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A Universidade é tão grande que, mesmo para nós que a freqüentamos todos os dias, parece impossível o acesso a tanto conhecimento. Penso sempre na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Como gostaria de ouvir as aulas de professores maravilhosos, como Luiz Tatit, Marilena Chauí, José Miguel Wisnik, Nicolau Sevcenko e tantos outros que fazem a USP ser este centro encantador e audível. Se o rádio estivesse presente, o sonho seria possível, ou seja, essas vozes estariam sendo ouvidas e depois estariam disponíveis em alguma biblioteca sonora. Ouviria aquilo que nunca ouvi. Além das aulas, faríamos os exercícios, estaríamos acompanhando as referências bibliográficas, além da explicação do mestre. Seria a escola amplificada.

O rádio contribuiria, assim, para a educação brasileira, quebrando as muralhas do ensino público, atingindo o cidadão comum, aquele sem acesso ao saber. A revolução na educação se daria pelo meio mais rápido e simples – o rádio. Muitos dizem que o modelo é difícil, mas o exemplo do professor Oswaldo Diniz Magalhães serve para alertar os que observam a dificuldade no que é simples.

Diniz ensinava educação física pelo rádio com o programa Hora da Ginástica, que ficou 51 anos e três meses no ar (de maio de 1932 até agosto de 1983), sendo 40 anos transmitido ao vivo e o restante em cópias de fita cassete ou disco de vinil. As informações eram enviadas por correio, adquiridas em bancas de jornal ou nas emissoras que integravam o sistema de divulgação da ginástica pelo rádio. Agora, o aluno-ouvinte receberia as informações pela internet.

O lema do professor era: “Em cada lar, um ginásio; e em cada família, uma turma de rádio-ginastas”. A força do programa se devia ao fato de Diniz considerar o rádio como um meio de comunicação poderoso, pelo seu poder de ubiqüidade, por estar em toda parte ao mesmo tempo, vencendo imensas distâncias. Informações preciosas estão disponíveis no livro do professor e pesquisador Sérgio Carvalho, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, lançado em 1994 pela Editora da UFSM.

Agora, gostaria de propor, neste artigo, uma alternativa de ampliação e aproveitamento dos espaços sonoros nas universidades brasileiras. Um projeto que envolveria educadores e profissionais da comunicação, com o objetivo único de democratizar o ensino e também os meios de comunicação do nosso país. O plano de uma Universidade Radiofônica surge, justamente, no momento de discussão sobre o conteúdo a ser emitido por meio dos novos recursos tecnológicos, como o digital. A dúvida surge porque as emissoras de rádio possuem práticas para elas sustentáveis em termos de conteúdo e formato, que podem preencher as lacunas conforme o volume de programação.
A possibilidade da emissão de programas direcionados à educação agride o pacto já estabelecido, justificado pela facilidade para a produção interna dos modelos tradicionais de transmissão radiofônica. Sair desse rótulo é difícil, mas a busca pelos sons educativos poderia ser uma saída para os produtores de rádio.

Sempre conversamos sobre o papel dos meios de comunicação para o ensino superior a distância em encontros na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Nesse contexto, especialistas destacam a simplicidade e o baixo custo do rádio como elementos essenciais para a busca de uma universidade aberta, pública e viável, que vá além dos muros da sala de aula. O sentido é ampliar o conhecimento pela expansão do universo escolar que, na maioria das vezes, fica limitado às pessoas que possuem o privilégio de estar presentes no local.

Talvez desconheçamos ou mesmo estejamos presos aos atuais processos radiofônicos voltados à divulgação do conhecimento. Sempre que algum especialista deseja divulgar ou explicar algum assunto de interesse público, vem aquela entrevista, muitas vezes cansativa, cheia de perguntas soltas feitas pelo entrevistador, sem uma linha que possa ser seguida pelo ouvinte. Outro exemplo, um pouco mais claro para a compreensão, é voltado para a opinião, em que o especialista orienta o público pelo tratamento de um assunto pautado pela própria emissora de rádio. A análise limitada pelo tempo de exposição obriga à síntese pelo comunicador, prejudicando uma reflexão contínua e profunda, como aquelas em que o estudante está acostumado nas disciplinas freqüentadas na graduação e na pós-graduação. Enfim, a limitação pelo conteúdo restringe a interpretação.

Agora, quantas aulas poderiam ser transmitidas pelas emissoras de rádio, principalmente pelas que possuem um modelo voltado para emissão de programas educativo-culturais? A justificativa se condiciona pela liberdade que esses meios têm para a introdução de novos programas radiofônicos, desvinculada da condição mercadológica das emissoras comerciais. Também é importante observar que, para encontrar a fórmula ideal, é necessário experimentar outros formatos e conteúdos, por meio de uma linguagem que integre a dinâmica do educador e o processo de transmissão, sem prejuízo aos ouvintes internos e externos.

As transmissões dependem apenas da concordância dos envolvidos no processo, que, assim, possibilitariam a abertura do espaço sonoro, antes limitado apenas aos presentes no local. Alguns poderiam pensar que o modelo é prejudicial aos grupos de trabalho, mas isso se resolveria com a inclusão do meio radiofônico no planejamento diante dos recursos e da metodologia a ser aplicada.

As gravações das aulas, por exemplo, poderiam ser editadas posteriormente, sem prejuízo ao docente e aos discentes, como também facilitaria a compreensão do aluno-ouvinte. Para isso, os produtores precisam organizar um roteiro de cobertura. A estratégia se define pelo cronograma de produção, definindo, anteriormente, as principais necessidades diante dos recursos técnicos e humanos e do período entre a gravação e a transmissão. Além disso, depois de pronto, o material precisa passar pela revisão e checagem do professor. Nesse contexto, o produtor também pode acrescentar outros documentos sonoros, como forma de ilustrar ou ampliar os conceitos transmitidos em sala.

Também é possível definir o tempo de duração, sem prejudicar a programação da emissora. Num curto período, de cinco minutos, por exemplo, o professor pode difundir um tema específico. Os programas são gravados, editados e transmitidos em série, um por semana, até o final do curso.

Outra alternativa é a transmissão ao vivo dos cursos oferecidos na universidade. As emissoras, porém, teriam de abrir e ajustar a programação e se adaptar conforme a dinâmica previamente planejada pelo professor, principalmente diante das pausas que ocorrem em sala de aula. Além da transmissão contínua e completa da aula, várias opções poderiam ser oferecidas, como a transmissão somente no momento da explanação do ponto pelo professor ou dividida em blocos, com a inclusão do debate com os alunos. Disciplinas teóricas se adaptariam melhor ao modelo de transmissão ao vivo, justamente por oferecerem um amplo repertório sonoro, tanto pelo professor quanto pelos alunos.
Além das aulas, muito material sonoro também é perdido em encontros, como palestras, seminários e congressos. Esse material pode ser aproveitado pelas emissoras educativas ou mesmo gravado, servindo como documento sonoro para pesquisa e ensino, sendo disponibilizado na internet ou mesmo transmitido em horários em que as emissoras ficam repetindo músicas já tocadas ou reprisando programas.

Momentos importantes como a colação de grau, as reuniões das entidades representativas de alunos, funcionários e professores, os saraus universitários, os grupos de discussão, entre tantos outros sons e conhecimentos perdidos, também podem ser transmitidos, exibindo, para quem não pode estar no local, os momentos audíveis desses importantes rituais.

O movimento radiofônico passa pelos faladores. E como os brasileiros gostam e precisam emitir sons! Tantas pessoas desejam recitar uma poesia, divulgar o esporte praticado, popularizar os números, prevenir doenças, enfim, passar ao outro a informação que está contida e limitada. As produções independentes e as elaboradas pelas emissoras educativas seriam retransmitidas, aproveitando outra tecnologia simples e barata que é o autofalante. Na USP, por exemplo, um ambiente para a literatura na FFLCH, para o esporte no Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas da USP), para a saúde no Hospital Universitário e no Hospital das Clínicas, para os números na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), na Escola Politécnica e nos institutos de ciências exatas.

É o momento de divulgar e também preservar o som educativo, de fazer da comunicação o elemento de integração e acesso, compartilhando os assuntos que debatemos neste universo de conhecimento. E a ECA é o melhor espaço para o desenvolvimento dessas pesquisas.

Luciano Maluly é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 

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