O Riocentro, na Barra da Tijuca, é um lugar longe de tudo e perto apenas de si mesmo. E perigoso, pode-se quase dizer. A cerca de uma hora do centro do Rio de Janeiro, no caminho tem-se que passar pela nem sempre amistosa Linha Amarela, que teima em pontuar nos noticiários policiais de jornais do País. Isso, no entanto, não impediu que exatas 645 mil pessoas – do Rio e de fora da cidade – empreendessem a viagem para aproveitar os onze dias da XIII Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que ocupou os espaços do Riocentro. Trata-se de um recorde, já que na bienal passada, 630 mil haviam passado pelas catracas do centro de eventos carioca. A bienal do Rio deste ano, inclusive, marcou outros números notáveis. Segundo Paulo Rocco, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, a Snel, o faturamento foi de R$ 43 milhões, R$ 1,5 milhão a mais do que a feira passada. No total, foram vendidos 2,5 milhões de livros, 200 mil além da marca da bienal de 2005.

Foto crédito: Americo Vermelho

São números impactantes, que demonstram que a Bienal Internacional do Rio já rivaliza com a sua co-irmã paulistana pelo troféu de mais importante feira de livros do País – e uma das mais importantes da América Latina, ao lado da de Buenos Aires e a FIL, de Guadalajara, no México. Um dos fatores para o sucesso da bienal carioca foi, segundo especialistas, a infra-estrutura do local. Não era para menos. Nas edições de 2003 e 2005, o espaço apertado, o calor que emanava dos pavilhões e uma certa insegurança à noite acabaram por afastar o público nos dias finais do evento. Desta vez, foi diferente, com o ambiente

climatizado e corredores mais largos. “Em 2003 houve uma queda significativa do público que freqüentava a bienal à noite, durante a semana. Em 2005 registramos uma melhora e este ano podemos dizer que este público voltou ao evento”, comemorou o presidente do Riocentro, Arthur Repsold. Mas sempre há o que se melhorar: nos últimos dias da bienal, entre os dias 21 e 23 do mês passado, parecia que a tão propalada climatização tinha tirado uma folga e o calor dava aos 55 mil metros quadrados do local, por vezes, ares de praia de Copacabana. Mas nada que tenha impedido o bate-pernas entre os estandes dos 950 expositores e a proliferação de sacolas recheadas de livros. Porque, como os números atestam e diferentemente do que reclamavam editores em edições passadas da bienal, o público foi, viu e comprou. Principalmente por parte de um público que a bienal – ou qualquer feira de livros, em qualquer latitude – quer atingir: os estudantes. “Esta foi a melhor Visitação Escolar já realizada”, acredita Paulo Rocco, da Snel. “O número de livros comprados por estudantes subiu de 2,1 em 2005 para 2,8 este ano, um aumento significativo”, avalia. O preço médio do livro comprado por estudantes foi de R$ 6,90. E a Visitação Escolar – o esquema montado entre os organizadores da Bienal do Rio e as diversas escolas cariocas – levou 173 mil pessoas ao Riocentro, enquanto o restante do público foi de 472 mil visitantes. Desse total, segundo a Snel, 83% compraram livros, o que dá uma ótima média de cinco livros por pessoa, a um preço médio de R$ 19,90. E ainda há quem teime em dizer que no Brasil não se lê e que empreendimentos editoriais são como os moinhos/gigantes de Quixote – um delírio. É claro que ainda há muito o que se fazer para se popularizar a leitura e o livro no País – preços no geral mais acessíveis, maior número de pontos de vendas em todo o território nacional. São coisas básicas, que precisam ser estabelecidas. Mas que projetos como a bienal carioca sabem acertar na mosca quando querem e trabalham para isso, é inegável.

Foto crédito: Americo Vermelho Estande das editoras universitárias: força e união para enfrentar os grandes grupos

Espírito jovem – A presença de crianças e jovens à qual se referiu tão entusiasticamente Paulo Rocco, por sinal, parece estar se tornando uma marca registrada da feira de livros carioca. Já em 2005 a presença maciça de menores de idade passeando pelos estandes e comprando livros já havia chamado a atenção. E este ano, como os números comprovam, foi ainda melhor. E não se credite esse fato apenas à tal Visitação Escolar – que, no final das contas, poderia dar um cunho “oficialesco” a algo que deveria e deve ser espontâneo. E realmente é. Claro que havia muitas crianças em uniformes escolares correndo e se distraindo pelos hoje amplos corredores da bienal, mas havia também muitas delas puxando pais pelas mãos ou se desgarrando da família para analisar algum título promissor além dos harrypotters da vida ou ver de perto algum ídolo do mundo livresco. Ziraldo, por exemplo. O pai do Menino Maluquinho reuniu, no sábado 22, mais de quinhentas crianças ao seu redor em outra tarde de autógrafos e de troca de idéias. Havia até uma piada correndo pelas alamedas da bienal, dando conta que era bem fácil encontrar Ziraldo: era só descobrir um tufo de cabelos brancos cercado de crianças por todos os lados.

Brincadeiras à parte, esta Bienal do Rio parece ter sido mesmo pensada para menores. Mais uma vez foi instalada no Riocentro a Arena Jovem, organizada pela escritora Suzana Vargas, para discutir temas momentosos, como maioridade penal, aquecimento global e distúrbios alimentares. Um outro point jovem foi a Esquina do Leitor, onde também se discutiu temas cabeludos, como aborto, drogas e até Deus. “Partimos da idéia que opinião se discute, sim”, disse Rosa Maria Araújo, responsável pela programação cultural do evento há oito anos. Para ela, a interação do jovem leitor com os livros e com os autores é algo que precisa ser cada vez mais fomentado. “As pessoas querem ver os autores, que são quase popstars. O adolescente quer mais, quer dar um beijo.” Ziraldo que o diga.

Foto crédito: Alex Ferro O público infantil deu o tom na Bienal do Rio: ao todo, foram ao Riocentro 173 mil crianças e adolescentes ávidos por livros

Autores e leitores – O encontro entre leitores e escritores, inclusive, foi um dos pontos altos no Riocentro. Ao todo, foram exatos 301 escritores – 280 brasileiros e 21 estrangeiros –, uma centena a mais do que em 2005. Os encontros se deram em sessões de autógrafos e nas sempre concorridas palestras e reuniões nos espaços criados por Rosa Maria, como Esquina do Leitor e o Botequim Filosófico. “Os novos espaços foram um sucesso absoluto, o público participou ativamente com perguntas e comentários”, afirma ela. “As demais sessões literárias da bienal levantaram questões importantes, idéias e reflexões, sempre com um público muito interessado e comprometido com o debate.” Ela tem razão. A jovem Aryane Pacheco, de 14 anos, estava com colegas do Colégio Santa Úrsula atrás de todo e qualquer autor minimamente famoso e das sessões de debates. “É importante para todos nós esses encontros. Conhecer um autor e discutir com ele é bem melhor do que apenas ler seus livrosæ, acredita ela.

E teve de tudo na constelação particular de autores da Bienal do Rio. Como o afegão Shah Muhammad Rais, personagem central da obra O livreiro de Cabul, que escreveu seu próprio livro – Eu sou o livreiro de Cabul – para desancar com a escritora norueguesa Asne Seiestad. Celebridade instantânea, Muhammad Rais borboleteou pelos estandes, foi à comemoração oficial de abertura no Copacabana Palace e autografou livros – mas parecia visivelmente deslocado. Para ele, talvez aquela balbúrdia carioca estivesse mais para uma festa muito estranha com gente bem esquisita – mas nada que se compare aos talibãs, é claro. Mas houve muita mais gente, desde os cultuados Luis Fernando Verissimo e Ferreira Gullar, até novidades literárias, como Mayra Dias Gomes, filha do falecido dramaturgo e novelista Dias Gomes.

Foto crédito: Alex Ferro Arena jovem: interação do público com autores foi um dos pontos altos da Bienal

Outra atração, esta no último dia da feira, o domingo 23, foi a americana Cecily Von Ziegesar, autora da série Gossip Girl. Ela enfrentou com destemor e um sorriso um tanto perplexo nos lábios uma fila de dezenas de meninas saltitantes que queriam porque queriam um autógrafo dela em seu livrinho de fofocas adolescentes. Sobreviveu. Assim como o livro, que ganha mais fôlego depois desta Bienal Internacional do Rio.

 

A hora do livro universitário

A Bienal em números

950
expositores

645 mil
visitantes

R$ 43 milhões
de faturamento

2,5 milhões
de livros vendidos

280
escritores brasileiros

21
autores estrangeiros

133
sessões literárias

Como acontece em todas as bienais – seja no Rio de Janeiro ou em São Paulo –, a Editora da Universidade de São Paulo, a Edusp, participou ao lado de outras editoras no estande da Abeu, a Associação Brasileira de Editoras Universitárias. Este ano, marcaram presença no Rio cerca de cem editoras universitárias, desde as muito grandes e mais visíveis, como a própria Edusp, a Editora da Universidade de Minas Gerais e a EdUnesp, até aquelas de instituições bem menos visíveis e quase desconhecidas que têm nas bienais a oportunidade de mostrar seu trabalho a um grande público. “É o evento mais importante do livro no Brasil e não podemos deixar de participar”, afirma Plinio Martins Filho, presidente da Edusp. “Nós somos muito conhecidos em São Paulo e a Bienal do Rio de Janeiro é importante para mostramos nosso catálogo a novos leitores.” A participação no Rio tem um outro atrativo além daquele de poder apresentar títulos a um público novo, segundo Martins Filho. “A Bienal do Rio sempre tem boa presença, o que é animador. Parece que é um público mais chegado ao livro”, avalia. “Na Bienal de São Paulo a visitação é mais protocolar, quase uma visita, um programa. No Rio você nota que a participação é mais prazerosa, é um público com uma relação cultural com o livro mais estreita. Mesmo em dias de sol, com todas aquelas praias, o público não deixou de lotar o Riocentro.” Estar ao lado de outras editoras universitárias também é um dado importante e a ser levado em conta para o presidente da Edusp. “A união das editoras no estande da Abeu fortalece cada vez mais o livro universitário, o valoriza e mostra que dá para trabalharmos bem em conjunto”, acredita ele. “Se fôssemos disputar espaço sozinhos contra grandes grupos editoriais e comerciais, sairíamos perdendo. Já unidos em um grande estande, com programação de eventos própria, chamamos mais a atenção e podemos mostrar nossa produção, que é respeitável. É importante notar como o público está aceitando bem o livro universitário, não o vê mais como algo oficial e sim pela sua qualidade editorial. Isso é muito interessante.”

 
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