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A partir desta quinta, começa o ano de comemorações dos 50 anos do Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa. O jubileu será marcado pela volta da montagem Vento Forte para Papagaio Subir, primeira peça escrita por Zé Celso e encenada em 1958, ano em que o grupo surgiu. O espetáculo Santidade, escrito pelo dramaturgo José Vicente e montado 40 anos depois de sua criação, em 1967, quando nascia o Tropicalismo, já está em cartaz e também integra a programação de aniversário.

Ao longo de sua história, o Teatro Oficina passou por inúmeras transformações, influenciando a cena teatral brasileira das mais diversas formas. O grupo nasceu na Faculdade de Direito da USP, onde estudavam os integrantes de sua primeira fase: o próprio Zé Celso e seus colegas Renato Borghi, Amir Haddad e Carlos Queiroz Telles, entre outros. O Teatro Brasileiro da Comédia (TBC), idealizado pelo industrial italiano Franco Zampari no fim dos anos 40, influenciava de maneira hegemônica a produção teatral da época, após trazer diretores, figurinistas e artistas da Europa e profissionalizar o setor. Acusado por muitos de “aburguesamento”, o TBC viu surgir o Teatro de Arena, que se contrapunha à sua estética e à sua visão do fazer teatral. Foi nesse contexto que nasceu o Teatro Oficina, influenciado pelo existencialismo da época.

O primeiro espetáculo do Oficina aconteceu em 1958: A Ponte, de Carlos Queiroz Telles, com direção de Amir Haddad. No mesmo ano, é apresentado o primeiro texto escrito por Zé Celso, Vento Forte para Papagaio Subir, outra peça dirigida por Haddad. A grande referência teórica do grupo era, na época, o método realista de Stanislavski, transmitido com as aulas do ator russo Eugênio Kusnet. Em meio a encenações de obras de Jean-Paul Sartre, Benedito Ruy Barbosa e Tennesse Williams, surgem sucessos de público como Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, e Quatro num Quarto, de Valentin Kataiev. A essa altura, a equipe já havia se transformado em companhia profissional e adquirido sede própria, que acabou destruída por um incêndio em 1966. Após uma série de apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro, a companhia conseguiu reconstruir seu espaço, onde ainda está hoje, no Bixiga.

Tropicalismo – Um dos maiores sucessos da história do Teatro Oficina foi O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, que estrearia em 1967. “O Rei da Vela foi uma coisa extremamente nova. Foi um dos pontos altos de nossa história. Era algo inovador porque dialogava com o público”, conta Marcelo Drummond, ator e diretor administrativo do grupo. O espetáculo foi considerado um dos iniciadores do Tropicalismo, e alçou o Teatro Oficina à notoriedade internacional, após uma turnê pela Europa. Segundo Zé Celso, o golpe militar de 1964 foi um dos determinantes para a encenação da peça de Oswald, que foi escrita entre 1933 e 1937 e nunca havia sido montada. “Estávamos, depois do golpe de 64, perdidos, sabendo que o que tinha sido pensado antes não era mais o mesmo. O país tinha entrado em outra e era preciso descobrir o que estava acontecendo (...) O texto iluminava todo o momento que estávamos passando”, disse o diretor em entrevista para um veículo francês.

A trajetória ascendente do grupo continua nos anos seguintes com as montagens de Roda Viva, de Chico Buarque, e Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, em 1968, e de Na Selva das Cidades, também de Brecht, em 1969. No começo da década de 70, entretanto, a realização do filme Prata Palomares, dirigido por André Faria, a vinda do grupo experimental norte-americano Living Theatre e uma excursão do Oficina pelo Brasil resultaram em inúmeras transformações do grupo, com a saída de diversos membros e a formação de uma nova equipe. São encenadas a criação coletiva Gracias Señor, O Casamento do Pequeno Burguês, de Bertolt Brecht, e As Três Irmãs, de Anton Tchekhov, em 1971. A materialização das novas experiências é interrompida pela prisão de Zé Celso em 1974, pelo regime militar, que o força a partir para o exílio em Portugal. No exterior, o grupo tem contato com as revoluções portuguesa e moçambicana, apresentando peças anteriores e produzindo programas para a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), além do filme Vinte e Cinco, dirigido por Zé Celso e por Celso Lucas, em uma parceria do Instituto Nacional de Cinema de Moçambique com o Oficina Samba (nome da companhia naquele momento).


Os Sertões, o primeiro texto de Zé Celso e
Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues

Uzyna Uzona – No dia 21 de abril de 1979, o Teatro Oficina é reaberto em São Paulo, apresentando parte de suas produções audiovisuais no exterior e a criação coletiva Carnaval do Povo. Dois anos depois, tem início o Teatro Oficina Uzyna Uzona, última fase do grupo, que permanece até hoje. Nos anos 80, a companhia passa por novas transformações, com a produção de vídeos e a organização de uma série de oficinas, ensaios abertos e leituras dramáticas, além da aquisição de novas visões sobre sua própria arte. A estética própria a que a companhia de Zé Celso chegou, após assumir em variados momentos os conceitos de Stanislavski, Brecht, Jerzy Grotowski, Living Theatre e outros como referência, é definida pelo diretor como a Tragicomediorgya, que se contrapõe ao drama, identificando-se à tragédia, ao teatro cômico e às orgias que deram origem ao teatro no mundo clássico.

Na década de 90, são destaques as peças As Boas, de Jean Genet, em 1991, Ham-Let, de Shakespeare, em 1993, As Bacantes, adaptação coletiva do texto de Eurípedes, encenada em 1996, Cacilda, de Zé Celso, em 1998, e Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, em 1999. O Oficina resgata uma preocupação antiga e começa a registrar em vídeo diversos espetáculos. Foi justamente um grande projeto audiovisual que marcou o ápice do Teatro Oficina no novo milênio, com a produção dos DVDs da peça Os Sertões, baseada no livro de Euclides da Cunha. A transposição da obra literária para o palco, velho sonho do grupo, aconteceu de maneira gradual, com leituras dramáticas e oficinas ocorridas em 1989 e nos anos 2000 e 2001. “Pegamos o livro, fomos lendo trechos e encenando na periferia de São Paulo, durante algumas oficinas. Um roteiro para as partes A Terra e O Homem 2 já havia sido escrito em 1989”, explica Drummond.

O trabalho monumental de adaptação resultou em uma enorme montagem, com 26 horas, dividida em cinco peças (A Terra, O Homem 1, O Homem 2, A Luta 1 e A Luta 2), apresentadas de 2002 a 2006. Em 2007, as peças são novamente levadas ao palco, para que fossem gravados todos os detalhes do espetáculo. “Os Sertões é sem dúvida o grande marco de nossa fase atual”, define Drummond. Para ele, a maior vitória do Teatro Oficina em 50 anos de existência foi formar um público cativo com seu trabalho. “Tudo isso se deve a muito trabalho nosso e à visão do Zé Celso, que eu considero um dos maiores diretores de teatro do mundo”, completa.

Vento Forte para Papagaio Subir, com direção de Zé Celso, tem apresentações quinta e sexta, às 21h, e sábado e domingo, às 18h; e Santidade, dirigida por Marcelo Drummond, sábado, às 21h, e domingo, às 19h. No Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, Bixiga, tel. 3106-2818). Ingressos a R$ 20,00.

 

 

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