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© Francisco Emolo

Com recordes de medalhas em diversas modalidades, algumas revelações de atletas e até quebras de tabus em áreas que nunca haviam sido premiadas, os Jogos Pan-americanos Rio 2007 tiveram o mérito de dar ao Brasil o maior número de ouros já conquistados desde a criação do torneio, em 1951. Com 29 medalhas, a natação foi a modalidade que mais colaborou para o quadro geral do Brasil, com a diferença de que, desta vez, as meninas também conseguiram ouro. O nadador Thiago Pereira subiu ao pódio sete vezes, seis no lugar mais alto. O “garoto-prodígio” César Cielo fez a prova mais rápida da modalidade, com o tempo de 21s84 nos 50 metros livres. O mesa-tenista Hugo Hoyama se infiltrou num campo dominado pelos chineses e se tornou o brasileiro com o maior número de ouros num Pan-Americano. O campeonato foi também um marco para o judô, boxe, futebol feminino e basquete e revelou bons esportistas do atletismo brasileiro.

Mas os louros do Brasil tão festejados pela mídia têm um peso apenas relativo e o Pan não pode ser tomado como termômetro para competições mundiais como as Olimpíadas. Professores da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, ouvidos pelo Jornal da USP , lembram que, salvo raras exceções, o índice técnico em campeonatos mundiais está muito acima da performance de todos os atletas do Pan. Esse patamar inferior permite que países com um incentivo estruturado ao esporte participem do Pan com equipes universitárias ou mesmo com seus times “C” de determinadas modalidades, e ainda assim levem a melhor no final.

“É questionável o peso que cada medalha no Pan representa em relação aos melhores do mundo. Vejo o Pan como uma manifestação do despreparo do esporte, com algumas federações dirigidas por indivíduos que se perpetuam no poder e são despreparados para dar sustentabilidade aos atletas que demonstram potencial”, diz o professor José Alberto Aguilar Cortez, professor de Futebol e Futsal no Departamento de Esporte da EEFE. “O reflexo do amadorismo da competição pode ser medido pela pouca importância dada a ela pelos Estados Unidos. Eles preferem enviar atletas universitários, que constituirão a base do futuro do esporte naquele país, e, assim, o Pan funciona para eles como um laboratório para revelação de novos talentos.”

Se os Estados Unidos enviam atletas de equipes “C” em modalidades tradicionais naquele país, como o basquete, o mesmo acontece com o Brasil em relação ao futebol. “A CBF demonstrou descaso e não se preocupou em montar uma equipe para a competição. Quanto ao futebol feminino, as meninas venceram porque os Estados Unidos mandaram para cá sua equipe sub-20. Nossas melhores jogadoras atuam fora porque as federações não dão apoio nenhum e ainda está na promessa a realização de um campeonato feminino. No exterior, o futebol é um esporte prioritariamente feminino, muito desenvolvido no meio escolar”, afirma Cortez.

O professor Valmor Tricoli, responsável pela disciplina de Basquete na EEFE, atribui o esvaziamento competitivo dos Jogos Pan-Americanos ao fato de os atletas de destaque internacional darem pouca importância ao torneio. “Com todo respeito aos atletas e suas equipes, os Jogos Pan-Americanos não possuem mais o mesmo nível competitivo de antigamente”, afirma. Tricoli diz que “o nível técnico dos jogadores do basquete brasileiro é inquestionável” e que a dificuldade desta e de outras modalidades esportivas “está no aspecto organizacional”.

Segundo o professor Antônio Carlos Mansoldo apenas 10% dos resultados observados neste Pan-Americano são significativos em nível internacional. “A vitória é relativa, pois depende do adversário. Se ele é fraco, fácil é ganhar.”

Chances de medalha – A diferença do nível técnico entre o Pan e as Olimpíadas é “monumental”, diz o professor de Ginástica Artística Raul Alves Ferreira Filho, que vislumbra alguma chance de medalha nas Olimpíadas para a modalidade. “Com as novas regras que valorizam a dificuldade do exercício, a gaúcha Daiane dos Santos é franca favorita, porque só ela consegue fazer o duplo twist estendido. É a única que dá para falar em ouro, mas se estiver em boas condições físicas”, ressalva o professor.

Outra possibilidade de pódio nas Olimpíadas é Diego Hypolito, que neste Pan conquistou para o Brasil o primeiro ouro da ginástica artística masculina. “Mas caso a equipe masculina não se classifique ele corre o risco de não participar das Olimpíadas, exceto se conseguir o primeiro lugar das categorias solo ou salto durante o campeonato mundial, que acontece em outubro”, diz Ferreira.

“Baseado nos resultados do Pan, ninguém do Brasil tem chances de medalha. Mas se nos basearmos no potencial dos atletas e no melhor desempenho que já tiveram, daí poderemos esperar algo do atletismo e de algumas outras modalidades, como natação e judô”, diz o professor Benedito Pereira.

O nadador César Cielo, que nos 50 metros livres do Pan superou sua marca anterior de 22s18, ficando muito perto do recorde mundial de 21s64, do mito russo Alexander Popov, é apontado como grande probabilidade de pódio olímpico, na opinião de todos os entrevistados. O paranaense Jadel Gregório, único a superar os 17 metros no salto triplo, “precisará estar num dia muito bom e evoluir muito para pegar ouro nas Olimpíadas, mas terá chances de trazer medalha”, analisa Ferreira.

“Os brasileiros enfrentaram potências olímpicas do boxe e por isso não tiveram um desempenho ainda melhor no Pan. Por isso considero a possibilidade de medalha nessa modalidade nas Olimpíadas. Cuba, por exemplo, é campeã de cinco categorias dentre as 11 disputadas nos Jogos de Atenas, em 2004”, exemplifica o professor Emerson Franchini, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Combate da EEFE.

Para Franchini, o judô tem reais possibilidades de pódio em Pequim 2008. “Os brasileiros obtiveram medalha nos últimos seis Jogos Olímpicos, o que mostra tradição na competição. Em Atenas, 16% do total de medalhas foram ganhas por países do continente americano, indicando que a disputa nos Jogos Pan-Americanos pode ser considerada um bom indicativo do nível internacional, especialmente se levarmos em conta que o judô brasileiro chegou a dez finais, dentre as 14 possíveis”, analisa.

Apesar de toda a festa, com direito até à “dança do siri” após a conquista do tri-campeonato do basquete masculino no Pan, os brasileiros terão muitas dificuldades para garantir uma vaga no Pré-Olímpico das Américas, que acontece de 22 de agosto a 2 de setembro em Las Vegas, sede dos astros da NBA. Na modalidade, o País está fora das Olimpíadas desde Atlanta 1996. “Esse resultado não é um bom previsor de resultados nos Pré-Olímpicos, onde serão disputadas apenas duas vagas por seis ou sete equipes em condições de obtê-las”, diz o professor Dante De Rose Junior.

Atletas universitários – Se no boxe muitos atletas treinam pelo almoço e no atletismo praticamente inexistem pistas adequadas para treinamento, a situação não difere muito em outras modalidades esportivas. “Como comparar o Brasil a Cuba ou aos Estados Unidos, onde há nutricionistas, psicólogos e toda a estrutura necessária para o desenvolvimento do atleta? Vimos aqui uma situação no taekwondo, em que a bolsa-auxílio destinada aos atletas não era repassada pelas federações. O Brasil ainda não conseguiu se estruturar e nem desenvolveu uma cultura visando a incentivar o esporte no longo prazo”, diz o professor Ferreira.

Para o professor Mansoldo, a falta de estrutura do esporte brasileiro se percebe ao olhar para a origem dos atletas. “Nossos esportistas saem de clubes ou academias. Onde estão os atletas universitários? O ideal seria darmos condições de treino nas escolas, colégios e universidades e, a partir da quantidade, extrairmos a qualidade, como é feito nos países desenvolvidos. Nossa estrutura de incentivo ao esporte privilegia meia dúzia de atletas que precisam atuar em alto nível e dos quais precisamos extrair o máximo para termos chances competitivas”, afirma.

No Brasil, ser atleta é uma profissão, ao passo que um atleta também poderia ser um acadêmico, e vice-versa. “Essa estrutura fragmenta o esporte e afunila as possibilidades de o País ser competitivo”, fala Mansoldo. “Enquanto vivermos de valores individuais que surgem quase que ao acaso, não teremos muitas chances de melhorar o desempenho. Só um trabalho sério e investimento a longo prazo podem mudar esse quadro”, diz Tricoli.

Para Ferreira, existe uma luz no fim do túnel. “O Brasil se preparou minimamente antes deste Pan e se superou, provando que, se tiver um mínimo de investimento, consegue colocar atletas à altura. A lei Piva, que repassa parte da loteria federal para as diversas modalidades esportivas através das federações, foi aprovada de afogadilho e só esse mínimo já deu um impulso no nosso quadro de medalhas”, diz.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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