Imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial, os filmes alemães mantinham, em grande parte, a linha conservadora da cinematografia do Terceiro Reich. O público dava preferência, além disso, às produções leves e triviais, ignorando os temas nacionais, ligados aos traumas do conflito recém-encerrado e às necessidades do país em reconstrução. A ausência de uma perspectiva crítica no cinema levou ao surgimento do Neuer Deutscher Film(o Novo Cinema alemão), após a publicação do Manifesto de Oberhauser – assinado em 1962 por 26 pensadores que

reivindicavam o desejo do renascimento de um cinema livre em idéias e linguagem. O líder e porta-voz do movimento, o cineasta Alexander Kluge, tornou-se uma das maiores influências do Novo Cinema, dirigindo uma série de filmes marcantes e produzindo romances e ensaios políticos e filosóficos. A partir desta quarta, o legado do cineasta e intelectual é resgatado na mostra “Alexander Kluge: O Quinto Ato” .

O ciclo, promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil e pelo Instituto Goethe, tem curadoria de Jane de Almeida e reúne pela

A Patriota (1979)

primeira vez no País a produção completa de longas-metragens do cineasta, exibindo diversos títulos inéditos e programas de televisão. A idéia do título da mostra parte de uma entrevista com um cantor lírico, contida no filme O Poder dos Sentimentos(1983), em que a entrevistadora pergunta como o tenor consegue expressar uma certa luz de esperança no primeiro ato de uma ópera, sabendo que chegará a um desenlace trágico no quinto e último ato. “No primeiro ato ainda não posso conhecer o quinto”, insiste o artista. “A ópera poderia ter outro final?”, pergunta a entrevistadora, lembrando que o desenlace nunca foi diferente nas “84 apresentações” anteriores de que participou. O cantor responde: “Mas poderia acabar bem!”. A cena revela um eixo crucial da filmografia de Kluge, que procura evitar a repetição de imagens já cristalizadas de narrativas acomodadas na mente de produtores e espectadores.


Guerra e Paz (1982/83), sobre a marcha que derrubou o premiê alemão

Durante o evento, neste sábado, também acontece o lançamento de Alexander Kluge: O Quinto Ato (Cosac Naify, 120 págs., ainda sem preço definido), que traz 11 textos do último livro do diretor, Histórias do Cinema, lançado em 2007. São pequenos ensaios sobre as impressões de Kluge a respeito do cinema, como O programa dos cinemas em dezembro de 1917, em São Petersburgo e em Moscou e Uma observação de Walter Benjamin, além dos artigos A realidade não é realista. Alexander Kluge, o cinema europeu e alemãoe Fantasia prática: Facts and Fakes, do professor Rainer Stollman, da Universidade de Bremen. Stollman participa ainda de um debate com Arlindo Machado, professor de Comunicação e Semiótica na PUC-SP e na USP, após a exibição do documentário Alexander Kluge: O Quinto Ato. Uma Conversa com Bruno Fischli, que foi filmado especialmente para o evento, durante a última edição do Festival de Veneza, e tem o próprio Kluge como protagonista (sábado, às 18h).


O Poder dos Sentimentos (1983), que dá título à mostra

Programação – A mostra de filmes começa na quarta com uma sessão de curtas que reúne Brutalidade em Pedra (1960), Professor em Transformação(1962/63), Retrato de Quem Deu Certo (1964), Sra. Blackburn (1967) e Bombeiro (1968). A seguir, são exibidos Alemanha no Outono (1978), dirigido em parceria com Volker Schlöndorff, Rainer Fassbinder, Alf Brustellin, Bernhard Sinkel, Katja Rupe, Hans Cloos, Edgar Reitz, Maximiliane Mainka e Peter Schubert, que trata do período que ficou conhecido como o Outono Alemão, em que a organização de esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF) seqüestrou o líder empresarial Hanns Schleyer, ao mesmo tempo em que alguns de seus líderes eram condenados à prisão perpétua e um avião da Lufthansa era seqüestrado em Mogadíscio por palestinos que apoiavam a RAF; O Grande Caos (1969/70), uma ficção científica em que a galáxia está tomada por uma guerra civil; e Amor Cego – Conversa com Jean-Luc Godard (2001), em que Kluge entrevista o cineasta francês em seu programa de televisão, fazendo perguntas inusitadas como “O amor é cego?” e “Como explicaria a um habitante de Sirius o que é o cinema?”.


Artistas na Cúpula do Circo: Perplexos (1967)

Ainda estão na programação as obras Guerra e Paz (1982/83), com direção coletiva que conta com a participação de Kluge e trata da marcha de 300 mil pessoas que derrubou o então primeiro-ministro Helmut Schmidt; Trabalho Ocasional de uma Escrava (1973), que aborda alguns meses na vida de um casal com filhos, em meio a um movimento de protesto; A Indomável Leni Peickert (1967/68), que fala sobre os empreendimentos da dona de circo, como seus poemas e a luta por um espaço na programação televisiva; e Despedida de Ontem (1965/66), em que uma jovem rouba um pulôver para se aquecer e acaba presa, tendo dificuldades para começar uma nova vida após sua libertação.

A mostra “Alexander Kluge: O Quinto Ato começa nesta quarta e v ai até 7 de outubro, no Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 3113-3651). A programação completa está no site www.bb.com.br/cultura. Ingressos a R$ 4,00 e R$ 2,00 para as sessões de cinema, e entrada franca para o debate, mediante retirada de senhas meia hora antes.

 
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