Em 1917, os bolcheviques, liderados por Vladimir Lenin, protagonizaram uma revolução que colocou a esquerda no comando do país e renovou as esperanças das mentes anticapitalistas de todo o mundo, inclusive do Brasil. Prometendo paz, terra, pão, liberdade e trabalho, Lenin começou uma inédita experiência socialista cujas ações e ideário liderariam o movimento esquerdista mundial e brasileiro por muitos anos.

Foto crédito: Francisco Emolo

Para relembrar essa história e discutir os novos rumos do socialismo no Brasil, o Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP promoverá, nos dias 12, 13 e 14 de novembro, o seminário Uma Jovem de 90 anos: 1917-2007 – 90 anos da Revolução Russa.

Do anarquismo ao comunismo – O evento se aprofundará nas causas e conseqüências da Revolução Russa – que em novembro completa 90 anos – e suas implicações no Brasil. Em São Paulo, sob a influência dos

imigrantes europeus que fugiam da destruição causada pela Primeira Guerra Mundial, os operários se uniram em um representativo movimento anarquista pela melhoria dos salários e das condições de trabalho.

Em julho de 1917, apenas alguns meses antes da revolução que mudaria o rumo da política internacional, o movimento organizou a primeira grande greve do País, que atingiu dezenas de fábricas em São Paulo e no Rio de Janeiro. “O movimento foi supresso pela polícia, que prendeu organizadores e exilou muitos trabalhadores imigrantes. Até o jornal O Estado de S. Paulo, reconhecidamente conservador, escreveu que a torre de marfim da elite tremia com o operariado e ainda se ofereceu para mediar as discussões entre o governo e o movimento”, afirma o professor Antônio Carlos Mazzeo, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e um dos palestrantes do seminário.

Apesar de ter marcado a história do movimento sindical nacional, a greve não surtiu os resultados esperados e colocou em crise a ideologia anarquista. Com o sucesso da Revolução Russa, os ideais socialistas influenciaram diretamente o meio operário, contribuindo para a ampla difusão do pensamento de Karl Marx, o principal teórico do movimento.

Nesse novo cenário, em 1922, o proletariado, apoiado pela classe média descontente com a política oligárquica do País, fundou o Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja missão era trazer ao Brasil o ideário criado e divulgado pelo novo governo russo através da Internacional Comunista. Durante décadas, o Partidão, como era chamado, foi o centro da esquerda brasileira. “Foi a maior novidade política do Brasil, que geraria um movimento de mudança social ligado às classes subalternas e, mais tarde, influenciaria, inclusive, nos erros e acertos do PT”, avalia o professor.

Do comunismo à democracia – Com a tomada do poder pelos governos fascistas em diversos países da Europa, na década de 30, o movimento comunista tomou novos rumos. Com a União Soviética ameaçada diretamente pelo crescimento desses governos autoritários em países próximos, o comunismo se colocou como o maior defensor da democracia. Logo, a mudança do ideário chegaria ao continente americano pelas ordens do núcleo dirigente.

No Brasil, após apoiar Getúlio Vargas na esperança da conquista de direitos, o movimento se sentiu traído com a instituição do Estado Novo, em 1937. Mesmo a parcela da classe média que não defendia os preceitos revolucionários comunistas apoiou o movimento esquerdista quando este assumiu, como na União Soviética, a luta pela democracia. “O PCB captou todos esses inconformados com a ditadura de Vargas, que usou a caçada à ameaça comunista como mote para seu governo autoritário”, relata o professor Jorge Grespan, do Departamento de História da FFLCH e membro da comissão organizadora do seminário.

Após anos de atuação contra o governo autoritário, o movimento comunista viveu um novo momento de auge. Com o fim da ditadura de Vargas, o PCB foi legalizado pela Constituinte de 1946 e marcou sua presença no Parlamento com uma votação expressiva. “Já a União Soviética comemorava sua vitória sobre a Alemanha nazista, fato que a marcou como a grande resistência ao fascismo na Segunda Guerra Mundial”, revela Grespan.

Da democracia ao declínio – Vitoriosos contra o fascismo, o movimento se voltava novamente à busca do socialismo. O enfrentamento revolucionário provava-se ineficiente tanto na experiência soviética como na brasileira. Os países capitalistas e a direita ganharam muita força política e econômica nos anos de ditadura e autoritarismo e a União Soviética deveria mudar suas táticas para se manter no poder.

Em 1958, o PCB, na sombra do movimento russo, organizou um congresso para discutir seu ideário e sua tática de ação. Com medo de que a direita tomasse o poder novamente, após tantos anos de autoritarismo, o partido escolheu fazer uma aliança com a burguesia, na busca pela consolidação do capitalismo como ferramenta de desenvolvimento. Seria, segundo Grespan, uma burguesia nacionalista, que criaria um capitalismo brasileiro a partir da história e da realidade do País.

Mas nem todos os membros do movimento foram a favor dessas mudanças. Em 1962, os membros fiéis ao stalinismo e à radicalização, intitulados Grupo dos Cem, fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que hoje se coloca como o real herdeiro ideológico do partido criado em 1922. Os ditos reformistas ficaram no antigo PCB.

Com o golpe militar de 1964 e a repressão promovida pela ditadura, a diferença de táticas se mostrou mais evidente. O PCB se manteve atuante em uma frente democrática, escondido sob outras legendas, uma vez que os militares perseguiam os comunistas. Já os radicais montaram grupos como o MR8, frente armada formada por operários e estudantes, estes oriundos principalmente da USP. “A USP havia sido criada há 30 anos e formava gerações de estudantes combatentes, nos anos 50 e 60. É nesse momento que a classe dos estudantes tem um peso maior no movimento e verdadeira representação política”, conta Grespan.

Com a volta do governo democrático, em 1985, o movimento de esquerda pôde voltar a atuar legalmente, mas a crise mundial vivida pelo socialismo minou suas chances de se fortalecer e ganhar representatividade. No final da década de 80, a União Soviética caiu diante da aliança capitalista liderada pelos Estados Unidos, e o stalinismo foi questionado. O fracasso da experiência soviética pôs em dúvida a eficiência do governo socialista e deixou em crise o movimento esquerdista em todo o mundo.

No Brasil, ele ainda não se recuperou. Em 2002, com a eleição de Lula como candidato do PT, maior partido declaradamente de esquerda, o movimento parecia ganhar o poder, mas não foi exatamente assim. “Hoje, a esquerda tem uma perspectiva interessante. Continua pensando contra o neoliberalismo e contra a esquerda representada por Lula e se mantendo como o único movimento que se coloca contra o capitalismo, um projeto que já se mostrou esgotado”, analisa Mazzeo. No ano passado, tanto o PCB quanto o PCdoB foram ameaçados pela chamada “cláusula de barreira”, que cancela partidos que não alcancem votação representativa.

Para Grespan, a esquerda está mais pulverizada, mas se mantém num esforço coletivo para repensar a teoria marxista e avançar em direção ao socialismo. “A esquerda não vai acreditar que o capitalismo deu o último passo. A Revolução Russa foi um processo civilizatório dentro do próprio capitalismo, na luta pelos direitos e pela justiça. São conquistas de toda a humanidade, uma sociedade na qual as pessoas são protagonistas de suas vidas. Foi um marco do século 20”, avalia.

O seminário Uma Jovem de 90 anos: 1917-2007 – 90 anos da Revolução Russa será realizado nos dias 12, 13 e 14 de novembro, das 9h às 22h, no auditório do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo). Haverá 23 mesas de debates. Mais informações podem ser obtidas no telefone (11) 3091-3760.

 
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