Políticas trabalhistas que incluam servidores autônomos
e mais participação da comunidade na melhoria das escolas
são algumas sugestões do livro
Em abril de 2006, empresários e representantes
do governo se reuniram em São Paulo para a primeira rodada
latino-americana do Fórum Econômico Mundial. Durante
o encontro, foram debatidas idéias para colocar o continente
num lugar de destaque na economia global e, para isso, os participantes
fizeram propostas para enfrentar problemas conhecidos mas ainda
não solucionados dos chamados países em desenvolvimento,
entre eles a mão-de-obra mal qualificada e a profunda desigualdade
econômica.
Naquele evento, o Brasil foi alvo de um questionamento por parte
da liderança empresarial, que apontou alguns pontos básicos
a serem resolvidos, como a precariedade da educação
pública e as altas taxas de desemprego. As respostas a essas
questões chegam agora, com o livro Crescimento econômico
e distribuição de renda – Prioridades para
ação, uma co-edição da Editora da USP
(Edusp) e da Editora Senac. Organizado pelo ex-reitor da USP Jacques
Marcovitch, professor da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade (FEA), o livro traz artigos de especialistas que
avaliam com profundidade o cenário brasileiro e propõem
ações para o efetivo crescimento econômico
e social do País.
Para Marcovitch, o verdadeiro desafio brasileiro está em
identificar as desigualdades econômicas e sociais e adequar
a agenda de políticas públicas a cada realidade. “Mantendo-se
o atual e insatisfatório índice de eficácia
em suas políticas públicas, o Brasil chegará a
2030 sem atenuar significativamente as disparidades regionais.
O quadro exige um esforço para que se concentre o foco em
determinadas ações fundamentais”, escreve Marcovitch.
O caminho para essas ações está no maior diálogo
entre especialistas, sociedade civil e governo, para a criação
de uma política pública que sirva efetivamente à comunidade. “Jamais
foi tão forte em nosso país a participação
da sociedade civil e de seus técnicos independentes na abordagem
das políticas públicas. É muito importante
que os governos sejam receptivos a essa oferta e deixem de caracterizá-la
como se representasse o avesso de suas estratégias”,
escreve.
Saneamento – Uma das áreas em que a desigualdade
social é mais evidente é o saneamento básico.
Embora nos últimos 30 anos a cobertura de serviços
tenha aumentado significativamente, a diferença entre os
serviços oferecidos para famílias de classe alta
e baixa é preocupante. Segundo dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2000, 92,6 %
dos domicílios habitados por famílias com renda superior
a dez salários mínimos tinham água tratada,
enquanto apenas 67,4% das casas habitadas por famílias de
rendimento inferior a dois salários mínimos desfrutavam
do mesmo serviço.
Para Ronaldo Seroa da Motta, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) – um dos articulistas do livro –, o
caminho para a ampliação da cobertura de serviços
de saneamento está em um eficiente sistema de subsídios
para as camadas mais pobres da população. “Considerando
o baixo nível de renda de uma larga camada da população
brasileira, nenhuma operadora, seja pública ou privada,
conseguirá cobrar dos pobres o custo integral dos serviços”,
analisa.
Assim, para criar um serviço de saneamento que se autofinancie
e ainda gere rápidos lucros para expansão da cobertura,
o município terá de criar um sistema de maior tarifa
aos ricos, como forma de sustentar os subsídios para os
mais pobres. Esses subsídios, sugere Motta, poderiam ser
dados não ao usuário, mas diretamente ao prestador
de serviço, diminuindo os riscos de inadimplência
e desvios irregulares e viabilizando a expansão do setor. “Em
suma, há que se compreender o acesso ao serviço de
saneamento no âmbito de uma política social”,
alerta.
Trabalho – O mercado de trabalho se divide, atualmente,
em trabalho formal – legalizado a partir de um contrato que
permite acesso aos benefícios do direito trabalhista – e
o informal, aquele que, sem esse contrato, termina por excluir
o empregado da tutela dos sindicatos e da proteção
da legislação. Reflexo de uma realidade já extinta,
na qual a grande maioria dos trabalhadores tinha sua carteira assinada,
esse conceito é criticado no livro pelo professor do Instituto
de Economia da Unicamp Marcio Pochmann.
“Interpretações incorretas levam a resultados
insatisfatórios, o que parece ser o caso do atual debate sobre
a situação do trabalho no Brasil, responsável
pela sugestão de políticas públicas inadequadas,
na maioria das vezes, ao enfrentamento tanto do alarmante desemprego
como das generalizadas ocupações com condições
e relações de trabalho precárias”, aponta
Pochmann. Esse conceito exclui das políticas públicas
a enorme massa de trabalhadores autônomos, independentes, cooperativados
ou mesmo sem remuneração.
Assim, para o professor, torna-se necessária a constituição
de uma regulação pública do trabalho capaz
de incorporar os segmentos de trabalhadores que não são
assalariados e oferecer a estes os benefícios dos direitos
trabalhistas, ainda que de forma diversa daqueles ditos formais,
incluindo-os no mercado de trabalho legal. “No Brasil de
hoje, a existência de uma única legislação
social e trabalhista – a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) –, como se o País concentrasse o
assalariamento urbano em grandes empresas, não é mais
consistente com o predomínio de múltiplas formas
ocupacionais”, diz Pochmann. “Isso (a nova regulação
pública do trabalho) não apenas é possível,
mas um imperativo da construção de um país
democrático e justo”, aponta.
Exclusão – A exclusão no sistema educacional
brasileiro vai muito além da falta de vagas em escolas municipais
e estaduais. A falta de verbas para material de apoio ou mesmo
para a manutenção dos prédios, além
de professores sem estímulos para investir no crescimento
profissional, são causas externas que afetam diretamente
a qualidade do ensino oferecido pela rede pública, excluindo
essas crianças e jovens do acesso a uma boa educação,
direito fundamental do cidadão.
Essa tese é defendida pelo coordenador geral da Ação
Educativa e diretor-presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos,
Sérgio Haddad. Para ele, os sistemas educativos têm
sido eficientes em garantir o acesso à educação,
mas não em manter o aluno na sala de aula com um aprendizado
de qualidade. “Isso tem produzido um novo tipo de exclusão
social pela insuficiência na qualidade de ensino, o que provoca
uma formação inadequada, além de elevados índices
de evasão e repetência”, afirma.
Para combater essa nova forma de exclusão, Haddad propõe
não só a melhoria de fatores como o desempenho dos
professores e o fornecimento de material escolar – estes
dependentes da agenda pública de investimento –, mas
também a participação da comunidade escolar
como agente de pressão para uma mudança de atitude
do governo.
Afinal, a raiz mais profunda do problema está, como também
apontam outros articulistas do livro, no mau emprego dos recursos
públicos. “Os setores e regiões que apresentam
menores desempenhos ou maiores carências são aqueles
que menos acesso têm aos recursos. Programas de ações
afirmativas, nesse sentido, seriam eficazes em diminuir as diferenças
no desempenho e na aquisição da escolaridade”,
diz Haddad.
Segundo Marcovitch, a época para essas mudanças não
poderia ser melhor, já que a próxima disputa eleitoral,
que consome quase integralmente a atenção dos políticos,
ainda está distante. “Não há melhor
momento para revisar as prioridades do que agora, sem a pressa
e o viés da paixão partidária, mas aproveitando
o interesse ainda quente da sociedade civil e dos eleitos”,
escreve o professor. “Este livro pode ser um importante subsídio
para que seja vencido o ciclo da retórica e, finalmente,
alcançado o território das ações.”
Crescimento
econômico e distribuição de renda – Prioridades
para ação, de Jacques Marcovitch (organizador),
Edusp e Editora Senac, 232 páginas, R$ 45,00.
|