Quem vê o rosto jovial de Robson Francisco
de Brito não imagina a vida de sofrimento por trás
de seus 34 anos de idade. Carioca “nascido e criado” no
Rio de Janeiro, Robson perdeu seu sotaque nas andanças pelo
País em busca de um caminho a seguir e de uma família
para amar. Hoje ele é paulista de coração,
grato à cidade e à USP, que o acolheu no Projeto
Curingão e mostrou-lhe os encantos da escrita e da poesia
como uma opção à vida de vícios e tristezas.
Robson e seu livro, lançado no dia da formatura da terceira
turma do
Projeto Curingão, em março: “A USP me deu
apoio incondicional em tudo que eu precisava”, afirma
o Poeta Carioca, que agora quer trabalhar,
ganhar dinheiro e dar ao filho, finalmente, uma certidão
de nascimento |
Essa história começou em 1979, quando Robson tinha
apenas 6 anos. Seu pai já havia saído de casa e sua
mãe, dona Eva, se dedicava integralmente à filha,
portadora de uma deficiência física que dificultava
sua locomoção. Sem ter como cuidar de Robson, ela
decidiu colocá-lo num colégio interno, local de suas
memórias mais antigas. Robson permaneceu nesse colégio por cinco anos, até que
Eva, casada e com mais um filho, decidiu trazê-lo de volta
ao lar. Ao contrário de suas expectativas e desejos, aos
13 anos Robson foi recebido como um estranho, alguém alheio à renovação
que havia ocorrido na família. O primogênito era visto
como um empecilho ao novo relacionamento de sua mãe e seus
irmãos não cansavam de repetir como ele não
era amado naquele lar. “Eu passei a ser a pessoa que representava
tudo de ruim na casa. Meus valores ficaram perturbados porque eu
não entendia, ali estava a minha família”,
revela Robson, ainda ressentido. Tortura psicológica – Aos 15 anos de idade, decidiu
sair definitivamente de casa para as ruas cariocas. “Mesmo
sendo apenas um adolescente, sabia que o sofrimento que eu passava
do lado da minha mãe era menor do que aquele que passaria
na rua. Preferia passar fome ou frio a sofrer a tortura psicológica
de não ser querido em meu próprio lar”, justifica.
Um dia, vagando pelas ruas da cidade, Robson conheceu a pessoa
que mudaria seu destino. Sobre o viaduto Marechal Hermes, conheceu
seu Dílson, um lustrador de móveis, que o convidou
para trabalhar com ele. Logo Robson descobriu que aquele homem
queria mais que um funcionário, queria um filho para substituir
aquele que tinha perdido de maneira abrupta, havia pouco tempo.
Assim Robson encontrou finalmente a relação afetuosa
de pai e filho que tanto buscava. Foram 15 anos trabalhando e vivendo
ao lado de seu Dílson, que se tornou seu grande protetor,
de tudo e de todos. “Ele me deu amor e carinho, coisas que
não tinha na minha família. Logo percebi que ele
era a minha família verdadeira e os outros eram apenas o
restante”, avalia.
Mas a vida de Robson ainda lhe guardava grandes reviravoltas.
Seu Dílson faleceu e, aos 30 anos, Robson estava sozinho novamente.
A perda de seu ente mais querido o acometeu de uma profunda depressão. “Eu
não tinha paz, não sabia o que fazer. Comecei a procurar
na bebida o alívio para a minha dor”, lembra.
Robson trabalhava como cobrador de ônibus quando dois jovens
pediram ao motorista para divulgar e arrecadar fundos para a Casa
de Recuperação Manacéis. Distribuíram
canetas aos passageiros e deixaram com ele um contato, caso algum
passageiro se interessasse mais tarde. Lá ele buscou ajuda
para se livrar do vício da bebida. “Gostei muito do
projeto porque, além de me ajudar, tive a oportunidade de
ajudar outras pessoas com as mesmas dificuldades”, conta
Robson sobre a descoberta de sua vocação para ajudar
o próximo.
Com um talento nato para discursos, Robson logo estava fazendo
o mesmo trabalho dos dois jovens. Durante um ano, ele viajou para
casas de recuperação em Curitiba, Minas Gerais, Porto
Alegre, Salvador e São Paulo, onde continuou seu tratamento
e o trabalho de divulgação dos projetos sociais.
Com o final do tratamento, Robson começou novas andanças,
desta vez na busca de um emprego. Seguindo a notícia de
contratação de ajudantes para uma grande obra, ele
foi parar em Vitória da Conquista, cidade do interior da
Bahia com menos de 300 mil habitantes. Novo começo – Como em muitos momentos de sua vida,
Robson foi novamente surpreendido por uma reviravolta. A construção
havia sido adiada e, sem dinheiro ou emprego, Robson foi encaminhado
para a Casa do Andarilho, albergue onde conheceu e se apaixonou
por Adriana, mãe de seu filho. Com 17 anos, Adriana era órfã e
tinha um filho de 7 meses. “Logo que a vi senti uma coisa
diferente, ela tinha um olhar triste e a fala mansa que denunciavam
sua história triste”, descreve Robson.
O relacionamento durou apenas alguns meses, mas rendeu a Robson
a experiência mais emocionante de sua vida, ser pai. Porém,
as coisas eram mais complicadas do que ele poderia imaginar. Adriana
não tinha registro de nascimento, o que impediria que recebesse
auxílio médico no parto. Robson, que já havia
conseguido um emprego em uma firma de engenharia local e alugava
uma casa, procurou ajuda no Conselho Tutelar para que registrassem
Adriana. “Eu fiz tudo para dar certo porque ali eu me sentia
pronto. Achava que ali eu ia sedimentar minha história,
começar uma família”, conta.
Com o nascimento da criança, em julho de 2005, e Adriana
ainda sem documentos, o Conselho Tutelar procurou Robson para sugerir
a adoção da criança. A mãe não
se importava em ceder seu filho a uma outra família, mas
Robson, que sofria até aquele dia a falta de um pai, lutou
para impedir a adoção. “Depois de receber a
notícia, olhei para minha criança e minhas lágrimas
desceram. Prometi de coração que daria tudo para
ela, mas naquele momento não podia dar nada”, relata.
Abalado com a situação, em fevereiro de 2006 Robson
pediu demissão e partiu para São Paulo, com o sentimento
de que aqui alguma coisa nova aconteceria. Sem dinheiro ou emprego,
foi alojado no albergue Apartar.
Seus pressentimentos estavam certos. Foi na capital paulista
que o errante Robson viveu um verdadeiro novo começo. Foi selecionado
para participar da terceira turma do Projeto Curingão da
USP, que visa à qualificação profissional
de albergados. “Quando a assistente social me perguntou o
que eu queria, eu disse que queria um trabalho para resgatar meus
valores e cuidar do meu filho. Mas eu queria mesmo era uma oportunidade
de ser tratado com respeito, como fui aqui”, conta.
No campus da USP, Robson aprendeu jardinagem e calcetaria (manutenção
de calçadas), teve o acompanhamento de psicólogos
e todo o apoio para se livrar do vício que o acompanhou
por toda a vida. “O Robson chegou agressivo, receoso de se
relacionar com os colegas. Hoje ele está com outro aspecto,
muito animado, confiante e agradecido pelas oportunidades”,
descreve o engenheiro José Eduardo de Sá Sonnenwend,
coordenador do projeto.
Quase um ano depois, Robson é mais do que um jardineiro
ou calceteiro. É o Poeta Carioca, elogiado por todos aqueles
que o conhecem. Com apoio de todos os participantes do Curingão,
ele começou a escrever seus versos em homenagem àqueles
que o ajudaram. Os professores, os assistentes sociais e até São
Paulo se transformaram em líricos poemas.
Para sua completa realização, Robson viu seus textos
transformados em um livreto, revisado e impresso pelos funcionários
da Prefeitura da Cidade Universitária. A obra foi lançada
oficialmente no dia 30 de março passado, data da formatura
da terceira turma do Projeto Curingão. “A USP me deu
apoio incondicional em tudo que eu precisava. Descobri que minha
mente é capaz de aprender infinitas coisas e agora quero
entrar na área de publicidade. Com o dinheiro que conseguir,
quero voltar para Vitória da Conquista, ver meu filho e
finalmente registrá-lo como Dílson”, planeja,
pela primeira vez, o Poeta Carioca. Contatos com Robson Francisco de Brito, o Poeta Carioca, podem ser
feitos pelo e-mail poetacarioca34@yahoo.com.br.
Projeto ajuda albergados
Participantes do Projeto Curingão: prontos
para o mercado
de trabalho Iniciado em 2005, graças a uma parceria
entre a Prefeitura de São Paulo e a USP, o Projeto Curingão
oferece qualificação profissional a albergados e
desempregados da capital. Seu nome se deve à versatilidade
da formação, que inclui pelo menos duas profissões,
cada uma aprendida em quatro meses de aulas. “A pessoa pode
escolher entre jardineiro, calceteiro, hidráulico e pintor.
Mas a maioria escolhe jardineiro e calceteiro, que tem maior procura
dentro da USP e também no mercado”, explica o engenheiro
José Eduardo
de Sá Sonnenwend, coordenador do projeto.
As turmas são anuais e reúnem cerca de 40 pessoas,
selecionadas pela Secretaria de Trabalho da Prefeitura paulistana.
A formação, majoritariamente prática, dá aos
alunos um certificado na profissão escolhida. Eles também
recebem acompanhamento de psicólogos, aulas de reforço
escolar e, para aqueles que chegam com dependência química,
a indicação de uma clínica para tratamento.
Durante o curso, os alunos trabalham seis horas diárias
dentro do campus da USP em São Paulo e recebem uma bolsa
de R$ 360,00, além de almoço nos restaurantes universitários.
Depois de formados, a Prefeitura os insere num banco de trabalhadores
e oferece também a participação em cooperativas
de empregados. “A idéia é qualificá-los
para que possam ter maiores chances no mercado, como autônomo,
em cooperativas ou em empresas”, resume Sonnenwend.
|