Lançado há duas semanas, o polêmico filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha, já foi assistido por 11 milhões de pessoas, segundo estimativas feitas a partir da venda de DVDs piratas, e tem lotado salas de exibição no País inteiro. A produção ganhou destaque na imprensa ao discutir a violência policial e o tráfico de drogas de uma perspectiva até então inexplorada: a do policial. A obra de Padilha, que também dirigiu o documentário Ônibus 174 (2002), inspira-se

no livro Elite da Tropa, escrito no ano passado pelo antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares e pelos ex-policiais André Batista e Rodrigo Pimentel (o último também atuando como roteirista do filme).

Narrado pelo Capitão Nascimento (Wagner Moura em excelente atuação), membro do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), o filme tem início em uma operação chefiada por ele, em 1997, quando a equipe

é designada para a missão de apaziguar o Morro do Turano, no Rio de Janeiro, e garantir a segurança do papa, que visitaria a cidade dias depois. O motivo da operação é considerado insensato por Nascimento, que ao mesmo tempo procura um substituto à sua altura, pois sua esposa espera um filho e lhe pede repetidamente que deixe o batalhão. A pressão causa enorme estresse em Nascimento. Ele é obrigado a subir o morro em meio a um tiroteio em um baile funk, para resgatar oficiais da Polícia Militar, encontrando lá os aspirantes Neto e Matias, que acabam se candidatando ao curso de formação da Tropa de Elite. Ambos destacam-se chamando a atenção do Capitão Nascimento, que os observa como substitutos potenciais.

A narrativa é inteiramente permeada por retratos da violência desmedida, empregada pelos membros do Bope durante suas operações. Cenas brutais de tortura e assassinatos em confrontos somam-se à denúncia da corrupção existente na instituição policial e na sociedade, da conivência social com as contravenções e da falta de recursos da polícia. Ao atribuir parte da responsabilidade pelo tráfico ao usuário de drogas da classe média, Tropa de Elite também explora um ponto de vista até então pouco aprofundado no cinema.


Cenas de treinamento, tortura e incursões pelo morro: retrato do Bope

Incorruptibilidade x violência – O trabalho de Padilha revela a condição paradoxal do Bope, uma força policial completamente honesta e refratária à corrupção, mas ao mesmo tempo extremamente brutal. “Esse tipo de estrutura, entretanto, não dura muito. A corrupção está inserida no sistema policial e não é possível manter um batalhão livre dela por muito tempo”, afirma a socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP Cristina Neme. A própria Tropa de Elite retratada no livro e no filme não existe mais, naquelas exatas configurações dos anos 90. O efetivo, que era de 150 homens, chega hoje a 400, e a tendência é que os problemas encontrados na polícia regular também alcancem o batalhão. “O paradoxo, na verdade, não existe, porque a violência policial ilegítima muitas vezes funciona como o outro lado da moeda da corrupção, servindo como fator de coação e achaque”, explica Cristina.

O filme explicita as três escolhas que se apresentam ao policial, na luta contra o tráfico: “ou ele se omite, ou ele se corrompe, ou ele vai para a guerra”, nas palavras de Padilha. A Tropa de Elite, cujos membros passam por uma verdadeira lavagem cerebral antes de serem admitidos, é o resultado da opção pela legalidade e por isso é um verdadeiro batalhão de guerra. “Não há um policiamento regular e contínuo nos morros, apenas intervenções pontuais, o que coloca os policiais em grande risco. Daí o surgimento de algo como o Bope”, afirma Cristina. Segundo ela, entretanto, não se trata de uma situação de guerra. “Os ‘inimigos' são mortos, mas sempre aparecem novos, ininterruptamente. Isso leva ao simples extermínio, em que o policial se vê como um justiceiro e sabe que o problema não se resolve”, diz ela. Na opinião da pesquisadora, o livro denuncia de maneira muito clara a violência policial e possibilita diretamente uma visão crítica sobre o assunto. “Já o filme, segundo meu ponto de vista, faz um certo elogio ao Bope, mesmo que não intencionalmente, porque não mostra todos os lados desse problema que é extremamente complexo. Por se tratar de um filme de entretenimento, não dá conta de uma realidade que é muito cruel e concreta, apresentando uma visão simplificadora e espetacularizada, ao contrário do que Padilha fez em Ônibus 174”, acredita.

Instituições frágeis – Já a fraqueza das instituições e a corrupção generalizada ganham um retrato fidedigno em Tropa de Elite, segundo a pesquisadora do NEV. A questão, por sinal, é considerada ponto-chave na luta contra a violência. “O Brasil é um país de ilegalidades, o que inclui o tráfico de drogas e a economia informal e ilegal que produziu tantas cópias piratas do filme”, aponta Cristina. A luta contra a criminalidade e a violência passa pela estruturação do sistema de justiça como um todo, por meio de políticas eficazes de gestão e controle. “A instituição policial, dentro desse contexto, deve ser completamente ‘limpa'. É emblemático que a polícia seja tão forte com relação à brutalidade e tão fraca como instituição, não conseguindo conter a corrupção que vem de cima”, conclui Cristina.

 
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