Depois de 50 dias bloqueado pela ação
de estudantes e funcionários que participaram da ocupação
deflagrada no início de maio, na semana passada o prédio
da Reitoria da USP permaneceu durante dois dias fechado para o
público externo, sendo permitida apenas a entrada de funcionários
dos setores de trabalho ali localizados. O fechamento foi determinado
pela Reitoria para que fossem realizados os levantamentos dos prejuízos
em cada setor. Logo na manhã da segunda-feira (25), uma
reunião esclareceu os servidores sobre o quadro da Universidade
após a saída dos ocupantes e os procedimentos para
o registro dos danos materiais ou documentais em cada área.
Os servidores receberam formulários e instruções
sobre o seu preenchimento. Estima-se que o levantamento completo
dure cerca de 20 dias.
Em entrevista a emissoras de rádio da capital na última
quarta-feira (27), a reitora Suely Vilela disse que 46 computadores
da Reitoria foram violados, dos quais somente 13 poderão
ser recuperados. Equipamentos como notebooks, monitores, projetores
multimídia, impressoras e scanner podem ter sido furtados,
registrou a reitora, que ainda salientou que há prejuízos
imateriais, como “dano intelectual, moral e de documentos
históricos”. “Não há o que comemorar.
A instituição foi duramente ferida na sua integridade.
O sentimento agora é uma mistura de indignação
e melancolia”, declarou Suely Vilela à Rádio
Eldorado. À imprensa, alunos que participaram das manifestações
admitiram que “pessoas não comprometidas com o movimento” e
não ligadas à USP – como os estudantes vindos
de várias partes do País que participaram de um congresso
no último final de semana da ocupação – circularam
pelos espaços da Reitoria.
Termo de compromisso – A ocupação terminou
na sexta-feira (22) e já no dia seguinte o Instituto de
Criminalística da Polícia Técnico-Científica
de São Paulo realizou perícia nas partes interna
e externa do prédio. Os laudos devem ser divulgados em até 30
dias. Ainda no domingo (24), os responsáveis pelos setores
administrativos fizeram uma primeira avaliação das
condições de trabalho e iniciaram a adoção
de providências para o retorno às atividades. O final
da ocupação teve tumulto entre grupos de estudantes
favoráveis e contrários à saída do
prédio. Alguns alunos também jogaram baldes com água
e sabão na direção de repórteres, fotógrafos
e cinegrafistas que registravam as cenas. Por cerca de uma hora,
diversas frases pedindo a continuidade do movimento foram cantadas
por alunos que permaneceram à frente do prédio.
Já na quinta (21), uma assembléia-geral dos estudantes
da USP decidira pela desocupação caso a reitora Suely
Vilela assinasse um termo de compromisso. Segundo o documento,
os “atos praticados ligados ao exercício de greve,
de protestos, ainda que envolvidos em ato em si de ocupação,
não deverão levar a punição a estudantes,
funcionários e professores, na medida em que forem caracterizados
como atos de manifestação própria e natural
do movimento sindical e estudantil. A apuração de
fatos decorrentes da ocupação e do exercício
do direito de greve deverá ser precedida nos termos da aferição
administrativa, normal e obrigatória, dos danos, prejuízos,
abusos e excessos sofridos pela Universidade. Constatados excessos,
abusos e prejuízos, os responsáveis, se identificados
responderão de acordo com as respectivas participações,
assegurado o direito do contraditório e da ampla defesa.
A condução da sindicância caberá à Comissão
definida pela Reitoria”. Tendo em vista o levantamento dos
prejuízos ora em andamento, não está descartada
a adoção de medidas legais e de ordem regimental
contra os responsáveis.
O termo ainda garante uma audiência pública sobre
o Inclusp (Programa de Inclusão Social da USP, que, entre
outras medidas, beneficia alunos vindos da rede pública
no vestibular) e a “construção do 5o Congresso
da USP, cuja pauta única será o novo estatuto da
Universidade”. Reformas de infra-estrutura na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e no Departamento
de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Fofito),
além da construção de novas moradias estudantis,
também estão previstas no documento.
A saída dos alunos foi condicionada ao fim da greve dos
funcionários da USP, decidida em assembléia também
no dia 22. Os professores István Jancsó (Instituto
de Estudos Brasileiros), João Hansen, Paulo Arantes, Francisco
de Oliveira (FFLCH) e Luis Renato Martins (Escola de Comunicações
e Artes) atuaram como facilitadores na negociação.
O termo de compromisso assinado entre a Reitoria e os funcionários
também garante a não-punição de servidores
envolvidos em atos caracterizados como “de manifestação
própria e natural do movimento sindical e do movimento estudantil”,
o não desconto dos dias parados e a criação
de uma comissão que vai tratar da pauta específica,
incluindo o aumento do auxílio-alimentação.
A negociação envolvendo a data-base dos servidores
das três universidades estaduais foi interrompida no dia
18 de junho, depois que estudantes da Unicamp invadiram as dependências
da Diretoria Acadêmica da universidade. O Conselho de Reitores
das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) cancelou a reunião
que ocorria naquela tarde com o Fórum das Seis, que congrega
os sindicatos de docentes e funcionários da USP, Unesp e
Unicamp, condicionando a retomada das negociações à saída
dos estudantes – o que ainda não havia acontecido
até o fechamento desta edição. Um abaixo-assinado
no site da Unicamp, aberto aos docentes das três
universidades, condena os procedimentos dos invasores e defende
o diálogo para a resolução dos conflitos.
O Cruesp concedeu reajuste de 3,37%, já incorporado à folha
de maio.
Debate – O fechamento do prédio que abriga a administração
central causou não apenas prejuízos materiais para
a Universidade. Atrasos em inúmeros procedimentos, não-emissão
de diplomas, perda de prazo de processos e transtornos para alunos
com estágios e períodos de estudos agendados no exterior
são alguns deles. A greve deflagrada por parte dos funcionários – que
se estendeu de 16 de maio a 22 de junho – e dos professores – de
23 de maio a 11 de junho – paralisou apenas parcialmente
algumas unidades. Houve casos de unidades de ensino em que alguns
departamentos mantiveram as aulas normalmente, inclusive na graduação,
enquanto outros não trabalharam. Em relação
aos funcionários, a paralisação foi realmente
efetiva apenas nos setores em que o acesso foi bloqueado, como
na Antiga Reitoria, na Prefeitura do Campus da Capital e nos restaurantes
universitários, que reabriram na semana passada, após
uma limpeza.
Algumas bibliotecas também fecharam, mesmo em unidades em
que as aulas seguiram normalmente. Essa situação
prejudicou especialmente os alunos de pós-graduação,
cujos prazos se mantêm, independentemente das paralisações.
Na Biblioteca Florestan Fernandes, da FFLCH, o expediente externo
estava fechado, porém alguns funcionários fizeram
a catalogação de muitas obras importadas (em inglês,
alemão, francês e espanhol, por exemplo, além
de volumes vindos de Portugal) recém-adquiridas por meio
do Projeto FAP – Livros V, da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp).
De um modo geral, porém, “a USP não parou”,
como registraram no título de um artigo publicado no dia
14 de junho na Folha de S. Paulo os professores Sylvio Sawaya,
Alejandro Szanto de Toledo e Hans Viertler, diretores respectivamente
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, do Instituto de Física
e do Instituto de Química (outros 56 dirigentes também
subscreveram o documento). “A maioria das unidades manteve
suas atividades de ensino, pesquisa e serviços de extensão,
com realce para aqueles relacionados à saúde, caso
dos hospitais, clínicas odontológicas e postos de
saúde”, diz o texto.
Esse artigo, ao lado de inúmeros outros publicados na imprensa
e que retratam diversas opiniões a respeito de todo o episódio,
estão disponíveis no Portal
da USP,
numa demonstração de que os profissionais da Coordenadoria
de Comunicação Social (CCS), mesmo privados do acesso
ao prédio em que trabalham (Antiga Reitoria), mantiveram
noticiário atualizado a respeito do movimento e também
de todos os setores da Universidade que continuaram funcionando
normalmente.
A diversidade de opiniões manifestadas na imprensa, além
da ampla cobertura dedicada por todos os meios de comunicação
ao movimento, trazendo a público discussões fundamentais
sobre o papel do ensino superior público e a importância
da autonomia das universidades, demonstram que, a despeito de todos
os conflitos registrados no período, é acertado o
diagnóstico feito no artigo “A USP não parou”: “O
fato maior, que rebate todos os mitos criados, é que a Universidade
de São Paulo não teme o futuro, pelo contrário,
deseja esse futuro, porque se sabe forte e capaz de contribuir
para o desenvolvimento do País e da nação.
Os percalços ora enfrentados são infinitamente menores
do que esse destino manifesto”
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