A Cidade Universitária acaba de ganhar uma nova obra de
arte. Finalizada na semana passada, a Coluna Civilizatória
está instalada entre o Instituto de Matemática e
Estatística (IME) e o Instituto Oceanográfico (IO),
em comemoração ao Dia do Meio Ambiente, celebrado
mundialmente em 5 de junho.
Construída a partir de resíduos plásticos
e terra crua, a Coluna simboliza a participação da
Universidade no projeto Lixo Zero = Arquitetura Sustentável.
Desenvolvido pelos arquitetos Sérgio Prado e Márcia
Macul, em parceria com o Centro de Estudos de Construções
Sustentáveis da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)
da USP, o projeto desenvolve uma alternativa barata e ecológica
para a construção de casas populares e espaços
públicos. “Como matéria-prima, nós usamos
a terra para construir tijolos e paredes e resíduos plásticos
e minerais para construir vigas e janelas. Tudo vem do próprio
local e utiliza o trabalho da própria comunidade. Como são
materiais rejeitados, o custo é praticamente zero”,
explica Márcia.
Mais do que uma obra a ser contemplada, a Coluna Civilizatória é um
marco, para toda a comunidade universitária, das possibilidades
de aproveitamento dos resíduos inorgânicos que se
acumulam na cidade. “Lixo não existe. É uma
questão de falta de cultura de saber aproveitá-lo.
O vinicultor não joga fora vinho azedo, ele o utiliza como
vinagre”, compara Sérgio Prado.
A Coluna Civilizatória foi construída com o dinheiro
recebido pelos arquitetos como prêmio do Concurso de Apoio
a Produção nas áreas de Artes Visuais, Fotografia
e Novas Mídias, promovido pela Secretaria de Cultura do
Estado. “O apoio de uma instituição como a
USP torna o nosso projeto mais forte e mais viável, além
de ser uma forma de ensinar uma preciosa lição de
reaproveitamento para os futuros arquitetos e engenheiros”,
afirma Prado.
Os arquitetos Sérgio Prado e Márcia Macul:
“O
lixo não existe” Exposição – A parceria dos arquitetos com
a Universidade renderá também uma exposição
no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, intitulada “A
Arte de Ocupar o Mundo”. Nela, os arquitetos convidam o visitante
a ser parte ativa da arte e propor soluções ambientais
para o lixo, seja na arte ou na arquitetura. Com instalações
arquitetônicas e obras de arte feitas a partir de plástico
e outros materiais não-biodegradáveis, os arquitetos
pretendem criar uma nova dinâmica de interação
dentro do museu, como uma forma de incitar um comportamento mais
sustentável. “A exposição vai trazer
também telas e painéis levantando os problemas ambientais
que levarão o visitante a interagir diretamente com seu
meio e seu entorno. É uma forma de arte cidadã, indispensável
nesta época de aquecimento global, em que é cada
vez mais visível a necessidade de mudança de comportamento
entre os homens e o ambiente”, conta Márcia. Com verba
da Lei Rouanet de apoio à cultura, a exposição
deverá ser montada em 2008.
Também no ano que vem, a convite da FAU, os arquitetos participarão
de um fórum com o tema Lixo Zero = Arquitetura Sustentável,
que trará produtos, projetos e pesquisas na área,
além de palestras de especialistas em tecnologias sustentáveis. “Nós
queremos difundir o tema da sustentabilidade a todos os graduandos
da Universidade, trazendo bons exemplos de tecnologia construtivas
não-convencionais”, explica Prado.
Apoiados pelo Departamento de Patrimônio Histórico
da Prefeitura de São Paulo, Márcia Macul e Sérgio
Prado construirão outras 32 Colunas Civilizatórias,
uma em cada Subprefeitura da capital paulista. “A idéia é que
a população veja como o lixo pode ser aproveitado
de maneira muito útil à sociedade. Que entenda que
esses resíduos não são meramente lixo e sim
matérias-primas para muitas coisas”, afirma Sérgio
Prado.
As obras serão também uma forma de divulgar para
a população essa técnica inovadora de construção,
que será ensinada gratuitamente nas Escolas de Sustentabilidade,
a serem construídas nos bairros da cidade. “Será um
espaço também de lazer e cultura porque nosso objetivo é unir
sempre o social ao sustentável”, acrescenta Prado.
A dupla de arquitetos já está desenvolvendo o projeto
da primeira escola, que será construída com o método
criado por eles em um terreno de 2.400 m² na Casa Verde, cedido
pelo subprefeito da região, Marcos Gadelho. “Aos poucos
estamos ampliando o nosso projeto. Essa primeira escola servirá de
modelo para as outras Subprefeituras e até mesmo para outras
cidades interessadas no conceito de arquitetura sustentável”,
afirma Márcia. Bioeconomia – Para os dois arquitetos, o grande diferencial
desse conceito está na união do social com o ambiental,
idéias ainda antagônicas na maioria dos projetos mundiais. “O
que vemos hoje são projetos que protegem o ambiente impedindo
que qualquer atividade econômica seja desenvolvida na região
ou aumentam a oferta de empregos consumindo ainda mais os escassos
recursos naturais. Já o nosso projeto tem um caráter
ecológico sem abandonar a inclusão social”,
explica Prado.
Mais do que uma técnica de construção civil,
eles querem criar um novo mercado em torno dos resíduos
plásticos e minerais, uma bioeconomia que oferece um destino
a toneladas de lixo não- biodegradável, além
de casas de baixo custo e emprego para a comunidade local. A idéia
dos arquitetos é que as pessoas que coletam o plástico
o levem aos ecopontos da Prefeitura (que recolhem lixo reciclável)
e troquem pelos materiais de construção produzidos
com a técnica. Esse material pode ser utilizado pela própria
pessoa ou vendido, gerando assim uma cadeia produtiva. “O
objetivo último é criar e estabelecer uma nova forma
de cidadania social e ambientalmente correta, gerando empregos
nas comunidades e adequando e reconstruindo bairros e cidades de
acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável”,
conclui Márcia.
Técnica foi testada
em Camburi
A técnica de construção adotada na Coluna
Civilizatória foi utilizada pelos arquitetos Sérgio
Prado e Márcia Macul em uma comunidade de baixa renda na
cidade de Camburi, no litoral norte paulista. Aproveitando os recursos
do local, eles construíram um centro comunitário
para a população. “Tudo foi feito com o que
tinha lá. A terra era a do local e o lixo foi o recolhido
dos diversos campings da região. Nem ao menos havia energia
elétrica e nós não precisamos, porque o nosso
método é todo feito manualmente”, explica Márcia.
As paredes foram construídas com taipa de pilão,
na qual se utiliza uma espécie de caixa de madeira que é preenchida
com terra crua extraída do próprio local. Esse tipo
de construção, segundo Márcia, não
exige revestimento ou qualquer outro produto químico e tem
uma durabilidade muito maior que a do cimento, além de não
reter calor ou umidade. “A taipa é extremamente resistente
e pode suportar uma construção de até oito
andares. Ela substitui o concreto perfeitamente e com ainda mais
vantagens, já que não se gastou energia ou dinheiro
na fabricação da terra e nem mesmo no transporte,
pois ela é retirada do próprio local”, explica.
Já as janelas foram construídas com o empilhamento
de garrafas de plástico. O plástico veda a passagem
de água da chuva ou vento, mas permite a passagem da luz
solar. “As garrafas também podem ser usadas como sistema
de cultivo de horta por hidroponia (cultivo de plantas em água)
ou também como um sistema de recolhimento de água
da chuva para uso dos moradores. Além de ser visualmente
muito bonito”, afirma Márcia.
As garrafas são coladas com poliuretano vegetal, feito a
partir de plantas oleaginosas como a mamona. A extração
desse tipo de óleo gasta menos energia e produz menos poluição
que o poliuretano normalmente utilizado.
A técnica foi muito bem-sucedida na comunidade e pode, de
acordo com os arquitetos, ser facilmente aplicada nos grandes conjuntos
habitacionais construídos pela Prefeitura. Para tal, eles
aguardam a aprovação dessas técnicas e materiais
pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “O
IPT está fazendo todos os testes para normatizar e liberar
o uso desses materiais para grandes construções.
Será um grande passo no caminho de uma cidade social e ambientalmente
sustentável”, espera Márcia.
Para Prado, a idéia de uma arquitetura sustentável é muito
simples e lógica. “Já que o plástico
não é biodegradável, por que não usá-lo
em algo duradouro como uma construção?”, questiona. |