos importantes da história da Esalq e enumera as grandes linhas de pesquisa em desenvolvimento nos diversos departamentos.

Para começar, lembra, não se pode esquecer da contribuição dada por pesquisadores europeus que vieram trabalhar aqui ou ajudaram cientistas brasileiros que pesquisaram lá. Foi assim com o professor Marcílio de Souza Dias, que em quase 30 anos de atividade na Esalq (1945-1974) mudou o hábito brasileiro de se alimentar, colocando na mesa hortaliças, que antes costumavam ser rebaixadas a mero “mato”. Da Europa ele trouxe de tudo, de nabo a pimentão, e nos canteiros do Departamento de Genética recriou e enriqueceu variedades adaptadas ao clima, num processo que vem tendo continuidade até hoje, quando estão à frente da cultura de hortaliças os professores Ciro Paulino da Costa e Paulo Tavares. Aposentado, Marcílio foi homenageado até pelos japoneses que cultivam o “cinturão verde” da capital paulista. Mas o fundador mesmo da genética vegetal no Brasil e do Departamento de Genética da Esalq foi o alemão Frederico Brieger, que chegou ao Brasil em 1936.

Entre as pesquisas que considera dignas de menção, Machado Neto menciona com especial admiração os estudos sobre controle biológico de pragas, que o professor José Roberto Postali Parra realiza no Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola. Também aí houve um pioneiro: Domingos Gallo, que atuou em Piracicaba nas décadas de 1940 a 80 (Adiante, mais notícias sobre as pesquisas de Parra, assim como sobre outros temas apenas lembrados pelo presidente da Comissão de Pesquisa).

Resumindo, Raul Machado Neto manda não esquecer estes pontos: que o cerrado brasileiro vem sendo estudado desde a década de 1940, quando o pessoal da Esalq começou a definir novas estratégias de ocupação de solo e de cultivo nesse sistema ecológico; que houve avanços notáveis no campo da biotecnologia vegetal, com a descoberta de variedades resistentes, estabelecimento de diagnósticos de doenças e, ainda, novos processos reprodutivos; que avançou muito a logística do transporte e do armazenamento, um trabalho do Departamento de Economia; que o agronegócio, sobretudo por intermédio do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), conciliou uma visão do campo com a do mercado, valorizando os produtos; que graças às pesquisas o meio ambiente ganha sustentabilidade, isto é, produção com menor impacto, e dá visibilidade a pesquisadores como Ricardo Rodrigues, que coordena o Biota-Fapesp (Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo); que a Esalq não esquece os animais silvestres, sendo que merece atenção especial o jacaré-de-papo-amarelo, estudado do ponto de vista da biologia e da vida em cativeiro; que se conseguiram avanços notáveis na área básica (bactérias, células, insetos) e foram ou estão sendo criados importantes centros-referência, como o próprio Cepea, e um centro de microscopia eletrônica aplicada à agricultura (Esalq-Cena). E, pelo amor de Deus, alerta o vice-diretor, não esqueçam a Clínica do Leite, ligada ao Departamento de Zootecnia, que faz todo mês 160 mil análises de amostras de leite para indústrias e produtores de São Paulo e outros Estados (ler adiante).

Qui quae quod – Roberto Parra foi diretor da Esalq até janeiro deste ano, sendo sucedido no cargo pelo professor Antonio Roque Dechen (Ciência do Solo). Raul Machado Neto era vice de Parra, mas seu mandato vai até 31 de março. Parra deve ter gostado de ser diretor, mas o que ele gosta mesmo é de criar inimigos pessoais... não dele, mas de pragas da lavoura. Faz o controle biológico, alternativa para o controle químico, dando continuidade ao trabalho de Domingos Gallo, mencionado lá em cima, que entre 1940 e 1980 chefiava o Departamento de Entomologia (depois houve fusão com os Departamentos de Zoologia Agrícola e Fitopatologia). Um dos maiores inimigos de Parra e equipe é a broca da cana. A luta contra ela se fez e se faz por etapas.

Na década de 70, Gallo trouxe de Trinidad e Tobago uma vespinha, a Cotesia flavipes, para combater a broca, que naquela época dava prejuízo de US$ 100 milhões por ano e, agora, apenas US$ 20 milhões, mas a tendência é que os prejuízos subam novamente, porque o inimigo da praga está deixando de ser usado. Outra vespa benéfica estudada por Parra e por seus alunos, que fundaram a empresa Bug Agentes Biológicos, chama-se Trichogramma. Cultivada, seus ovos são exportados em larga escala e deram aos meninos empresários o privilégio de representar o Brasil em congressos no exterior sobre controle biológico.

Outras pragas destroem citros e também estão na mira da Esalq. Em 1996 apareceu o mirador dos sítios, que ataca brotações de laranjais e aumenta o risco de cancro cítrico (doença sob controle no Estado), agravando as condições para o surgimento da doença. O inimigo natural importado da Flórida, nos Estados Unidos, mas já criado nos laboratórios do professor Parra, com apoio da Embrapa e outras empresas, é a Agniaspis citricola, descoberta em 1998.

Em parceria com universidades norte-americanas, japonesas e a de Viçosa (MG), a Esalq produz feromônios sexuais, substância que ajuda a combater o bicho-furão dos citros, que na década de 90 dava prejuízo de US$ 50 milhões ao Estado de São Paulo. Depois de três anos de pesquisa, o feromônio é distribuído aos fruticultores paulistas sob duas denominações. Uma filha do pesquisador, beneficiada com bolsa-sanduíche da USP, fez a síntese do feromônio nos Estados Unidos e o produto está prestes a ser lançado lá. Por aqui, a pesquisa de Parra mereceu o prêmio Destaque da Citricultura 2000, da Fundecitrus.

Nova praga em 2004, a Greening, que devastou citriculturas da Ásia, transmitida pelo pulgão psilideo, e nova inimiga natural, a vespinha Tamarixia radiata, que fez sucesso ao ser apresentada na Argentina (Concórdia) por uma aluna da Esalq. As pesquisas, nesse caso, foram realizadas por Parra junto com o professor Santin Gravena, da Unesp.

Tantos nomes complicados de insetos malvados e seus não mais simples inimigos naturais fazem o professor lembrar-se das aulas de latim no antigo ginásio. Pelo menos do qui quae quod (quem, no masculino, feminino e neutro).

Clínica do leite – Na Clínica do Leite, Paulo Machado, engenheiro agrônomo, professor titular na área de bovinocultura do leite e chefe do Departamento de Zootecnia, avisa: aqui se trabalha 24 horas por dia, em três turnos, com este objetivo: melhoria de produtividade e de qualidade. Na prática mesmo, isso significa ensinar os criadores a melhorar a alimentação do gado. Bem alimentado, todo mundo tem boa saúde e produz mais. Inclusive as vacas. Em 1996 foi criado, com ajuda da Fapesp, o projeto PSQL (Programa de Sustentabilidade e Melhoria da Qualidade do Leite).

São trabalhos pontuais em colaboração com empresas do setor, financiados, além da Fapesp, por outras instituições de fomento da pesquisa, que, afinal, captam recursos de vários setores, inclusive das empresas que participam do programa. Por isso mesmo os resultados das pesquisas da clínica são públicos e gratuitos. A transferência desse conhecimento para a sociedade se faz na forma escrita (livros, artigos) e oral (palestras, congressos). Com cooperativas de Minas Gerais está sendo tocado um projeto especial, pelo qual as empresas coletam e enviam amostras de 30 fazendas, enquanto a clínica desenvolve ferramentas e sistemas para melhoria da qualidade. Um aluno aproveita a parceria para desenvolver uma dissertação de mestrado, analisando resultados e propondo alternativas às empresas.

Número interessante: a Clínica do Leite faz exames de 160 mil amostras vindas de grandes empresas e pequenos e médios produtores (de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná e até de Alagoas), detectando os componentes do produto (gordura, lactose, proteínas); presença de substâncias nocivas (antibióticos, bactérias, sujidades, água) e presença de células somáticas (que denunciam doença no animal).

Os resultados dos exames ficam armazenados no banco de dados da Esalq, são enviados ao Ministério da Agricultura e também a cada produtor usuário da clínica. Isto é, quem mandou a amostra para análise fica sabendo tudo sobre o leite de sua fazenda ou sítio, se uma vaca está doente, como deve ser tratada etc. A clínica tem convênio com o Ministério da Agricultura, que criou uma rede nacional de sete laboratórios credenciados. O da Esalq é um deles.

Nos laboratórios da clínica quase tudo é automatizado. Um dos equipamentos em uso custou R$ 1 milhão, e há vários de custo parecido.

Machado informa: apesar de todo esforço do governo e da academia, só 40% do leite produzido no Brasil está de acordo com o padrão internacional de qualidade; 60% precisa melhorar, e muito. E o leite tem peso na economia nacional: é o quarto produto em faturamento, só ficando atrás de carne bovina, soja e milho, mas na frente de frango, café e cana-de-açúcar.

Além da Clínica do Leite, o Departamento de Zootecnia trabalha com bovinos, caprinos, aves, peixes, sempre na mesma perspectiva: melhorar a produtividade e a qualidade.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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