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As publicações em periódicos especializados e indexados são demonstrativos essenciais tanto da presença quanto da qualidade da produção científica. De fato, a qualidade e quantidade de artigos científicos publicados podem ser usadas para mensurar o “poder” e o “prestígio” científico de países, regiões e, em particular, de universidades e centros de pesquisa.
Do ponto de vista cognitivo, um novo conhecimento somente adquire o seu valor quando ele é difundido dentro da comunidade, pois somente assim poderá contribuir para o avanço científico. E, do ponto de vista social, a publicação de novos descobrimentos é uma etapa essencial do processo de investigação, permitindo ao cientista obter o reconhecimento de seu próprio trabalho. Certamente, são essas as razões que fazem da publicação científica um elemento essencial e robusto dentre as diversas atividades da comunidade científica. É inquestionável que a pesquisa tem um papel relevante no desenvolvimento científico-tecnológico das nações e, por conseqüência, muito responde pelo bem-estar social, material e subjetivo de suas respectivas populações.

Assim sendo, é muito importante que um estudo da atividade científico-tecnológica, que se pretenda completo, considere tanto a quantidade e qualidade de trabalhos publicados como o número de patentes registradas, uma vez que estas se constituem no principal indicador do estágio de inovação do país.

Produção brasileira – Considerando a base de dados norte-americana conhecida como Institute for Scientific Information (ISI), a qual reúne as então consideradas mais relevantes publicações do mundo, podemos constatar que, no ano de 2005, o Brasil produziu 1,8% da produção científica mundial em revistas indexadas. Indexada significa que a revista está registrada em algum banco de dados que serve como referência de sua própria qualidade. O mais importante deles é o Web of Science (WoS), do ISI. Assim considerando, no último ano a produção científica brasileira cresceu 19%. De fato, em 2004, os cientistas brasileiros publicaram 13.313 artigos, ou seja, 1,7% dos artigos científicos do mundo e em 2005 eles totalizaram 15.777 publicações, alcançando 1,8% da produção científica mundial. Importante destacar que entre 1980 (2.215 artigos) e 2005 (15.777 artigos) a produção científica brasileira foi multiplicada por sete.

Esse aumento na produção científica foi impulsionado principalmente por estudos gerados na área de medicina. De fato, o número de artigos na grande área de clínica médica foi de 3.113, enquanto houve 2.368 na área de física, 2.167 em química, 1.619 artigos em pesquisa animal e vegetal e 1.215 em biologia e bioquímica. Comparativamente, nessas áreas o Brasil está relativamente bem, mas muito mal em ciências humanas, especialmente em economia, administração e letras. Considerando tudo isso, hoje, o Brasil ocupa a 17ª posição no ranking da produção científica mundial. Se essa taxa de crescimento persistir e se os recursos não minguarem, nos próximos cinco anos poderemos ultrapassar a Suíça e a Suécia, ocupando a 15ª posição. Isso seria certamente uma grande conquista dos cientistas brasileiros e estaríamos entre as 30 nações que produzem 98% da ciência mundial.

Porém, comparado com a produção de outros países, como Estados Unidos (33%), Reino Unido (7,4%), Itália (4,4%) e Espanha (3,3%), esse valor, ainda que modesto, revela que, ao longo dos últimos cinco anos, o Brasil cresceu 49% em participação intelectual indexada, um crescimento muito superior à média mundial. Esse dado coloca o Brasil na liderança entre os países latino-americanos, certamente, mas ainda muito atrás de países como a Coréia, a Espanha e a Índia, os quais, nos últimos anos, têm se destacado pela produção e por grandes investimentos em ciência e tecnologia (C&T).

Liderança latino-americana – O Brasil, portanto, é o país latino-americano com o maior número de trabalhos publicados, bem como o que mostrou o maior crescimento. Em 2001, por exemplo, o Brasil produziu 44,1% de toda a produção científica da América Latina, enquanto o México gerou 19,6% desse total. Ao lado dos brasileiros, os argentinos, chilenos e mexicanos assinam 90% dos artigos latino-americanos veiculados em periódicos indexados.

Interessante ainda é observar a quantidade de publicações em relação ao número de habitantes, considerando o biênio 1999-2001. Nesse quesito o Brasil ocupa a 11ª posição, produzindo 39 artigos por milhão de habitantes, quando comparado com países emergentes da Ásia, África, América Latina, Leste europeu e Rússia. Nesse caso, Argentina (78), Chile (76) e Uruguai (48) produzem mais artigos por milhão de habitantes. O Brasil se posiciona, por conseguinte, melhor que o México (32).

Como vimos até o momento, a produção científica nacional – medida pelo número de trabalhos publicados em revistas indexadas – vem crescendo substancialmente nos últimos 25 anos (de 2.215 artigos em 1980 para 15.777 em 2005). Todavia, a inserção da pesquisa produzida por nossos cientistas em periódicos de maior impacto, como a Nature e Science, ainda é pequena. O fator de impacto é um indicador da importância da revista que publica os trabalhos, sendo medido pelo número de vezes que aquela publicação é citada por outros trabalhos. Nature e Science, ainda que não sejam atualmente as revistas de maior impacto, são as mais influentes entre as revistas de ciências em geral, com grande visibilidade também fora do meio acadêmico.

Por sua vez, considerando o número de trabalhos publicados pelos cientistas brasileiros, coreanos e argentinos nas revistas Nature e Science, ao longo do período de 1976 a 2005, distribuídos em intervalos de cinco anos, o Brasil (65), ainda que mais destacado nesses periódicos que a sua vizinha Argentina (38), entre 2001 e 2005, ficou levemente abaixo do número de citações da Coréia da Sul (68). Importante lembrar que o PIB (ano de 2005) da Coréia, com uma população de aproximadamente 49 milhões, é de cerca de 1,099 trilhão de dólares, enquanto o do Brasil, com 180 milhões de habitantes, é de cerca de 800 bilhões.

Depreendem-se também desses dados que são raros os estudos publicados nessas revistas com autores e instituições exclusivamente brasileiros ou que têm, pelo menos, cientistas brasileiros como autores principais. Em outras palavras, há uma sensação geral entre os cientistas brasileiros de que os trabalhos só recebem atenção quando a autoria é acompanhada do nome de algum pesquisador ou instituição estrangeira. As razões para isso não são muito fáceis de serem explicadas, variando desde preconceito ou restrição até entendimento de que a nossa ciência, no geral, continua mais fraca que a dos países desenvolvidos.

Patentes e inovação – Entretanto, apesar desse vigor científico, o progresso gerado por ele não tem sido ampliado ao registro de patentes. Inovação é uma condição fundamental para os países que desejam se destacar no mundo internacionalizado. É cada vez mais evidente a relação inequívoca entre PIB, produção científica e de patentes. Os produtos baseados em tecnologia são aqueles que mais geram riqueza. Investir em inovação é sinônimo de crescimento do PIB. Não é, portanto, gratuito que as três maiores economias do planeta – Estados Unidos, Japão e Alemanha – tenham também os melhores indicadores de patentes e produção científica. O Estado de São Paulo, com a participação das universidades públicas, tem dado um singular exemplo a partir da criação de diferentes parques tecnológicos, um deles situado no campus da USP em Ribeirão Preto.

Nesse contexto, o Brasil está na 26ª posição no ranking mundial de países que mais registram patentes internacionais, e entre as nações em desenvolvimento está em 6º lugar, com apenas 283 patentes registradas no ano de 2005. Houve apenas um crescimento de 0,7% em relação a 2004, ou seja, apenas dois pedidos a mais. Com isso, o Brasil está distante de Rússia, Índia e China, consideradas nações emergentes. Esse dado atesta a falta de conexão entre a produção científica brasileira e o desenvolvimento na indústria. Esse é um problema que persiste há mais de 20 anos e que, talvez, possa ser solucionado ou minimizado com a implementação da Lei de Inovação de 2004 e da Medida Provisória do Bem, que prevêem incentivos fiscais para a empresa que investir em inovação tecnológica. Também os fundos setoriais voltados a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação poderão ajudar a reverter ou curar essa doença crônica.

Mas a principal razão é que uma das principais características do modelo de produção científica no Brasil é que essa produção está, sobretudo, centralizada nas universidades públicas. Em outras palavras, supõe-se que lugar de pesquisa é na universidade. Ao contrário, em nações industrializadas, mais da metade está na indústria, que gera 90% das patentes. Por exemplo, na Coréia do Sul, dos 124 mil profissionais com esse perfil, mais de 60% estão na indústria. No Brasil, o índice é de 18%. Devido a isso, a Coréia pode se posicionar em 6º lugar no ranking mundial, com 4.747 pedidos de registros em 2005. A maioria dos pedidos se origina de pesquisadores lotados em empresas, dos quais 64% têm mestrado ou doutorado. No Brasil, são apenas 14%.

Há, certamente, um longo caminho a ser percorrido pelos brasileiros entusiastas da ciência e tecnologia. Recentemente a revista norte-americana Computing in Science & Engineering publicou as conclusões elaboradas por um grupo interdisciplinar que analisou dados relativos ao Produto Interno Bruto per capita, às patentes e aos artigos científicos publicados por 183 países nas últimas três décadas. As análises endossaram a forte correlação entre ciência e tecnologia no desenvolvimento mundial e suas conclusões alertam que o modelo brasileiro de desenvolvimento deve ser imediatamente reestruturado.

O Brasil precisa acelerar o crescimento. A baixa interação entre ciência e tecnologia no País é mais preocupante do que se imagina. Nossa produção científica cresce a uma velocidade de aproximadamente 7% per capita ao ano. Mesmo que esta fosse dobrada em uma década, permaneceríamos no mesmo lugar, em comparação com países em desenvolvimento. Precisamos, portanto, triplicar os investimentos em inovação para que possamos entrar no time da primeira divisão, caso contrário, vamos permanecer sempre na terceira divisão e com o agravante de podermos cair para uma quarta divisão, a ser criada num futuro próximo.

Por tudo o que foi acima explicitado, é possível afirmar que a ciência feita por brasileiros está crescendo. Os cientistas têm feito sua parte. Entretanto, o governo, por sua vez, muito pouco. O investimento brasileiro em C&T não faz jus à sua participação no PIB mundial. É evidente que, apesar do crescimento do número de artigos publicados, isso não tem refletido diretamente em inovação e, especialmente, no índice de registros de patentes. A principal lição que podemos tirar desses dados é: o Brasil precisa correr o mais depressa possível se ainda quiser ficar no mesmo lugar. E, mais objetivamente, se pretende alcançar um lugar no pódio, deverá certamente triplicar sua velocidade de investimento e de produção. Ilusão de sabedoria é algo, portanto, que se faz desnecessário. Avança, Brasil!

José Aparecido da Silva é professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e prefeito do campus da USP em Ribeirão Preto

 

 

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