Um sistema inovador para a gestão dos recursos hídricos será experimentado no campo de ação dos Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitês PCJ). Trata-se da aplicação de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs), por meio de um modelo que beneficiará agricultores conservacionistas localizados em uma área geográfica de grande recarga hídrica nas bacias PCJ e considerada de alta prioridade. Mais especificamente, essa região se encontra a montante das barragens do sistema Cantareira e o modelo contemplará, nessa região, seis municípios paulistas e quatro municípios mineiros.

foto crédito: Unisul/Gruperh

Os trabalhos de gestão dos recursos hídricos nos Comitês PCJ se desenvolvem basicamente através de sua Secretaria Executiva (SE/PCJ) e da Agência de Águas PCJ, bem como pelos Grupos de Acompanhamento (GAs), Grupos Técnicos (GTs) e 11 Câmaras Técnicas (CTs) com funções deliberativas. A Câmara Técnica de Uso e Conservação da Água no Meio Rural (CT-Rural) possui atribuições próprias, como elaborar propostas para a integração entre as instituições que atuam no meio rural, buscando a preservação, conservação e o

uso sustentável dos recursos hídricos.

Apesar de muitos produtores rurais serem ambientalmente conscientes, possuem pouca disposição para investimentos em práticas de conservação ambiental, em função de sua delicada situação econômico-financeira. Ressalta-se ainda que, apesar de o Código Florestal Brasileiro existir há mais de 40 anos, a recuperação de áreas com cobertura vegetal nativa permanece insatisfatória. Observa-se que apenas os instrumentos de comando e controle não estão sendo suficientes para fazer com que agricultores efetivamente contribuam com a conservação e recuperação ambiental em suas propriedades rurais. Portanto, torna-se evidente a necessidade de se estabelecer novos mecanismos de gestão ambiental. Nesse sentido, destacam-se os PSAs baseados no princípio “provedor-recebedor”, em que incentivos financeiros são propostos para os agentes conservacionistas, como para agricultores que estiverem contribuindo para a recuperação de áreas com cobertura florestal nativa e/ou estiverem adotando práticas adequadas de uso e manejo da água e do solo.

As considerações sobre os PSAs estão relacionadas ao fato de que a natureza garante a sobrevivência dos seres humanos, por meio do fornecimento de bens (alimentos, madeira etc.) e serviços (regulação climática, purificação da água etc.). Porém, a degradação ambiental vem acarretando, numa escala crescente, a diminuição do potencial dos sistemas naturais em prover esses benefícios. Um agente conservacionista, ao recuperar a mata ciliar em sua propriedade, por exemplo, estará melhorando a qualidade da água (de um rio, córrego etc.). Em outras palavras, estará potencializando a geração de um serviço ambiental que será utilizado por outras pessoas de forma mais satisfatória. Assim, a aplicação dos sistemas de PSA se mostra como um importante mecanismo de gerenciamento, podendo trazer grandes benefícios para o planejamento e manejo de bacias hidrográficas.

Perspectivas promissoras de programas conservacionistas internacionais envolvendo PSA trouxeram motivação, no âmbito da CT-Rural, para a elaboração de uma proposta fundamentada na necessidade de absorção dos princípios, objetivos e benefícios dos sistemas de PSA como mecanismos alternativos de gestão. Essa proposta evoluiu alterando a composição do atual Plano de Bacias PCJ, isto é, aprimorando suas ações específicas para a conservação e proteção dos corpos d'água. Essas ações prevêem a implementação de projetos de recomposição da vegetação ciliar e de topos de morros, da cobertura vegetal da bacia hidrográfica e de fomento para disciplinar o uso do solo rural e urbano.

Recentemente foi aprovado no âmbito dos Comitês PCJ um projeto piloto baseado na metodologia do Programa do Produtor de Água da Agência Nacional de Águas. Esse projeto será implementado na região compreendida pela Sub-Bacia Hidrográfica do Cantareira, abrangendo os municípios de Camanducaia, Extrema, Itapeva, Toledo, Pedra Bela, Piracaia, Vargem, Bragança Paulista, Joanópolis e Nazaré Paulista.

A experiência piloto envolverá apoio técnico aos produtores rurais, ações de conscientização ambiental, difusão e aplicação dos Pagamentos por Serviços Ambientais. O projeto será executado mediante cooperação entre os Comitês PCJ, TNC (The Nature Conservancy), ANA (Agência Nacional de Águas), Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), PRMC (Projeto de Recuperação de Matas Ciliares da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo), PME (Prefeitura Municipal de Extrema, em Minas Gerais), IEF (Instituto Estadual de Florestas do Estado de Minas Gerais) e da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Por meio dessa parceria, recursos financeiros da ordem de R$ 4 milhões serão aportados para o desenvolvimento do projeto. Destaca-se que, desse montante, R$ 550 mil serão provenientes da cobrança pelo uso da água dos rios de domínio da União das Bacias PCJ. Utilizando-se recursos da cobrança em PSA, essa experiência estará imprimindo especial notoriedade ao elucidar um dos principais objetivos da própria cobrança, ou seja, promover o uso racional da água e a conservação do solo, funcionando como um elemento educativo no combate à erosão, sedimentação de mananciais e poluição difusa rural.

A premissa central desse modelo se constitui no exercício e verificação do grau de eficácia de um sistema de pagamentos pela restauração de serviços relacionados com a água em uma bacia hidrográfica, buscando sensibilizar os produtores rurais para a implementação de práticas conservacionistas. Por meio da aplicação dos PSAs, os repasses financeiros não se caracterizarão em subsídios agrícolas, mas sim em incentivos proporcionais aos benefícios ambientais gerados por produtores rurais que, de forma voluntária, aderirem ao programa e cumprirem as etapas e metas preestabelecidas.

Os recursos financeiros (alocados mediante contratos individuais) serão liberados aos produtores para compensar parte de seus custos, com a implantação, parcial ou total, de ações e práticas para a redução do risco de erosão do solo e/ou com ações visando à recuperação da cobertura florestal nativa. O apoio financeiro aos produtores rurais, pelos serviços ambientais prestados, garantirá a sustentabilidade do projeto, ou seja, haverá interesse por parte dos agentes provedores em cumprir suas metas, permitindo-lhes receber os respectivos incentivos financeiros.

Essa experiência piloto poderá trazer grandes benefícios socioambientais e perspectivas inovadoras para um desenvolvimento rural sustentável. Sua repercussão poderá fazer com que a aplicação do modelo proposto conquiste uma abrangência ainda mais expressiva, tanto nas bacias PCJ quanto em outras bacias hidrográficas que demandem novos desafios na busca da restauração de florestas, uso racional da água e conservação do solo.

Rogério Teixeira da Silva é pesquisador de pós-doutoramento do Departamento de Engenharia Rural da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e membro da Câmara Técnica de Uso e Conservação da Água no Meio Rural dos Comitês PCJ.

Marcos Vinícius Folegatti é professor titular do mesmo departamento e também membro da Câmara Técnica de Uso e Conservação da Água no Meio Rural dos Comitês PCJ.

 
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