Catedrais, universidades e enciclopédias podem precisar de séculos para se considerar terminadas. Ou mais, porque universidades e enciclopédias acompanham a evolução das ciências, que não têm fim. Faltam seis anos para o centenário do início da construção da Catedral Metropolitana de São Paulo, 27 anos para o centenário de fundação da USP e... cem anos para o centenário de publicação da

Foto crédito: Jorge Maruta

Enciclopédia Agrícola Brasileira. É que a Editora da USP (Edusp) lançou na praça este ano o sexto e último volume da obra, a primeira do gênero em língua portuguesa, na qual cerca de cem especialistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, e de outras instituições trabalharam durante 18 anos, sob a coordenação dos professores Julio Seabra Inglez de Sousa (falecido), Aristeu Mendes Peixoto e Francisco Ferraz Toledo.

A prova de que a ciência caminha mais rápido do que as rotativas das editoras e a capacidade dos pesquisadores de entregar os originais é que do abá, que abre o


primeiro volume, ao zurro, que fecha o último, passou-se tempo suficiente para desatualizar as definições de alguns verbetes iniciais. “Pensamos que seriam necessários cinco anos, mas foram dezoito”, recorda Peixoto, aprovando a idéia da Edusp e da direção da Esalq de passar o conteúdo da enciclopédia para CDs ou DVDs, pois só na forma eletrônica será possível contornar o problema dos custos de revisão, atualização e continuidade da publicação. Cabe ao diretor da Esalq, professor Antonio Roque Dechen, nomear uma comissão para dar início aos trabalhos, que poderão acrescentar novos verbetes aos atuais 18 mil, uma vez que a ciência agrícola, como as demais, vai ganhando dia a dia novos termos e novas técnicas, ao atuar em sintonia com áreas como biotecnologia e agronegócio.

Sem leão nem camelo – Aos 81 anos, o professor Peixoto curte a aposentadoria trabalhando mais do que nunca. Acabou a redação de novo livro, Glossário de termos zootécnicos, e escreve quatro capítulos sobre bovinocultura de corte, por encomenda de uma editora. Agora pensa em prestigiar os jovens, muitos dos quais ajudou a formar, e quer que eles assumam a responsabilidade pelas funções que os mestres vinham exercendo até aqui.

Do longo tempo à frente da Enciclopédia Agrícola Brasileira não esquece. Recorda, por exemplo, como a comissão conseguiu incluir o verbete sobre avestruz. Se a enciclopédia leva em conta apenas assuntos relativos aos Brasil, espécies de fauna e flora estrangeiras deveriam ficar de fora. Leão, camelo, dromedário, urso não entraram. O mesmo deveria acontecer com avestruz, ave africana, mas ela foi rapidamente registrada no primeiro volume apenas porque era freqüentemente confundida com a brasileira ema. Acontece que nos anos que mediaram a publicação do primeiro e do terceiro volumes da enciclopédia o avestruz foi abrasileirado, candidatando-se a figurar na obra da Esalq. E assim foi feito: agora, avestruz faz companhia à ema no terceiro volume, sempre com a ressalva de que se trata de espécies diferentes, mas popularmente confundidas.

foto crédito: Cecília Bastos
Peixoto: 18 anos de trabalho

Peixoto tem conhecimento da existência de enciclopédias agrícolas na Inglaterra, Espanha e Estados Unidos. Na América Latina, diz não ter visto nenhuma. Quando os pesquisadores da Esalq decidiram fazer a sua, a ele coube coordenar a área animal, enquanto Inglez de Sousa e Toledo ficavam com a vegetal. Convocavam colaboradores conhecidos, mas a distribuição das tarefas e verbetes ficou por conta dos departamentos, 17 na época.

Também foram chamados para colaborar pesquisadores de outras instituições, notadamente de institutos ligados à Unicamp e à Unesp. Alguns dos pesquisadores trabalharam em apenas um volume, outros em vários e outros ainda em todos. O plano inicial era editar a enciclopédia em Piracicaba mesmo, mas a Edusp, então presidida pelo professor João Alexandre Barbosa, tomou a si esse encargo, comprometendo-se a editar, publicar e comercializar a obra.

Segundo Peixoto, a comissão de redação tentou algumas vezes encurtar o tempo de entrega da enciclopédia, pedindo ajuda financeira a fundações e agências de fomento. Conseguiu ajuda modesta da Fapesp, que inicialmente recusava aprovação do projeto alegando não se tratar de pesquisa. Quanto ao trabalho dos colaboradores, foi voluntário, segundo Peixoto, e ao final eles fizeram jus a exemplares avulsos ou a um conjunto da obra. O professor agora aposentado acredita que com a conclusão da publicação a procura pela enciclopédia crescerá bastante. Segundo ele, a demanda era fraca no início da publicação, pois é possível que muitos dos interessados não acreditassem que chegaria ao Z, uma vez que há exemplos históricos de dicionários que terminaram na letra por onde começaram.

Quando Peixoto tem alguma dúvida relativa a assuntos agrícolas, o que faz? Consulta a Enciclopédia Agrícola Brasileira. Normal. Não é segredo para ninguém que Aurélio Buarque de Holanda na dúvida consultava o próprio dicionário.

Enciclopédia Agrícola Brasileira, de Julio Seabra Inglez de Sousa, Aristeu Mendes Peixoto e Francisco Ferraz Toledo (organizadores), Edusp. Preço: R$ 107,00 (volume 1: A-B), R$ 128,00 (volume 2: C-D), R$ 108,00 (volume 3: E-H), R$ 128,00 (volume 4: I-M), R$ 108,00 (volume 5: N-R) e R$ 130,00 (volume 6: S-Z)

 

Ema e avestruz

Abaixo, um verbete da Enciclopédia Agrícola Brasileira.

Ema – 1. Nome indígena: nhandu. Esta é a mais corpulenta ave da fauna e única representante da ordem dos Rheiformes, família Reidae, sendo cientificamente referida como Rhea americana L. Exibe esterno sem quilha, asas atrofiadas (não voa), cauda vestigial e pernas robustas com somente três dedos nos pés (ave pernalta e corredora)... Na época da reprodução várias fêmeas depositam ovos no mesmo ninho, cabendo ao macho polígamo o trabalho de sua incubação e a tutela dos filhotes nidífugos (...). 2. Às vezes se atribui à ema brasileira a denominação errônea e imprópria de avestruz, que deve ser reservada para as espécies do gênero Struthio, algumas das quais foram recentemente introduzidas no Brasil, onde estão sendo exploradas em criatórios particulares de vários Estados (São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná). No volume I desta Enciclopédia Agrícola o verbete Avestruz recebeu um tratamento de ave exótica, ainda não comercializada no País, do ponto de vista agrícola. Todavia, a situação se alterou substancialmente nos últimos anos, e algumas informações veiculadas em revistas especializadas e jornais agrícolas dão conta de um interesse crescente no aproveitamento da ave por parte de criadores brasileiros, o que vem de merecer novo enfoque, mediante um registro mais atual e pormenorizado sobre o assunto, ainda que subordinado ao título acima. À semelhança da ema ( Rhea americana L.), o avestruz também apresenta o esterno sem a quilha, mas difere daquela porque possui apenas dois dedos em cada pé, e não três como na ave nativa do Brasil (...). O avestruz é considerado a maior das aves domesticadas pelo homem. Sua altura média oscila entre 1,80 e 2,50 m no exemplar adulto, variando segundo a espécie e o sexo, e o peso do macho está ao redor de 135 quilos.

 
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