No momento em que o B-29 lançou a bomba atômica,
crianças estavam indo para um abrigo. Ouvi o barulho do
avião quando o alarme que avisava sobre ataques aéreos
soou, às 8 horas da manhã. Somente alguns minutos
depois, consegui avistar o avião. Ele deu três voltas
e soltou alguma coisa brilhante. O avião se dirigiu então
para o nordeste. De repente, enquanto caminhávamos para
o abrigo, ouvi um barulho ensurdecedor e vi uma forte luz, seguida
de uma rajada de vento violeta.
Esse depoimento, feito por um sobrevivente do bombardeio atômico
em Hiroshima, faz parte do catálogo Hiroshima – Testemunhos
e diálogos: 1945-2007, lançado no dia 9 passado,
em evento realizado no Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade
Universitária. O lançamento do livro, que registra
reproduções de desenhos e relatos feitos por sobreviventes
da bomba atômica em Hiroshima, aconteceu exatos 62 anos após
a explosão da segunda bomba atômica, em Nagasaki (a
primeira havia sido lançada três dias antes, em 6
de agosto de 1945, sobre Hiroshima).
O catálogo reúne cópias de 86 desenhos produzidos
por sobreviventes da catástrofe nuclear. Os trabalhos foram
feitos após uma campanha promovida pela agência de
notícias japonesa NHK e pelo Museu Hiroshima Peace Memorial.
Entre os 1.338 desenhos realizados, foram selecionadas as dezenas
que compuseram uma exposição promovida pelo Laboratório
de Estudos da Intolerância (LEI) e pelo Museu de Arte Contemporânea
(MAC), ambos da USP, ocorrida entre 6 de agosto de 2005 e 22 de
janeiro de 2007, nas cidades de São Paulo, Florianópolis
e Brasília.
A professora Maria Luiza, o sobrevivente
Morita, a vice-cônsul
Satiko e Sedi Hirano (à esquerda), na cerimônia que
teve apresentação de taiko Renovar a consciência – O lançamento do livro
foi acompanhado de um ato em memória das tragédias
que marcaram o Japão. “Este ato rememorativo é uma
mensagem de paz contra os atos cruéis que marcaram o final
da Segunda Guerra Mundial e se presta a renovar a consciência
sobre a tragédia da guerra e a importância da paz”,
afirmou a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e curadora da exposição.
Após o depoimento da professora Maria Luiza, o pró-reitor
de Cultura e Extensão Universitária da USP, professor
Sedi Hirano, tomou a palavra para fazer um pronunciamento em favor
da paz no mundo. “Para falar sobre Hiroshima e Nagasaki,
nós podemos gastar milhares e milhares de palavras e não
poderíamos descrever aquele horror. A melhor forma de falar
sobre a paz é falar através da poesia”, disse,
passando a ler “A bomba”, de Carlos Drummond de Andrade: A bomba
envenena as crianças antes que comecem a nascer
A bomba
continua a envenená-las no curso da vida. A seguir, Sedi Hirano recitou Rosa de Hiroxima, de Vinícius
de Moraes e Gerson Conrad:
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
Na cerimônia, a vice-cônsul do Japão em São
Paulo, Satiko Takeda, que representou o cônsul-geral do Japão
em São Paulo, ressaltou a importância de lembrar continuamente
a catástrofe atômica. “Muito tempo se passou
após esses ataques, os mais terríveis presenciados
pela humanidade, e cada vez menos pessoas conhecem essa triste
parte da história de Hiroshima e Nagasaki”, lamentou
Satiko. “Para promover a paz globalmente, é preciso
divulgar ainda mais os efeitos devastadores que a guerra e as armas
nucleares podem provocar. Somente tendo conhecimento do horror
da guerra, é possível tentar evitar uma nova”,
concluiu a vice-cônsul.
O ponto alto da noite foi o depoimento de Takashi Morita, presidente
da Associação dos Sobreviventes da Bomba Atômica
no Brasil. Jovem de 21 anos à época do bombardeio,
Morita residia em Hiroshima antes de emigrar para o Brasil. Falando
em japonês, ele afirmou que “nunca viu tanta tragédia,
tantas crianças, tantos inocentes morrendo”. Ao fim,
disse que “vai lutar até o fim para exterminar essas
armas tão desumanas”.
Ao fim do evento, uma apresentação de dança
e teatro reproduziu um diálogo epistolar entre Albert Einstein
e Sigmund Freud, a respeito da necessidade de evitar guerras. Um
show de taiko, os tradicionais tambores japoneses, e a música
suave do koto (instrumento de cordas japonês) de Yuko Ogura
deram um tom musical nipônico ao evento. O catálogo – O catálogo Hiroshima – Testemunhos
e diálogos: 1945-2007 traz uma série de mensagens
e textos de professores e pesquisadores, além dos desenhos
e relatos chocantes das vítimas da bomba de Hiroshima. O
desenho Incêndio ao redor de minha casa, de Kazuo Matsumoro,
por exemplo, é acompanhado do seguinte relato: “Dia
6 de agosto de 1945, cerca de 8h50 da manhã. A casa onde
eu morava tinha desmoronado. Consegui sair dos destroços
e vi o grande incêndio que se alastrava. Vi Shimizu no meio
dos destroços. Meu amigo Kodama gritou: ‘Shimizu,
fuja daí. O fogo está chegando perto.’ Mas
quando Kodama tocou no seu corpo, percebeu que já estava
morto”.
Desenhos representando pessoas e edifícios queimados, mortos
espalhados pelo chão, crianças feridas correndo sem
destino e escombros por toda parte ilustram a perplexidade e o
sofrimento de milhares de pessoas diante da violência sem
limites. Ao fim do livro, contudo, um sinal de esperança:
Takashi Morita posa para uma foto segurando um tsuru, dobradura
de papel em formato de pássaro que simboliza a paz e a vida
longa. Hiroshima – Testemunhos e diálogos: 1945-2007,
Imprensa Oficial, Associação Editorial Humanitas
e USP, 178 páginas. |