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© Francisco Emolo

São Paulo é conhecida como um pólo cultural, sede de inúmeros museus e galerias para todos os gostos e estilos. Agora, São Paulo é colocada em cena em “Radiografias da Cidade”, nova exposição do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, no Ibirapuera, que será inaugurada nesta terça-feira, dia 7.

Primeira de um conjunto de três mostras, a exposição traz o fotógrafo Bruno Giovannetti e o artista plástico Gregório Gruber para apresentarem a sua visão da cidade, construída a partir de sua vivência, seus laços afetivos e sua rotina pelas ruas e bairros da metrópole. “É a cidade vista pela arte, enunciando-se em relatos humanos, um pouco de São Paulo em seu modo mais íntimo de ser”, afirma Lisbeth Rebollo Gonçalves, diretora do MAC e curadora da exposição.

Com técnicas diferentes, Giovannetti e Gruber se complementam, refletindo essa cidade construída de opostos. O primeiro retrata São Paulo em suas pequenas pregas, captadas instantaneamente pela lente de sua câmera. É uma cidade de contínuos estímulos à comunicação, seja por uma placa de propaganda, um grafite no muro ou um cartaz rasgado em uma parede. O segundo silencia a cidade, abre seu olhar para o plano arquitetônico, exaltando as grandes construções da cidade, vazias diante do cair da noite. “Ambos criam representações com imagens da cidade, debruçando o olhar sobre seu espaço urbano, sobre seu modo de ser e sobre seu território cultural, identificando particularidades e traços que a caracterizam”, conta Lisbeth.

© Francisco Emolo
Bruno Giovannetti e suas imagens: olhar treinado


A ironia da cidade – “Ouvem-se problemas por R$ 1,99 a hora. Seus problemas são nossos.” “Procura-se pessoa para jogar baralho e ganhar sempre, com espionagem eletrônica e cartas trucadas.”

São esses pequenos flagrantes da cidade, espalhados em cartazes, faixas e muros, que Bruno Giovannetti passou a vida fotografando. Seu exercício favorito é o flanar, perambular pela cidade como andarilho, palavra com a qual ele se define, com o olhar treinado, atento aos detalhes de um todo caótico.

A moto e a câmera digital são suas companheiras de passeio. Com a moto estaciona onde quer e com a câmera digital fotografa sem limites essas imagens tão características de sua São Paulo. “Aqui está uma coleção que fui fazendo casualmente. Com os anos, minha capacidade de ler pequenas frases é mil vezes maior. Eu passo na rua já ‘antenado’, em busca desses pequenos detalhes”, descreve Giovannetti.

A São Paulo radiografada por Giovannetti é uma cidade de múltiplas faces. A primeira, com suas placas de propaganda mal redigidas e cartazes oferecendo serviços inusitados, é uma cidade irônica, divertida e, muitas vezes, de sentimentos perdidos diante do ritmo imposto por seus moradores, como na faixa colocada em uma rua da Vila Madalena, procurando uma senhora idosa, sem nome, apenas indicada por seu apelido, “Boca de Litro”.

© Francisco EmoloOutra, com seus grafites coloridas que se sobrepõem continuamente sobre o mesmo muro registrando novas idéias, novos sentimentos, novos artistas. Ao primeiro olhar, é difícil reconhecer até que é o mesmo lugar. “Gosto de fotografar o mesmo muro várias vezes, ao longo dos anos. É notável como aquela paisagem se altera, se molda ao novo grafite”, afirma.

O passar do tempo é tema recorrente de Giovannetti, assim como a cidade de São Paulo. Em seu andar descompromissado, ele entra em prédios e fábricas abandonadas para capturar a ação do sol, da água, do vento, o tempo agindo sem compaixão na cidade.

Sua paixão pela fotografia surgiu ainda jovem, nos anos em que morou na Toscana, na Itália, terra de origem de sua família e de seu sotaque ainda marcado. Foi lá que despertou seu interesse por fotografia, a qual praticava em um clube de amantes da arte, homens das mais diversas profissões que dedicavam seu tempo livre a contemplar paisagens e capturar momentos.

Seus caminhos o levaram ao jornalismo, foi radialista e assessor de imprensa, mas a fotografia permaneceu como sua arte principal. Já expôs em diversos museus da cidade. No mesmo MAC, expôs “Res nullius”, inspirada em versos de Haroldo de Campos, de quem ganhou uma poesia, homenagem que ele considera a maior de sua vida. “Res nullius é um conceito do direito que se refere às coisas que não têm valor comercial. É isso que eu fotografo, as coisas comuns, mas que podem ser valorizadas por um reflexo, uma cor, uma história. A beleza está em todos os lugares, até em uma poça d’água”, explica.

Esse conceito se perpetua em “Radiografias da Cidade”, que mostra uma São Paulo bela pelos seus detalhes mais efêmeros. Nela, o objeto se torna arte estética e o homem aparece não como personagem, mas como criador e interventor desses monumentos.

Para Giovannetti, a exposição é também uma forma de desmitificar o papel do fotógrafo como artista, alcunha pela qual não gosta de ser classificado. Ele simplifica a arte do fotógrafo como sendo apenas um treinar dos olhos, da percepção do momento efêmero que surge à frente da lente da câmera, para ser capturado e eternizado. “Não são fotos de uma grande procura estética, são flagrantes do cotidiano. Muitas das minhas obras eu devo ao acaso de estar ali no momento certo. Não é questão de eu ser um grande fotógrafo e sim de ter desenvolvido, como qualquer pessoa pode fazê-lo, o sentido da visão.”

É esse prazer de se perder na cidade, de mudar de trajeto, de perambular pelos caminhos de São Paulo como um eterno turista que Bruno Giovannetti imprime em cada uma de suas obras. Essa é sua visão da cidade que, espera, influencie alguns dos visitantes de sua exposição. “É um convite a apreciar a cidade, aprender a olhar com mais atenção e mais carinho para o lugar onde vivemos.”

© Francisco Emolo
Gregório Gruber e suas pinturas (a baixo: espírito de contemplação

A cidade do vigilante – Gregório Gruber conta que seu sobrenome significa, em grego, vigilante. É assim que ele se sente diante da cidade, um vigilante noturno, sempre atento às belezas arquitetônicas escondidas diante da eterna correria da vida urbana.

É por causa dessa correria que Gruber prefere a noite, as horas quietas, mais tranqüilas, quando pode se colocar diante dos monumentos da cidade e observar por horas, captar seus detalhes, seus reflexos, suas nuances. “No caos diário você não pode parar diante de um prédio e observar. São dezenas de pessoas passando à sua frente o tempo todo, a fumaça dos carros, o barulho. Eu tenho esse espírito de estagnação, de contemplação”, descreve-se.

Esse vigilante aparece explicitamente em A ronda noturna, que retrata o Vale do Anhangabaú após a reforma que o tornou novamente uma das paisagens arquitetônicas mais bonitas da cidade. Pintado todo em tons escuros, o quadro mostra uma paisagem serena, com um solitário carro de polícia zelando pela conservação da região. “Após a reforma, fiz uma seqüência de quadros da região. O Vale participou da minha infância de um jeito e agora está completamente diferente, sem todos os carros e pessoas transitando o tempo todo”, explica.

O centro de São Paulo é o grande tema de Gruber. Seus cenários ganham diversas seqüências ao longo dos anos, em momentos diferentes, com outras luzes, em novos horários. “Para mim, é o local que verdadeiramente caracteriza a cidade. Os paulistanos têm uma fixação com a avenida Paulista, que por muitos anos relutei em pintar (nesta exposição, Gruber apresenta uma única pintura da região, na qual retrata o prédio da Rede Gazeta). Para mim, ela poderia ser em qualquer cidade, como Nova York ou Paris. É o centro que me atrai, que acho mais pessoal, mais típico”, revela.

© Francisco EmoloQuando menino, ele subia as rampas do MAC para contemplar seus artistas, conhecer o que havia de novo na arte. Nascido em Santos, sempre morou em São Paulo, cidade que protagoniza suas obras. Desde a infância dedicou-se à arte e ao longo da vida experimentou e se especializou nas mais diversas técnicas plásticas. Suas obras foram temas de diversas exposições pela cidade. Hoje, São Paulo é personagem, uma pessoa com a qual criou afeto ao longo de tantos anos de trabalho conjunto. “Minha relação com São Paulo é como um amigo. Vivo, trabalho, faço tudo aqui”, afirma.

A vida dedicada à arte se mostra, em parte, na seqüência de trabalhos sobre a mesma paisagem. A reforma do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, em 2001, aparece em uma seqüência de quadros que, à exceção da maioria de suas obras, é retratado cheio de torcedores. “Quando se tem um tema recorrente por tantos anos, é natural que se pinte várias vezes o mesmo local. Aqui, pus os torcedores em um dia de jogo, também para atender a um pedido das pessoas que sempre me perguntavam por que não punha pessoas nos quadros”, diverte-se.

Dono de uma eterna inquietude artística, Gruber utiliza as mais variadas técnicas de desenho e pintura. Em “Radiografias da Cidade”, carvão, aquarela, pastel, nanquim e pinturas dividem as paredes do museu em telas sempre inspiradas nas paisagens da cidade. “Às vezes fico cansado da mesma técnica. É como se fosse testar uma coisa diferente. Até mesmo em detrimento da qualidade, afinal, você está pesquisando, descobrindo novas possibilidades”, conta.

Para poder explorar todas as possibilidades de um objeto, prefere ser guiado pelo acaso. Ele não planeja suas obras, faz inúmeros ensaios, com diferentes materiais, até obter um resultado que o agrade. “É como se eu estivesse colhendo informações a cada nova tela, desde o bloco de desenhos até a pintura. Cada técnica me permite uma nova descoberta”, afirma.

Essa diversidade é ainda mais aparente em “Radiografias da Cidade”, que traz uma retrospectiva de décadas de trabalho. O colorido do pastel na visão de uma janela, o esfumaçado do carvão na neblina noturna da cidade, a tinta do reflexo perfeito no prédio de vidros espelhados. Cada técnica traz não só uma visão diferente, como também inspira uma sensação diferente diante de uma cidade que, na visão pintada por Gruber, parece ser tão acolhedora como desoladora. “Pintar um rio maravilhoso, uma cidade como Ouro Preto ou Paris é fácil. O desafio é encontrar beleza nesses pontos da cidade. O desafio é gostar de uma cidade tida como feia, poluída, complicada, que ninguém gosta.” O desafio foi cumprido. Não há como não achar beleza na São Paulo de Gregório Gruber.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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