Para discutir
o fato de a população mundial estar engordando
cada vez mais, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP – através do Projeto de Atendimento
ao Obeso (Prato) – apresenta nesta segunda-feira, dia 26, às
14h30, a palestra “O avanço mundial da obesidade: por que estamos
engordando?”.
Ministrada pela endocrinologista Anete Hannud Abdo, a palestra
mostrará que
a obesidade é uma doença que contribui para a incidência
de outras doenças, reduzindo a qualidade de vida e a longevidade. “A
obesidade não é uma só doença, mas várias
doenças, de causas diversas, cujo denominador comum é o aumento
de gordura corporal”, disse Anete ao Jornal da USP, antecipando os temas
que abordará na palestra. Dados mostram que existe hoje no mundo 1,1
bilhão de pessoas acima do peso, das quais 310 milhões são
obesas.
A endocrinologista afirma que a obesidade vem crescendo assustadoramente
no mundo nas últimas décadas, a ponto de ser considerada uma
epidemia. Isso ocorre mais rapidamente nos países em desenvolvimento,
onde as taxas de obesidade triplicaram nos últimos 20 anos. “Assim,
agrava-se a situação desses países que, além de
ter que controlar as doenças infecciosas, agora têm que dispender
esforços e recursos no sentido de controlar a obesidade e todas as
doenças crônicas não-transmissíveis, cuja incidência
cresce com o aumento do IMC, o Índice de Massa Corpórea, como
enfartes, derrames, diabetes, hipertensão arterial, diversos tipos
de câncer e artroses.”
Nos Estados Unidos, 5,3% dos gastos nacionais com saúde são
atribuíveis à obesidade. “Engana-se quem ainda pensa que
essas são doenças de países ricos”, ressalta Anete. “Cerca
de 80% das mortes por doenças crônicas não-transmissíveis
no mundo ocorrem em países com baixa e média renda. No Brasil,
8% das mortes são ligadas ao aumento do IMC.” Ciclo vicioso – Segundo inquérito de saúde
realizado em 1997, no Brasil 40% dos adultos estão com excesso
de peso, sendo que 7% dos homens e 12,4% das mulheres apresentam
obesidade. Comparando os inquéritos realizados em 1989 e
1997, a obesidade diminuiu nas mulheres de maior renda e aumentou
nas de menor renda.
Com relação às crianças, Anete faz
alerta para outro agravante: a obesidade infantil aumentou 240%
no Brasil nos últimos 20 anos. “Se nada for feito,
a projeção para os próximos 20 a 30 anos é de
uma explosão das doenças cardiovasculares e diabetes,
com suas conseqüências no indivíduo, na família,
no sistema de saúde e na sociedade.”
A endocrinologista explica que esses fatores levam a um ciclo
vicioso. “As
pessoas pobres estão mais vulneráveis às doenças
crônicas não-transmissíveis por vários
motivos, entre os quais a maior exposição aos fatores
de risco e o menor acesso aos serviços de saúde,
e por sua vez as doenças crônicas não-transmissíveis
causam pobreza por diminuir os ganhos e aumentar os gastos da família
e do Estado. Os obesos gastam 77% mais em medicamentos do que quem
não tem problemas de peso.” Sedentarismo – Em todo o mundo, as pessoas estão
ficando também mais sedentárias. Cerca de 60% da
população mundial não pratica a atividade
física mínima recomendada e ainda consome alimentos
mais calóricos, com teores altos de açúcares
e gorduras saturadas.
Um exemplo disso é o consumo do feijão, que caiu,
nos últimos 30 anos no Brasil, para 31%, enquanto o consumo
de biscoitos e refrigerantes aumentou 400%. Sem contar que as porções
de alimentos nos pratos estão cada vez maiores.
A médica
Anete Abdo: "São
necessárias
medidas
governamentais para a prevenção e o tratamento da obesidade
e das doenças
associadas
a ela" |
Postula-se que até 70% da obesidade tem influência
genética, mas a obesidade aumentou muito num curto espaço
de tempo, sem que houvesse alteração importante no
pool de genes. “Portanto”, explica Anete, “a
genética é um fator predisponente, mas o ambiente é o
fator desencadeante e mantenedor da obesidade.” Para melhorar esse quadro, é importante que a pessoa obesa
reduza de 5% a 10% do seu peso, com o que estará diminuindo
em 50% o risco cardíaco e melhorando o metabolismo da glicose,
podendo evitar o aparecimento do diabetes ou facilitar o seu controle,
sugere Anete. Mudanças no estilo de vida, na forma de se
alimentar, por exemplo, podem evitar até 80% das doenças
coronarianas, 90% dos casos de diabetes e um terço dos casos
de câncer. “Aumentar a atividade física e melhorar
a alimentação não é simplesmente uma
opção individual”, reflete Anete. “São
necessárias medidas governamentais de promoção,
fornecendo informações corretas, como também
proteção e apoio, buscando oferecer condições
para que o indivíduo possa colocar em prática as
orientações recebidas”, propõe a endocrinologista.
Para melhorar a qualidade de vida da população brasileira,
Anete propõe campanhas educativas, segurança e iluminação
nas ruas, calçadas em bom estado, planejamento urbano com
parques e ciclovias, medidas legislativas como a rotulagem dos
alimentos e controle da propaganda, medidas tributárias
como impostos diferenciados para alimentos saudáveis e educação
continuada dos profissionais da saúde. “Tudo isso
faz parte da prevenção e do tratamento da obesidade
e das doenças crônicas a ela associadas.”
A palestra “O avanço mundial da obesidade: por que
estamos engordando?” será proferida pela endocrinologista
Anete Hannud Abdo nesta segunda-feira, dia 26, às 14h30,
no Anfiteatro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
(rua Doutor Ovídio Pires de Campos, 785, próximo à Estação
Clínicas do Metrô). Mais informações
pelo telefone (11) 3069-6974.
Alimentos pouco saudáveis dominam anúncios
na TV
Mais da metade das propagandas de alimentos veiculadas na televisão – que
correspondem a um quarto de todo o material publicitário transmitido – faz
apelo ao consumo de produtos ricos em açúcar, óleo
e gordura. A constatação é da psicóloga
Paula Carolina Nascimento, que realizou em seu doutorado um estudo
inédito no País sobre a influência da TV nos
hábitos alimentares de crianças e adolescentes. A
tese foi apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, sob orientação
do professor Sebastião de Souza Almeida.
Foram analisadas 640 horas de propagandas, transmitidas por três
emissoras de canal aberto. Do total analisado, cerca de 26% das
propagandas tinham alimentos como temática, sendo que, destas,
60% estavam relacionadas a alimentos ricos em açúcar, óleo
e gordura. “Verificamos uma ausência de frutas ou verduras
nessas propagandas”, afirma a pesquisadora. Apesar de não
representar uma ligação direta, esses dados apontam
para uma relação entre a televisão e hábitos
alimentares pouco adequados. Dieta
inadequada – Paula Carolina investigou o estado nutricional
e o tipo de alimentação de 816 alunos, da 1a à 8a
série do ensino fundamental de 12 escolas municipais e estaduais
de Ribeirão Preto. O índice de obesidade e sobrepeso
encontrado entre os escolares, com base no Índice de Massa
Corporal (IMC) foi elevado (24%).
A psicóloga identificou entre os alunos uma dieta inadequada,
pois, apesar de ser composta por arroz, feijão, carne e
salada – alimentos presentes na merenda escolar oferecida –,
ela é insuficiente. “Muitas vezes a merenda é a única
refeição dos alunos”, aponta a pesquisadora.
Além disso, a presença de refrigerantes, salgadinhos
e bolachas recheadas é maior na dieta dos escolares. “O
consumo de frutas e legumes é baixo, e o acesso a verduras
acaba restrito à escola.”
Os fatores que determinam a escolha dos alimentos na hora da
compra também são elementos importantes para a investigação
dos hábitos alimentares. A pesquisadora verificou que os
pais não estão acostumados a fazer lista de
compras e geralmente compram produtos novos, que eles vêem
na TV, do tipo industrializado, prontos para consumo. Da TV para a mesa – É por meio de elementos do cotidiano,
criadores de maior identificação, que as propagandas
veiculadas pela televisão buscam convencer seu público.
A avaliação de 45 comerciais feita por 46 estudantes
universitários da USP em Ribeirão Preto, aponta que
uma das maiores preocupações está em aproximar
o produto do dia-a-dia das pessoas, dentro de um contexto de rapidez
e praticidade. As propagandas apresentam alimentos de consumo rápido
em situações corriqueiras, como um café da
manhã, um lanche da escola ou um jantar romântico.
Além dos diversos recursos audiovisuais empregados para
estimular os sentidos, como cores e animação, as
propagandas procuram associar ao produto uma personagem que o consome – seja
ela representada por uma figura famosa ou não – “de
forma a afetar as crianças por meio da imitação”.
ALINE MORAES,
da Agência USP de Notícias |