Na pequena cidade de Siracusa, ao sul da Itália, um templo a Apolo do século 6 antes de Cristo convive com uma rua ocupada por lojas sofisticadas e uma tradicional feira livre siciliana. As cidades, construções e monumentos históricos da antigüidade grega e as relações desse patrimônio com as estruturas urbanas atuais foram os principais pontos de interesse da expedição audiovisual realizada por pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (Labeca) do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP às cidades de Siracusa, Naxos e Taormina. Os primeiros resultados da viagem estão na mostra fotográfica “A Cidade Antiga em Cena”, em cartaz até o fim do ano no MAE.

© Wagner Souza e Silva

As visitas científicas, realizadas entre 5 de maio e 8 de julho deste ano, tiveram como objetivo captar imagens sobre a região no sul da Itália conhecida no passado como Magna Grécia. Ali, a partir do século 8 antes de Cristo, se desenvolveram três dezenas de colônias gregas. Liderada pelas professoras Maria Beatriz Borba Florenzano e Elaine Hirata, a equipe do Labeca fez 17 horas de gravações em audiovisual e tirou 10 mil fotografias. Esse material será utilizado para a produção de um documentário científico de 26 minutos, a ser distribuído para escolas

do ensino fundamental e médio. Servirá também para pesquisas vinculadas ao projeto temático Cidade e Território na Grécia Antiga – Organização do Espaço e Sociedade, do qual o Labeca é parte integrante.

As imagens captadas durante a expedição se encontram num banco de dados arqueológicos do Labeca, aberto à consulta de pesquisadores e professores interessados na história da cidade antiga. Segundo a professora Elaine Hirata, esse trabalho de organização e disponibilização de informações é importante para o trabalho de pesquisadores da sociedade grega antiga que não têm possibilidade de contato com as fontes primárias de conhecimento sobre o tema. O Labeca planeja publicar uma página eletrônica até o fim deste ano para disponibilizar esse material via internet.

© Wagner Souza e SilvaVestígios – A pesquisa de fundo do Laboratório de Estudos da Cidade Antiga, coordenado pelas professoras Maria Beatriz e Elaine, procura desvendar a contribuição das colônias gregas do mediterrâneo ocidental para a formação do modelo de cidade conhecido como pólis, que predominou no mundo grego antigo. Os estudos têm como base vestígios materiais relativos aos usos e à organização do espaço nas povoações da Grécia antiga. Abrangem os períodos arcaico, clássico e helenístico, ou seja, entre os séculos 8 e 2 antes de Cristo, desde a fundação das primeiras colônias até o período de dominação da Grécia pela Macedônia.

Até agora, os historiadores afirmam que os colonizadores gregos reproduziram nas regiões distantes o modelo de cidade que deixaram no continente. Mas as pesquisas do Labeca – e de outros grupos de arqueólogos do Brasil e do exterior – têm mudado essa visão. Segundo a professora Elaine Hirata, textos posteriores à colonização, como os de Tucídides, e a datação de materiais, instrumentos, cerâmicas e construções indicam que a fundação das colônias e a estruturação das cidades gregas foram fenômenos contemporâneos. Os dados indicam que a pólis surgiu a partir de um processo de experimentação, de multiplicidade de experiências trocadas entre a cidade e a colônia. A contribuição das colônias gregas ocidentais na gênese da pólis se deu de forma mais intensa no arranjo urbanístico. “Foram definidas as áreas de habitação, com ruas dispostas em forma regular, ortogonal, e espaços especializados, como necrópoles e áreas de reuniões, como a ágora”, afirma Elaine.

© Wagner Souza e SilvaHerança grega – Na expansão da cidade de Siracusa, hoje com mais de 120 mil habitantes, foi mantida a malha urbana das cidades antigas. “Era uma solução bem pensada e foi mantida porque funciona”, conta Elaine. Há, ainda, a adaptação de espaços a novas necessidades. Na catedral de Siracusa, por exemplo, uma fachada barroca do século 18 esconde um interior habitado por colunas gregas pertencentes ao templo da deusa Atena, datadas do século 6 antes de Cristo.

A permanência de costumes nascidos na antiguidade entre a população local pode ser observada principalmente no teatro, entre grupos de pescadores e no cultivo de oliveiras e vinhas. Os agricultores e os pescadores do sul da Itália reconhecem a ligação entre sua ocupação e o modo de vida dos colonos gregos. “Os mais velhos têm a clareza da sobreposição dos tempos e dos povos que dominaram a região”, relata Elaine.

Os registros mais antigos do teatro de Neápolis, construído pelo arquiteto Myrillas, datam do século 5 antes de Cristo. Desde o início do século 20, em todos os verões, as arquibancadas da construção recebem de turistas e a população local para um festival de tragédias e comédias clássicas, promovidas pelo Istituto Nazionale del Dramma Antico. Esse evento, na opinião da professora Elaine, representa a síntese da interação entre passado e presente operada na região de Siracusa. Os registros produzidos pela expedição durante a apresentação da peça As traquínias , de Sófocles, integram a exposição fotográfica no MAE.

© Wagner Souza e SilvaEnsinar arqueologia – Segundo Silvio Cordeiro, coordenador técnico do documentário em fase de produção, o Labeca tomou uma decisão pioneira na área de arqueologia ao destinar parte de seu financiamento para a produção de um material didático audiovisual destinado a estudantes do ensino fundamental e médio. A idéia é produzir instrumentos de ensino que incorporem os recentes resultados das pesquisas, transmitindo-os através de uma linguagem atraente para os jovens. Pretende-se distribuir cerca de 3 mil cópias do vídeo, acompanhadas de libretos, para professores, escolas públicas e faculdades de Educação de todo o País.

Além do processo múltiplo de formação das cidades gregas, será incluída no vídeo uma reflexão sobre a construção da paisagem no tempo, por meio do diálogo entre as ocupações atuais e as pólis. Durante a expedição, a equipe também registrou depoimentos de moradores. A observação dos usos do espaço urbano nas localidades busca entender como as cidades refletem as respostas encontradas aos problemas de viver em comunidade. Silvio Cordeiro ressalta que, para os pesquisadores, produzir o documentário também é um processo de estudo da arqueologia. A expedição foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelas Pró-Reitorias de Pesquisa e de Cultura e Extensão e pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

 
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