A história da nossa liberdade tem caminhos que os brasileiros desconhecem. E vale muito refletir sobre os sonhos de independência social, econômica e política às margens plácidas do Ipiranga. Sob o sol desta quase primavera, a Independência do Brasil reluz simbolicamente entre jardins franceses, fontes e chafarizes.

foto crédito: Francisco Emolo

No alto da colina, há o amarelo-ouro do Museu Paulista da USP, projetado pelo italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi, que foi construído entre 1885 e 1890, quando a cidade tinha 70 mil habitantes. Um edifício neo-renascentista isolado no espaço, que, na época, pretendia ficar visível de todos os lados a mais de uma légua e meia do perímetro urbano.

Em uma área de 161 mil metros quadrados, o Parque da Independência, com o verde imponente das palmeiras-imperiais e a

elegância do jardim criado por Arsènne Puttemans, que teve como referência o paisagismo do jardim de Versalhes, na França, é um patrimônio histórico nacional, tombado e protegido pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) e Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). No parque estão localizados também a Casa do Grito e o Monumento à Independência, que vêm apresentando, desde o início deste mês, exposições que propõem uma visão renovada da história da Independência através de imagens, textos e documentários. As mostras foram organizadas pela Secretaria Municipal de Cultura e Museu Paulista, sob a curadoria da arqueóloga Margarida Andreatta, da historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira e do museólogo Ricardo Bogus. Importante também o trabalho do historiador e pesquisador Julio Abe na organização dos painéis e imagens.

Ângulos inusitados – “Estas duas mostras possibilitam conhecer ângulos inusitados da história da Independência e também da história de São Paulo”, observa Cecília Helena. “A Independência do Brasil foi um processo que representou não apenas a separação de Portugal, mas a organização das bases econômicas e políticas de uma nova nação no século 19. Envolveu o conjunto da sociedade colonial e provocou inúmeros conflitos, pois havia propostas diferentes sobre a definição do novo governo e de quem deveria exercê-lo.”

foto crédito: Francisco EmoloA historiadora conta que a monarquia constitucional e a escolha de D. Pedro como imperador não eram opções unânimes e a luta armada ocorreu em quase todas as províncias e localidades do Império, com a participação de escravos, libertos, índios, homens e mulheres. “A vinda de D. Pedro à província, em agosto de 1822, foi motivada pela necessidade de garantir o apoio de grupos políticos locais, assegurando-se a continuidade do comércio de abastecimento e da ligação do Rio de Janeiro com o sul do Brasil, através do território paulista.”

Cecília lembra que a importante atuação de políticos de São Paulo no movimento de separação de Portugal e na organização do Estado imperial resultou do papel econômico representado pela cidade e pela capitania desde a segunda metade do século 18. “Nessa época, desenvolveram-se lavouras comerciais de açúcar e as primeiras fazendas de café começaram a ser montadas no Vale do Paraíba. Mas foi especialmente por meio da agricultura de abastecimento e da criação e comércio de animais de carga e montaria que a região se destacou. Essas atividades possibilitaram a formação de grandes fortunas e eram fundamentais para atender ao mercado interno da Colônia, bem como a cidade do Rio de Janeiro, sede da corte desde 1808.”

Marcos simbólicos – São essas informações sobre a nossa história que o visitante vai encontrar no espaço do Monumento à Independência, que começou a ser edificado em 1922 pelo escultor Ettore Ximenez, vencedor de um concurso promovido pelo governo do Estado de São Paulo em 1917. “O artista idealizou o monumento aliando figuras greco-romanas, esculturas de políticos brasileiros como José Bonifácio, padre Feijó, Gonçalves Ledo e Hipólito José da Costa, e símbolos representativos da pujança econômica de São Paulo, como a locomotiva e a bigorna”, explica Cecília.

No subsolo do Monumento está a capela imperial, construída em 1952, com a finalidade de abrigar os restos mortais de D. Pedro I e das imperatrizes Maria Leopoldina, arquiduquesa D'Áustria, e Maria Amélia de Beuharmais, duquesa de Leuchtenberg. Em 1954, foram depositados os despojos de dona Leopoldina e, em 1972, por ocasião dos 150 anos da Independência, foram trasladados para o Brasil os restos mortais de D. Pedro I, que só foram depositados na cripta em 1976. Depois, em 1982, chegaram os despojos de dona Maria Amélia.

A meta do Museu Paulista e da Secretaria Municipal de Cultura é mudar o foco da ocupação da cripta. “Até o momento, esse espaço era visto como uma capela, mas, através da exposição, queremos mostrar que é também um lugar de aprendizado da história do Brasil e de São Paulo”, observa Cecília.

O público pode apreciar documentários curiosos, como o da construção do monumento, produzido por Armando Pamplona, em 1922, que pertence ao acervo da Cinemateca Brasileira. É interessante ver a movimentação dos operários e até a pausa para o almoço, quando as suas mulheres traziam as suas marmitas e eles aproveitavam para comer e descansar à sombra dos guarda-sóis. Há também cenas das crianças do bairro brincando no meio dos trabalhadores. Através desse documentário, é possível ver detalhes curiosos da urbanização do Ipiranga. E constatar as mudanças na topografia. Para deixar o museu no alto da colina, todo o terreno do parque foi rebaixado em até 25 metros.

foto crédito: Coleção Margarida Andreatta/Museu Paulista-USP
Fachada oeste da Casa do Grito com Margarida, Ana, Sebastião e Edi. 1981.

Casa do Grito – Na Casa do Grito, o público pode apreciar fotos, desenhos e fragmentos que resultam da pesquisa realizada na década de 1980 pela arqueóloga Margarida Andreatta. O objetivo da mostra é valorizar o patrimônio e, ao mesmo tempo, contar a história de uma casa de pau-a-pique, erguida na segunda metade do século 19. “Esta casa é um dos últimos exemplares desse tipo de construção na cidade de São Paulo”, explica o museólogo Ricardo Bogus. “Era, originalmente, residência e, ao mesmo tempo, pouso de viajantes e venda de mantimentos.”

A exposição resgata a história dos proprietários da casa, quebrando alguns mitos, como o de que ela pudesse ser um lugar onde D. Pedro I encontrava-se com a marquesa de Santos. Até 1887, pertenceu a Guilherme de Moraes e sua mulher, que a vendeu para Bartholomeu Gomes. Em 1911, o terreno foi adquirido pela família Tavares de Oliveira. “A casa, nessa época, estava em ruínas e era utilizada como cocheira. Após uma reforma, voltou a ser usada como moradia. Em 1936, foi desapropriada pela Prefeitura de São Paulo e transformada em monumento comemorativo da proclamação da Independência”, esclarece a historiadora Cecília. “O nome Casa do Grito originou-se do fato de a casa figurar no quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, que é a representação mais conhecida do episódio de 7 de setembro de 1822 e está exposta no Museu Paulista.”

O pintor Pedro Américo criou a obra entre 1886 e 1888, em Florença, na Itália. Antes, porém, visitou o Ipiranga e realizou uma pesquisa para produzir a pintura, incorporando a casa de pau-a-pique como opção estética – e licença poética – para compor o cenário da proclamação.

A mostra é distribuída nos oito cômodos da casa. Traz também fotos curiosas do trabalho da arqueóloga Margarida Andreatta coordenando as escavações na Casa do Grito e arredores, que consistiram na abertura de trincheiras para verificação e comparação das diferentes camadas de solo e na reconstituição do piso original, que é o chão de terra batida por meio de uma técnica minuciosa, a decapagem, com o objetivo de registrar a posição exata do material nele encontrado.

foto crédito: Francisco Emolo

As exposições do Monumento e da Casa do Grito revelam o empenho do Museu Paulista em preservar o patrimônio histórico e despertar a consciência da população a respeito da importância de conhecer a própria história.

São divulgadas, porém, em um momento difícil, quando o Museu Paulista se ressente do furto de cerca de 900 peças do acervo de Numismática (cédulas e moedas) da instituição, constatado no último dia 6 de agosto. Na tarde da terça-feira, 11 de setembro, foram recuperadas cerca de 60 peças, devolvidas por colecionadores que alegaram tê-las comprado em feiras de antigüidades em São Paulo. O delegado responsável, Marcio Tosatti, alegou que, pela descrição dos colecionadores, a venda dos objetos pode ter sido feita pela mesma pessoa, embora não tenha indícios de que os compradores desconfiassem de que o material tenha sido produto de furto. Segundo informações da direção do museu, as investigações sobre o furto estão sendo apuradas com rigor, na expectativa de que o patrimônio seja devidamente resgatado.

As exposições no Monumento à Independência e na Casa do Grito, promovidas pelo Museu Paulista da USP, ficam abertas de terça-feira a domingo, das 9 às 17 horas, no Parque da Independência, no Ipiranga, em São Paulo. Entrada grátis.

 
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