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© Cecília Bastos

Muito discutida no campo das ciências humanas, a interação interdisciplinar e multidisciplinar na área da saúde também não é recente, mas tem se intensificado nos últimos anos com a constatação de que certos conhecimentos não teriam sido alcançados sem a necessária troca de informação entre diferentes áreas. Descobertas em física, engenharia de materiais, química e abordagens das ciências sociais, por exemplo, colaboraram para o avanço do conhecimento básico e aplicado em medicina e odontologia. Se, por um lado, os comitês de medicina da Capes indicam a predisposição em estruturar mudanças na formação e na pesquisa em medicina, por outro, o desejo de alguns cursos da área de aprofundar a interdisciplinaridade já começa a se tornar realidade. A Faculdade de Medicina da USP está a passos largos em direção a um processo de estruturação didático-pedagógica que irá mudar a forma de ensinar medicina na Universidade, diz o professor Marcos Boulos, diretor da unidade. “Na nossa segunda reunião temática, a Congregação da faculdade discutiu muito a questão da interdisciplinaridade e da composição de um currículo capaz de mesclar formação básica associada à medicina aplicada. Quase a totalidade da casa está convencida da necessidade dessas mudanças”, afirma Boulos.

A idéia é colocar o aluno de graduação em contato com o paciente já nos primeiros meses do curso, ainda que como observador de pacientes na atenção primária, representada por postos de saúde e unidades básicas de atendimento. Além disso, pretende-se estender ou deslocar para o final do curso algumas disciplinas teóricas, de forma que em toda a sua formação o estudante possa ter contato com conhecimento básico associado à medicina aplicada, explica Boulos.

Mudança – O início de tais mudanças já acontece na faculdade, a partir das visitas realizadas pelos estudantes a Unidades Básicas de Saúde, de acordo com o diretor. “Isso proporciona ao aluno o contato com as condições de saúde da população, com o sistema de saúde e, em especial, com as circunstâncias sociais e de vida que funcionam como nascedouro da doença. Também visitam as pessoas nas suas casas e aprendem medicina preventiva e epidemiologia”, diz o professor.


Com o Centro de Ensino e Pesquisa em Cirurgia (Cepec), primeiro laboratório de instituição pública do Brasil equipado com os recursos mais modernos para o ensino de cirurgias minimamente invasivas, a Faculdade de Medicina amplia as possibilidades de formação profissional na área da saúde

Boulos observa que muitos alunos se sentem desmotivados no início do curso porque entram na graduação na expectativa de lidar com o ser humano e, no lugar disso, recebem uma carga concentrada de teoria. “Geralmente o estudante não vê nas disciplinas a sua correlação com o possível tratamento que poderá aplicar mais tarde no paciente. Essa tentativa de fazer um currículo organizado multidisciplinarmente dará mais coerência ao curso e fará com que o aluno certamente tenha maior rendimento, porque se sentirá mais motivado”, diz.

Segundo o diretor da Faculdade de Medicina, as mudanças no ensino de graduação também deverão passar pelo aumento das disciplinas básicas que compõem o currículo. “Queremos aumentar a interdisciplinaridade com outras unidades e, nesse sentido, estamos em contato com áreas como filosofia, física, estatística e outras. Estamos formatando com as biomédicas, biologia e química o novo perfil e distribuição das matérias.”

Segundo o professor, é a interação das áreas que proporcionará maior motivação ao estudante de medicina. “Ao analisar um caso de hepatite, por exemplo, o aluno estará, ao mesmo tempo, estudando anatomia do fígado, fisiologia, microbiologia, imunologia e patologia, além de medicina preventiva, porque analisou as condições que facilitaram a aquisição da hepatite”, explica.

Um convênio que deverá ser firmado em breve entre a Prefeitura de São Paulo, a Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas irá sedimentar as mudanças curriculares previstas. Segundo o professor, a idéia é estruturar, nas 32 Unidades Básicas de Saúde da área do Butantã, um sistema referenciado, como preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, o atendimento primário deve ser dado nas UBS, o secundário se encarrega de casos de média complexidade e o terciário, ou hospitais de alta complexidade como o HC, ficariam com os casos de alta complexidade. Para dar conta do atendimento primário, seriam deslocados residentes e estudantes em fase de estágio supervisionado.

Pós-graduação – Depois de seis anos na graduação, o futuro profissional de saúde tem de passar por no mínimo três anos de residência médica para poder exercer sua profissão. Se quiser seguir carreira acadêmica, tornando-se professor, pesquisador ou cientista, terá de fazê-lo depois da residência, ou seja, só depois de no mínimo nove anos de estudos.

Segundo Boulos, um enxugamento dos 29 programas de pós-graduação existentes na Faculdade de Medicina fará com que só os profissionais com vocação para pesquisa científica e com produção acadêmica expressiva, afinal, permaneçam nos programas. Em medicina, segundo Boulos, a pós-graduação tem sido freqüentemente confundida com especialização, mas não são a mesma coisa. A residência é a especialização do médico, ou seja, é a especialidade que ele escolhe para o exercício profissional. A pós-graduação, por outro lado, não tem, necessariamente, que estar relacionada à especialidade escolhida.

“A estrutura da pós-graduação está inchada. Escolas como a nossa devem ter conceitos 7 da Capes, ou notas próximas. Ocorre que não temos nenhum 7 e, em contrapartida, temos alguns conceitos 3. Exatamente porque as áreas menos competentes em pesquisa influenciam o indicador geral. O que precisamos é escolher uma elite pesquisadora, e estou certo de que nesta unidade trata-se de um grande número de pessoas, a fim de qualificar a pós-graduação em alto nível”, afirma Boulos.

Com as mudanças, a Capes também precisará adequar sua metodologia de avaliação dos cursos. “Existe muito empenho em tentar diminuir as áreas da pós e aumentar a interdisciplinaridade. Precisamos contar com todo o apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e da Capes nesse sentido”, diz o professor.

De acordo com Boulos, a idéia é buscar o “espírito original da pós-graduação” e, se possível, agregar todos os programas em apenas uma grande área. “O pesquisador precisa de diversas áreas de conhecimento acopladas para gerar um novo conhecimento. Neurociências, por exemplo, precisam de neurologia, psiquiatria, fisiologia, anatomia... Enfim, a proposta é que tenhamos um modelo racional de pesquisa. Afinal, a titulação stricto sensu é Doutor em Medicina e não em uma ou outra área específica.”

Segundo o diretor da Faculdade de Medicina, a conseqüência do enxugamento de orientadores será tornar a pós-graduação muito mais competitiva para a obtenção de bolsas e recursos financeiros para pesquisa, além de otimizar o fluxo burocrático. “As universidades mais importantes estão puxando para esse tipo de proposta. Muitos professores que hoje não apresentam um certo grau produtivo terão que deixar os programas”, diz.


Cepec conta com quatro minicentros cirúrgicos e modelos inanimados, o que permite o aprendizado de cirurgias sem a presença de pacientes

Pesquisa – As mudanças no ensino de graduação e de pós-graduação fatalmente influirão na forma de fazer pesquisa e gerar conhecimento em medicina, afirma o professor Boulos. Cada vez mais, torna-se impensável o estabelecimento de protocolos médicos e desenhos experimentais sem o auxílio de pesquisadores de campos diversos de atuação. Porém, a interface em pesquisa médica não é coisa do futuro. Já está acontecendo. Um dos exemplos disso é o Programa Rede de Equipamentos Multiusuários (Premium), ou laboratórios multiusuários, como são chamados pelos 180 grupos de pesquisa que atuam no complexo que compreende a Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas da USP.

Trata-se de uma rede virtual com pesquisadores da Faculdade de Medicina, do HC e de outras instituições, que utilizam as mesmas técnicas e tecnologias, de modo a otimizar os recursos financeiros e humanos especializados, diz o radiologista e pesquisador da Faculdade de Medicina Roger Chamas.

Coordenados por pesquisadores com reconhecida competência na sua área de atuação, os laboratórios multiusuários são organizados como serviços, de forma a garantir a outros pesquisadores interessados as condições de se beneficiarem dos serviços e do parque de equipamentos da faculdade e do HC, adquiridos com recursos de diferentes agências de fomento.

Segundo Chamas, o programa inova ao introduzir o conceito de “compra” dos serviços do colega ou de suas informações. “A meta é otimizar recursos e processos. Porém, o programa funciona como estratégia para discutir o próprio processo de geração de conhecimento, a partir do momento em que integra grupos e conhecimento. Percebemos que passamos a ter uma interação maior entre os grupos, socializando as dificuldades e acelerando o processo de descobertas”, afirma Chamas.

Inovação tecnológica – Outra frente em que a Faculdade de Medicina vem buscando expertise diz respeito à inovação tecnológica voltada à indústria eletromédica e farmacêutica. “O País produz muito pouco equipamento na área eletromédica e com isso mantemos uma dependência externa quanto à manutenção e importação de equipamentos e peças. A idéia é atrair parcerias para desenvolver componentes e equipamentos de forma a nacionalizar essa indústria”, diz o professor Giovanni Guido Cerri, um dos coordenadores do Projeto de Inovação Tecnológica da Faculdade de Medicina.

No setor farmacêutico, o Brasil não tem tradição de desenvolver pesquisas básicas em fases iniciais do desenvolvimento de produtos farmacêuticos. O Projeto de Inovação Tecnológica pretende preencher essa lacuna. Além disso, deverá avançar até o desenvolvimento do produto final. “Prevemos em breve iniciar pesquisas avançadas com imagens moleculares, o que será possível com a compra de um equipamento chamado ciclotron. O estudo de imagens moleculares permite o desenvolvimento de medicamentos da área oncológica”, diz Cerri.

Segundo o professor Boulos, nos últimos quatro anos a Faculdade de Medicina tem sido a unidade da USP que mais produz pesquisa e a meta é ampliar ainda mais essa produção. “Somos responsáveis por 3% da produção de pesquisa brasileira, ou 12% de toda a produção biomédica do Brasil, o que significa a maior produção brasileira em pesquisa. Apesar disso, estamos em franca ampliação das nossas áreas de pesquisa.”


Ensino de cirurgia em laboratório avançado

Inaugurado no dia 13 de agosto com uma palestra do governador José Serra, o Centro de Ensino e Pesquisa em Cirurgias (Cepec) da Faculdade de Medicina da USP é o primeiro laboratório de uma instituição pública equipado com os recursos mais modernos para o ensino de cirurgias minimamente invasivas.

Com investimentos de R$ 1,6 milhão, feitos por empresários e pela Fundação Faculdade de Medicina, o centro está dotado de simuladores computadorizados que permitem simular uma cirurgia, reproduzindo num monitor todas as etapas da intervenção. O equipamento registra, corrige os erros cometidos e pontua o operador, de modo que, após períodos de treinamento repetido, possibilita a aquisição sólida de conhecimentos e de habilidades cirúrgicas. Numa etapa anterior, o estudante passa pelo simulador mecânico, também para os mesmos treinamentos.

Entre outros equipamentos, o Cepec conta com quatro minicentros cirúrgicos e modelos inanimados, o que permite todo o aprendizado da cirurgia sem a presença de pacientes. Além disso, uma sala ao lado do centro permitirá teleconferência para a troca de experiências no ensino médico. “A idéia é minimizar o uso de animais no ensino da técnica cirúrgica e proporcionar um ensino de melhor qualidade. Na academia o aluno só entra em contato com a prática cirúrgica através das ligas acadêmicas, que são grupos que se reúnem com a proposta de freqüentar determinadas áreas. Eles apenas observam as intervenções. Praticam com animais e depois, na residência médica, realizam os primeiros contatos com a realidade cirúrgica, geralmente em hospitais universitários”, diz o professor Ricardo Jordão Duarte, diretor do Cepec. Os primeiros alunos a tomar contato com o centro serão os quartanistas, a partir de 2008, segundo Duarte.

 

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